O ator Luiz Felipe Lucas fala sobre a série "Santo", racismo nas telas e a responsabilidade das produções do gênero policial
por Gabriel PortellaAtualizado em 16 dez 2022, 10h14 - Publicado em
23 nov 2022
10h56
Os temperos brasileiros, na gastronomia ou na dramaturgia, se destacam por suas excentricidades e potências, valorizando as raízes culturais e históricas do Brasil. De acordo com o ator Luiz Felipe Lucas, o jeito de atuar dos artistas brasileiros é repleto de teores, calores e temperaturas que os diferenciam do resto do mundo.
Nascido em Minas Gerais, Luiz acaba de chegar à Netflix na série Santo, que conta a história de dois policiais de diferentes continentes que se unem para uma violenta perseguição atrás do maior narcotraficante do Brasil, cujo rosto ninguém conhece. Criada pelo espanhol Carlos López e dirigida pelo brasileiro Vicente Amorim, a produção debutou entre as 10 séries mais assistidas da plataforma na sua semana de estreia, em setembro deste ano.
Na história, Luiz dá vida ao delegado Paulo, melhor amigo do protagonista Cardona, interpretado por Bruno Gagliasso. “Estou muito feliz com a realização desse trabalho, principalmente pelo fato de ser uma produção intercontinental com a mesma importância dos dois lados, em um formato novo”, explica Luiz sobre o equilíbrio entre o tempo de cena dos protagonistas e o número de profissionais brasileiros e europeus envolvidos na série.
“Estou muito feliz com a realização desse trabalho, principalmente pelo fato de ser uma produção intercontinental com a mesma importância dos dois lados, em um formato novo”
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O ator afirma que a série tem sido muito bem recebida apesar da sua complexidade narrativa, característica pela qual ele também admira a produção. “Conforme avançam os capítulos, você passa a entender que a história vai sendo montada pelo espectador”, pontua.
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A violência no audiovisual
Santo chegou ao streaming cinco dias antes da também aclamada série Dahmer estrear, que conta a história do famoso serial killer. Interpretado por Evan Peters, a produção mostra como Dahmer assassinou 17 pessoas sem levantar suspeitas da polícia.
Em entrevista à revista Insider, Rita Isbell, irmã de uma das vítimas de Jeffrey, criticou a produção da Netflix pela sua ganância, o que acabou levantando debates nas redes sociais sobre o impacto e necessidade de histórias assim serem contadas.
Questionado sobre os cuidados que o audiovisual deve ter ao contar uma história tão violenta como a de Santo, Luiz Felipe concorda que precisa haver responsabilidade, mas aponta que há diferenças entre contar uma história baseada em fatos reais e uma totalmente fictícia.
“O gênero policial requer muito cuidado, ainda mais em uma série que mistura candomblé. Tínhamos um pai de santo que era responsável por tratar desses temas e todos os assuntos que têm essas influências precisam ser bem pontuados, porque a violência é uma coisa muito barata, muito banalizada hoje em dia”, explica Luiz.
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O ator ainda elogia a produção de Santo por não condizer com essa prática e utilizar da dúvida para dar potência às cenas que seriam mais violentas.
“Acho que esse gênero será cada vez mais delicado, mas não vai sumir, pois existe uma demanda por séries assim. No entanto, a cada dia precisamos nos tornar mais responsáveis, e contar histórias para que elas não voltem a se repetir”, refletiu o artista.
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COVID-19 e set multicultural
O ator, que coleciona triunfos pelo Brasil e Europa, onde dirigiu trabalhos no teatro, expõe que gosta de experimentar coisas novas e que Santo permitiu a ele fazer algo totalmente diferente.
Além das cenas intensas de ação e do gênero thriller e policial, a série é marcada por uma diferente dinâmica intercultural em frente e atrás das câmeras. Por ser uma série bastante pesada, o set era bem leve, descontraído e sossegado. Tivemos trocas de informações entre os atores, ríamos, entendemos como o outro trabalhava e a equipe era sensacional”, comenta Luiz.
Mesmo com tamanho entrosamento, os profissionais da série precisaram se adaptar a medidas preventivas rígidas por causa da pandemia do COVID-19. Santo foi gravada entre maio e agosto de 2021, época em que o Brasil enfrentou um aumento no número diário de novos casos, chegando a 95 mil novos casos em menos de 24 horas em junho. Por causa disso, todos os envolvidos na produção da Netflix precisaram usar máscaras a todo o momento e fazer exames RT-PCR diários.
“Durante as filmagens, era verão em Madrid, estava tudo aberto e funcionando normalmente, mas nós só nos encontrávamos entre nós, não saímos”, explica Luiz. O ator comenta que, além do cuidado com a saúde coletiva, havia também uma responsabilidade de todos os colaboradores com a produção, pois o investimento em Santo é grande e o tempo de filmagem para o streaming é menor.
