Renata Corrêa é movida pelas palavras. Desde criança foi uma leitora voraz, sabia até quais eram os presentes de aniversário, pois as embalagens eram sempre livros – a única coisa que pedia. Na adolescência, criou blogs para publicar suas histórias de ficção e um projeto de literatura com amigos para dar vazão à criatividade.
“A escrita é o lugar onde sempre consegui me expressar melhor. Quando criança, não tinha a noção de que isso poderia ser uma profissão. Era um universo muito distante. Mas sempre escrevi histórias, mesmo sem saber que elas poderiam ser publicadas ou encenadas”, conta à Elástica.
Foi na faculdade de cinema que ela se aproximou do audiovisual. Hoje, é roteirista de produções da Globo, escreveu a série Rensga Hits! e está focada em Vai na Fé, nova novela das sete. “Essa é a minha primeira experiência com novela e acho que essas são obras que o Brasil faz muito bem”, revela. Além disso, Renata está escrevendo seu primeiro romance, com lançamento previsto para o ano que vem.
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Melodrama, comédia e temas que envolvem o feminino são centrais em seu trabalho. E a autora transita por todos eles sem perder sua essência – o humor. Para ela, essa é uma linguagem que, quando bem usada, se torna uma ferramenta política e social. “Ele funciona como uma lupa porque faz com que você olhe para a sociedade de forma diferente. Você acha onde está o estranho e o contraditório, e assim constrói uma obra que revela o mais absurdo do ser humano”, explica. “É curioso que pessoas acreditem que o drama é mais importante enquanto há grandes obras audiovisuais de humor na televisão e no cinema que trazem ótimas reflexões.”
Assuntos delicados como padrões corporais, saúde mental e a carga invisível que as mulheres carregam também são pautas importantes para Renata, que procura trazer à tona questões de direitos humanos por onde passa. No livro Monumento para a Mulher Desconhecida, publicado em 2022 pela editora Rocco, seus ensaios de não ficção tratam de todos esses tabus de forma leve e, ao mesmo tempo, questionadora – como se fosse um grito que todos nós precisamos ouvir.
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“Acredito profundamente na conexão com o outro e no diálogo. E o texto é uma porta… Quando a gente escreve algo, o resultado não é uma obra fechada, mas um convite. Isso é transformador”
“Sempre fui uma pessoa politizada e acredito que, se você tem um talento ou habilidade, é possível usar essas ferramentas para transformar o mundo. Chega a ser um desperdício ter uma profissão que emociona e fala com tanta gente e não evidenciar injustiças”, diz. “Acredito profundamente na conexão com o outro e no diálogo. E o texto é uma porta, uma janela, um telefone, uma garrafa jogada no mar. Quando a gente escreve algo, o resultado não é uma obra fechada por mais que ele esteja publicado com ponto final, mas um convite.”
Na obra, o aborto ganha um capítulo solo dada a importância dos dados brasileiros: o fenômeno é persistente em mulheres todas as classes sociais, recortes raciais e religiões. Uma em cada cinco mulheres já fez. Inclusive a própria autora, que conta a experiência que se aproxima de milhares de adolescentes e deve ser tratada como saúde pública.
“Estamos atrasados em relação a muitos países porque temos uma legislação super conservadora. A discussão é sempre pautada por moralismo, e não por evidências científicas”, ressalta. “Sempre que eu puder trazer luz a esse tema, vou trazer. E se puder falar de uma maneira que toca o coração das pessoas, sinto que é um serviço.”
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É através do sentimento, aliás, que ela faz seus personagens se conectarem com quem os assiste. Na televisão, a construção de suas personagens é complexa porque ninguém é perfeito. Todos temos falhas, lados bons e outros nem tão bons assim. Sentimos tudo: amor, dor, tristeza, solidão, felicidade… A empatia do espectador é o que garante esse laço.
“A dramaturgia tem ondas. Se antes víamos personagens homens terríveis com uma masculinidade exacerbada, também vimos protagonistas femininas muito fortes – mas quase infalíveis. E isso fez com que a gente perdesse um pouco o lugar da vulnerabilidade”, afirma. “Hoje chegamos num lugar muito mais interessante para construir personagens mulheres. Os autores entenderam que elas merecem cuidado para ter questões profundas e não precisam ser perfeitas para serem amadas. Isso é um grande ganho.” Abaixo, a autora indica cinco livros de mulheres para ter na estante:
A parábola do semeador, por Octavia Butler
“É um livro apaixonante! Gosto muito de distopias porque elas explicam o que pode acontecer com nosso futuro se não tivermos cuidado com o presente.”
A filha primitiva, por Vanessa Passos
“Esse livro ganhou o prêmio Kindle. É de uma escritora brasileira nordestina que publicou a obra na plataforma da Amazon. O livro fala sobre maternidades ausentes de homens – e como viver com isso.”
O som do rugido da onça, por Micheliny Verunschk
“O livro se passa em dois tempos: é a história da protagonista e a narração da história de duas crianças indígenas foram levadas para a Europa num navio. Ele tem uma intersecção entre ficção e não ficção que é um espaço muito legal na literatura. É um exemplo de como usar dados reais para construir uma obra literária.”
O parque das irmãs magníficas, por Camila Sosa Villada
“É um livro com melodrama, cheio de afeto e humor. Ele tem um tom de realismo fantástico e uma exacerbação do real para a gente aceitar o sentimento das personagens, que são mulheres trans. É interessantíssimo.”
Os tais caquinhos, Natércia Pontes
“Eu amo narrativas adolescentes e esse livro tem uma história muito profunda. São fragmentos da adolescência de duas irmãs que são totalmente diferentes. É um romance de formação de uma autora brasileira. É lindo!”