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Existe um rosto que engaja melhor no Instagram?

No livro “O Instagram está padronizando os rostos?”, autora acende o debate da pasteurização das características individuais e tenta entender essa busca

por Giuliana Mesquita Atualizado em 19 nov 2021, 13h24 - Publicado em 21 set 2021 23h13
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(redação/Arte)

mensagem de que temos que ser a melhor versão de nós mesmos circula por aí há algum tempo. Começou em um movimento tímido, ativista até, de feministas que lutavam para que o amor próprio fosse mais presente na vida de mulheres que sempre foram ensinadas a se odiar. O mote, que se popularizou, saturou e virou propaganda publicitária em tempo recorde, parece ter perdido seu sentido oficial e ganhado muitos outros mais perigosos. Não é novo o papo de que o tempo de tela, as redes sociais, os filtros e a ‘geração selfie’ estão causando danos irreparáveis na auto-estima e na auto-percepção de muita gente. Mas quanto o Instagram está diretamente ligado a esse movimento?

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Em 2019, a jornalista Jia Tolentino publicou um artigo chamado The Age of Instagram Face (A era do rosto de Instagram, em tradução livre) na  publicação norte-americana The New Yorker, falando um pouco sobre as características desse rosto padrão que vemos cada vez mais na internet. Camila Cintra, ao lado da Professora Lúcia Santaella, decidiu, então, escrever uma tese – que virou livro publicado pela Editora Estação das Letras e Cores – tentando entender onde nasceu, como esse novo padrão assola e assombra milhares de homens e mulheres ao redor do mundo – e mais: aonde vamos parar com essa pasteurização dos rostos em massa. Assim nasceu o livro O Instagram está padronizando os rostos?. Em entrevista à Elástica, a autora e pesquisadora de tendências de comportamento de consumo conta que o interesse pelo tema surgiu em 2017, quando começou a reparar, empiricamente, que os rostos das pessoas estavam ficando cada vez mais parecidos. O que estaria causando isso?

“Quis entender quais comportamentos estão gerando isso e porque é algo buscado por tanta gente. Havia também uma pergunta mais íntima, já que eu sempre entendi que havia uma busca por padrão de beleza no corpo em geral, mas quando isso chegou no rosto, me inquietou demais. Quando a gente abre mão do nosso rosto, do que estamos abrindo mão exatamente?”, questiona Camila. “Esse rosto de Instagram é um boneco do que é ‘melhor’ de várias etnias. A boca é dos negros, mas o nariz precisa ser pequeno e arrebitado como o das européias. O olho é puxado como o das asiáticas, mas não tão pequeno. É um sequestro de imagens que vira uma composição bizarra”, explica Fabiana Gomes, maquiadora, estudante de psicanálise e entusiasta do tema. Se você ao ler essa descrição você pensou na família Kardashian-Jenner, pensou certo: a família que estrelou o reality show Keeping Up With the Kardashians por vinte temporadas tem certa “culpa” nessa padronização. Com seus milhões de seguidores acumulados nas redes sociais, elas se tornaram o novo padrão inatingível de beleza.

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“Quis entender quais comportamentos estão gerando isso e porque é algo buscado por tanta gente. Sempre entendi que havia uma busca por padrão de beleza no corpo em geral, mas quando isso chegou no rosto, me inquietou demais. Quando a gente abre mão do nosso rosto, do que estamos abrindo mão exatamente?”

Camila Cintra
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(Redação/Arte)

Se antes um contorno potente, pares de cílios postiços e até um equipamento que “incha” os lábios – lembram dessa febre que rolou por volta de 2015? – faziam o trabalho, hoje é preciso muito mais para emular essas características. Antes de 2002, cirurgias plásticas eram inacessíveis para a maior parte da população, mas o ano marcou a data em que a Food and Drug Administration, nos Estados Unidos, aprovou o uso do Botox para preenchimento. Anos depois, o ácido hialurônico, como Juvéderm e Restylane, também foram liberados. O que antes era caro, dolorido e com tempo de repouso longo, hoje pode ser feito em uma clínica em uma consulta de uma hora. Isso acabou popularizando o procedimento. E, agora, quase 20 anos depois, eles se tornaram extremamente difundidos mundialmente, criando certa banalização em cima da modificação de características básicas do rosto. Hoje, a moda é a harmonização facial – aplicações que marcam as mandíbulas e deixam o rosto mais quadrado e ‘harmônico’ (pra quem?).

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Parece que a melhor versão de nós mesmos, essa da qual falamos no começo do texto, se transformou, ganhou novo significado. A nova “melhor versão de nós mesmos” agora é modificada por filtros que afinam o rosto e aumentam a boca, ou até mesmo editada à exaustão em aplicativos como o FaceTune. Se antes o comum era levar fotos de celebridades para imitar um nariz ou uma boca, hoje pessoas visitam clínicas de estética com suas fotos com filtro. Nos Estados Unidos, já tem nome pra isso: Snapchat Dismorfia. “Estamos falando de um rosto que não passa só por procedimentos físicos, mas que tem filtro, posicionamento de foto. O que eu acho que está acontecendo é uma certa dissonância entre como as pessoas se enxergam com filtro e sem. Parece que elas pensam ‘nossa, sou feio, meu rosto deveria ser assim’ quando se veem com filtro. Isso tem gerado mal estar profundo nas pessoas, gerando um desconforto coletivo”, completa Camila Cintra.