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Bruno Gagliasso, racismo e futuro
Como bons conterrâneos, Luiz admite que se aproximou do seu companheiro frequente de cena Bruno Gagliasso, por quem tem grande admiração profissional.
“Trabalhar com o Bruno foi incrível, a gente ficou muito amigo. Além de eu ter aprendido muitas coisas novas, ele foi um grande parceiro. Como tínhamos que criar uma relação às pressas para poder colocar aquilo na tela, ele pegou na minha mão e falou ‘vamos embora, vamos juntos’”, relembra Luiz.
“Trabalhar com o Bruno [Gagliasso] foi incrível, a gente ficou muito amigo. Além de eu ter aprendido muitas coisas novas, ele foi um grande parceiro”
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Além da troca profissional, Luiz conta que ele e Bruno tiveram valiosas e longas conversas sobre questões de atuação no Brasil, de expectativas sobre o futuro e pautas raciais. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos 10 anos a população preta cresceu 32,4%, enquanto a parda cresceu 10,8%. Taxas superiores ao crescimento da população total do país, 7,6%. No entanto, tal proporção ainda não é vista nas telas.
Questionado sobre o racismo dentro do mercado, Luiz explica que vê mudanças, mas que nada está definitivo. “Eu vejo que existe uma mudança acontecendo muito forte, as nossas histórias estão começando a ser contadas pela gente, por mais que ainda não tenhamos os meios de produção, é difícil vermos diretores e produtores executivos negros, mas acredito que o ativismo dentro e fora das artes estão dando resultados”, pontua Luiz.
O ator reforça que muito do que já está alcançado vem do trabalho de profissionais mais velhos que fizeram parte de um audiovisual muito mais cruel. “Não é uma batalha que está ganha, já tivemos momentos com mais visibilidade e eles voltaram a não existir. A comunidade negra no brasil precisa estar muito bem conectada para essa força não ser interrompida como foi muitas vezes durante a história do audiovisual”, afirma o ator.
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Nas redes sociais, Luiz Felipe afirma que isso é uma questão perceptível para todos. “Não precisa estar eu, de negão, falando isso, todo mundo sabe. Tenho amigos que fazem trabalhos gigantes e não tem o mesmo número de seguidores de pessoas brancas. Isso é muito explícito na internet”, comenta Luiz.
“Entendo que a gente precisa trabalhar, precisamos estar em cena, mas se você tem condições para fazer as pessoas refletirem e essa reflexão tem que ser um não, você nega algum trabalho”, ressalta o ator. O mineiro expõe que, com a facilidade do acesso a informações pela internet que temos atualmente, todas as pessoas podem entender a importância do que está sendo discutido.
“Nossas histórias estão começando a ser contadas pela gente. É difícil vermos diretores e produtores executivos negros, mas acredito que o ativismo dentro e fora das artes estão dando resultados”
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O intérprete de Paulo ainda fala sobre a presença de não atores em papéis de protagonismo em grandes produções. Em dezembro de 2021, a atriz Alice Braga criticou a influência dos números de seguidores em testes de elenco, prática que, segundo ela, é “um absurdo”. Para Luiz, só segura um bom personagem quem é bom de verdade.
“Isso sempre existiu, quando não era influencer, era modelo. Acho isso uma bobeira, essa coisa de colocar pessoas por causa de seguidor. Tem que fazer teste e passar, se é convidado, é convidado porque é bom, porque já fez outros trabalhos. É uma fórmula que não dá muito certo, mas as pessoas continuam insistindo”, admite Luiz.
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Mesmo frente a essas dificuldades, Luiz afirma ver mudanças e estar esperançoso para o futuro. Em 2021, o cinema brasileiro rendeu R$ 882 milhões em bilheteria, mas apenas 1,7% desse valor foi referente a produções nacionais, de acordo com dados do Observatório Brasileiro de Cinema e Audiovisual e da Ancine. Questionado se ele acha que as pessoas irão consumir mais as obras originais do nosso país pós-pandemia, Luiz afirma que o streaming engoliu o mercado brasileiro, mas a mudança será referente a gestão política.
“Será algo mais pós-Bolsonaro do que pós-pandemia. Precisamos recuperar o nosso status cultural que foi extinto e depois continuar o trabalho de entendimento e valorização das nossas histórias, da nossa cultura, do nosso jeito de atuar. Vamos voltar a ter um ministério da cultura e teremos que recuperar muita coisa pois vivemos um período de seis anos tentando desmentir coisas básicas, então agora vamos trabalhar com mais verdade”, finaliza Luiz.