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Um brasileiro preto no Emmy (pela segunda vez)

Indicado como melhor ator pela série “Impuros”, Raphael Logam fala sobre carreira, vida e sonhos em um momento de projeção internacional

por Roger Cipó 2 out 2020 00h56
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(Clube Lambada/Ilustração)

u nem sabia como começar essa conversa, até porque não é todo dia que eu entrevisto um astro indicado ao Emmy Awards. E não é todo mundo que tem a honra de ter como irmão e amigo o astro com duas indicações consecutivas ao Emmy Awards, na categoria Melhor Ator.

Na última quinta-feira, quando Raphael Logam me mandou mensagem e disse que teríamos que almoçar juntos para comemorar algo especial, eu já imaginava que “tava vindo coisa grande por aí”. Afinal, ele é um dos maiores talentos que surgiu nos últimos anos, imprimindo uma assinatura histórica nas telas e se tornando destaque mundial ao emprestar seu corpo para o complexo Evandro do Dendê, seu personagem na série Impuros, do canal Fox Premium, que pelo segundo ano o colocou na disputa final do Emmy Internacional de Melhor Ator.

Um seguidor me escreveu que Impuros é, na verdade, uma série sobre super-heróis, e eu concordo. Homens pretos estão, historicamente, travando batalhas injustas que parecem surreais para sobreviverem a todas as mazelas que o racismo produz. Evandro do Dendê, Raphael Logam, Silvio Almeida, Jonathan Raymundo, Chadwick Boseman, Yuri Marçal, Tim Maia, eu e qualquer homem preto que busca formas de se manter vivo e realizar seu sonho em um país racista é um herói de sua jornada e de sua comunidade. Mas isso, eu falo em outro momento, né?

Raphael Logam, que esteve em Nova York no ano passado para o tapete vermelho do prêmio e que, segundo ele, quase não se aguentou de tanto nervosismo só pela possibilidade de encontrar com a lenda Will Smith, também não acreditou quando sua namorada o acordou eufórica, avisando que, mais uma vez, ele estava entre os finalistas da principal nomeação internacional da TV.

Nós batemos um papo sobre esse momento e sobre sua trajetória, e eu te convido para conhecer mais do ser generoso que é Raphael Logam, um pai dedicado que ama estar com a família, no samba e com suas amizades. Capoeirista sagaz e teimoso como todo bom carioca capricorniano, Logam é, sem dúvidas, um realizador de sonhos – e essa nova nomeação confirma isso. Ainda bem que é só o começo! Confira nossa conversa de irmãos.

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(Roger Cipó/Fotografia)

Mano, quais são as coisas que você mais gosta de fazer?
Ficar com a minha família, atuar e jogar capoeira. Amo tomar uma cerveja com os amigos num samba.

O que te provoca a fazer seu trabalho?
O desafio de emprestar meu corpo e passar a mensagem em diversas formas.

O que aconteceu nessa trajetória para que você chegasse até o Emmy? Me conta um pouco desse caminho?
Passei por muitas coisas que só sendo preto pra entender. Basta ser preto em qualquer profissão que a gente sente na pele que as portas não se abrem com facilidade. Mas sou teimoso e fiel ao meu signo. Fiel à minha família, fiel aos meus votos. Não desisto fácil. Foi um caminho de muita entrega e muita fé!

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“Basta ser preto em qualquer profissão que a gente sente na pele que as portas não se abrem com facilidade. Mas sou teimoso e fiel ao meu signo, à minha família, aos meus votos. Não desisto fácil. Foi um caminho de muita entrega e muita fé”

Como você se sentiu quando acordou e recebeu a notícia da segunda indicação ao Emmy?
Sinceramente, eu não esperava. Obviamente, depois da primeira vez, você entende que a possibilidade existe, ainda mais quando se trata do mesmo produto, mas, obviamente, tomei o mesmo susto. Fui sacudido as 7 da manhã, tendo ido dormir às 5. Acordei falando nada com nada: ”o que aconteceu? Amanhã é quarta? Quero feijão. OI? INDICADO??? AEEEE” [risos]

Quem é o Evandro?
Evandro é a realidade de muita gente de comunidade. Muito família, fiel aos amigos, inteligente e que muitas vezes é impedido de seguir uma vida normal e acaba sendo sugado para vida do crime. Evandro é um ser humano.

Um seguidor escreveu que Impuros é uma série de super-heróis. O que tem na história do Evandro que faz com que um homem preto encontre nele um herói?
Então, tudo isso que falei acima. Evandro é voltado para comunidade, fazendo com que o Dendê seja um bairro com tudo do bom e do melhor. Faz de tudo pela família e amigos. A ambição dele faz ele chegar longe e ainda conseguir se manter vivo. Acho que esses atos são visto como heróicos. Não o vejo como herói, vejo como sobrevivente.

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“A ambição do Evandro faz ele chegar longe e ainda conseguir se manter vivo. Acho que esses atos são visto como heróicos. Não o vejo como herói, vejo como sobrevivente”

Essa é a sua segunda indicação consecutiva ao Emmy, e para melhor ator. O que isso diz para a sociedade e televisão brasileira, que estruturalmente marginaliza e precariza o trabalho de pessoas pretas?
Uma palavra: CHEGA! Não dá mais pra ser assim. Não tem como tentar manter o mesmo padrão de antes. A gente já mostrou que sabe fazer. A gente sabe atuar, escrever, dirigir, produzir. Somos potência. Tentar ofuscar isso é um erro muito grande. Podemos e sabemos fazer qualquer tipo de papel seja ele qual for, estamos pronto há muito tempo.

Você me contou que, no ano passado, ficou ansioso no tapete do Emmy porque havia a possibilidade de encontrar o Will Smith por lá. Por que você se sentiu assim? Eu acho que esse encontro está cada vez mais próximo, já pensou em trabalhar com ele?
Sim. [risos]. Alguém falou comigo que ele queria ir porque tinha um dos dele participando. Fiquei mais nervoso ainda. Imagina ser recepcionado em Nova York pelo Will? Ele é foda. Quem sabe, sabe. Meu sonho é trabalhar com ele e com toda aquela potência preta que a gente conhece lá de fora. A minha parte eu tô fazendo, só falta o convite. [risos]

“Não tem como tentar manter o mesmo padrão de antes. A gente já mostrou que sabe fazer. A gente sabe atuar, escrever, dirigir, produzir. Somos potência. Tentar ofuscar isso é um erro muito grande”

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Alô! Will! Irmão, o que o Raphael diz para todos os homens pretos que, todos os dias, desviam de um projeto de sociedade genocida e buscam formas de se manterem vivos e ainda tentam sonhar?
A gente sabe que é difícil. A gente sente na pele mesmo não conhecendo o irmão que sofre, a gente se vê na situação… irmãos, vamos transformar esse ódio, que é muito compreensível, em força. Vamos fazendo o nosso, mudando primeiro o nosso quilombo individual (casa, bairro…) educando as nossas crias e todas as crianças para que elas possam viver num mundo melhor. Sei que é difícil, mas sigam firmes na fé que o Deus de cada um (seja lá qual for a religião) vai agir do plano dele, mas a gente precisa agir do nosso.

Vamos fortalecer os nossos quilombos e construir a nossa Wakanda. Avante, meu povo!

Força e Fé!

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