“Esse rosto de Instagram é um boneco do que é ‘melhor’ de várias etnias. A boca é dos negros, mas o nariz precisa ser pequeno e arrebitado como o das européias. O olho é puxado como o das asiáticas, mas não tão pequeno. É um sequestro de imagens que vira uma composição bizarra”

Fabiana Gomes
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O que o algoritmo tem a ver com isso?

Segundo a tese da autora, esse novo rosto-de-Instagram foi formado por três esferas: o ambiente estético do Instagram, a tecnologia e o físico. Na primeira, ela aponta como nosso olhar e modo de vida mudaram por conta do aplicativo de fotos e vídeos. “Estamos falando de um ambiente com todo um referencial estético, que potencializou um valor que já era nosso. As nossas vidas foram atravessadas pelo valor da estética, virou um modo de vida. Isso chegou em várias instâncias: na nossa casa, nos nossos jardins, nos nossos corpos e agora nos nossos rostos”, explica. 

A segunda fala sobre a tecnologia que modifica nossos rostos – seja ela em versão filtro ou em aplicativos como o FaceTune. E a terceira, mais palpável, dos procedimentos estéticos que levam essa padronização para a vida real, fora das telas. “Eu analiso esse rosto como uma face performance. E digo performance em dois sentidos: é um rosto que performa na lógica do espetáculo do Instagram e um rosto que performa produtividade e otimização”, continua. Isso significa que o algoritmo do Instagram tem parcela de culpa pela disseminação dessa imagem ‘perfeita’. Vale dizer que ninguém sabe exatamente como a tecnologia que privilegia os conteúdos que são viralizados funcionam, mas que há experimentos, como o da Polly Oliveira, que mostram que a lógica do Instagram ainda privilegia pessoas brancas, magras e com um certo corpo padrão. 

“Não me arrisco a dizer como os algoritmos são feitos, o que posso dizer é que esse tipo de percepção empírica vem sinalizando, há algum tempo, um viés racial – é o que mais tem se falado. Mas acho que tem sim esse lado [do rosto que vende melhor no Instagram]. No entanto, temos que entender como ele funciona como um todo. O algoritmo obedece comandos”, explica Cintra. Isso significa que mesmo que pareça que o algoritmo privilegia o conteúdo de certo tipo de rosto e corpo, as pessoas que alimentam essa tecnologia através do conteúdo que consomem e que curtem no aplicativo. “Será que a gente também não interage mais com o que a gente conhece como bonito? Será que as pessoas também não estão colocando seu engajamento só nisso? Uma coisa retroalimenta a outra. O único ponto é que tudo que entra algoritmo no meio potencializa o que estamos fazendo e todas nossas noções. Essa é uma lógica inédita para a gente. Por isso temos que tomar cuidado com o que consumimos.” 

“Será que a gente também não interage mais com o que a gente conhece como bonito? Será que as pessoas também não estão colocando seu engajamento só nisso? Uma coisa retroalimenta a outra. Tudo que entra algoritmo no meio potencializa o que estamos fazendo e todas nossas noções”

Camila Cintra
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Mesmo sendo alimentado por likes e interações, é inegável que certo tipo de rosto “performa” melhor no Instagram – mas isso não significa que o Instagram é 100% culpado. Nós estamos acostumados com um certo padrão de beleza e, ao nos depararmos com ele scrollando pelo aplicativo, costumamos interagir mais com ele. Para Fabiana, é importante entendermos de onde vem os nossos gostos e como eles são criados. “Vamos entender o que a gente valida como bonito? É muito fácil achar certas pessoas bonitas, nós fomos condicionados a vida inteira”, completa.

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A contra tendência

Mas, assim como acontece com toda grande tendência, há uma contra tendência. Talvez você já tenha reparado que há alguns influenciadores e produtores de conteúdo que vêm aparecendo sem filtro. Há quem fale sobre o assunto, debata sobre como os filtros estão deturpando nossa visão de nós mesmos e como isso é perigoso. Temos que tomar cuidado com esse tipo de discurso de quem já fez vários procedimentos e, hoje, já encontra o que vemos no filtro no espelho do dia-a-dia. Afinal, é mais fácil falar sobre isso quando já se tem o rosto ‘perfeito’. Segundo Camila Cintra, a Geração Z costuma falar mais sobre suas inseguranças no TikTok, abrindo um caminho para uma conversa mais franca e que tira de cena a perfeição que buscamos (e encontramos) no Instagram.

“Não sou inocente, não acho que vamos voltar a uma ideia anterior de que o rosto bonito é o natural. Mas precisamos negociar quais são esses limites”

Camila Cintra
@thebrontemarieThis is the “beauty filters are trash” challenge. Please join me.♬ original sound – Miss Persephone

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Essa contra tendência ainda é pequena, já que é muito mais fácil usar filtros como muletas. Para a pesquisadora, ainda há um grande caminho a ser trilhado, mas vamos chegar em um cume. “Vai existir um movimento muito semelhante ao que aconteceu nos corpos. Um movimento de diversidade no rosto. Não sou inocente, não acho que vamos voltar a uma ideia anterior de que o rosto bonito é o natural. Mas precisamos negociar quais são esses limites. O que não será aceitável mais. Os corpos e rostos de hoje não são os mesmos da década de 1980, o padrão de beleza vai mudando, mas eu acho que alguma coisa a gente vai ter que negociar.”

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