ulheres avançam no mercado de trabalho, reivindicam maior presença em cargos de liderança, no debate público, na chefia da casa. Mas essa autonomia nem sempre se reflete entre quatro paredes, principalmente, quando se trata de relações heterossexuais. Para muitas, o sexo parece confinado em um roteiro previsível, que tem a penetração e o orgasmo masculino como o ponto de chegada, a cereja de um bolo que nem sempre é tão macio, molhadinho e gostoso como deveria. Mas por que ainda é difícil protagonizar o próprio prazer na cama? Por que mulheres ainda estão reivindicando o direito gozar e de (por favor!) não ter o clitóris confundido com a uretra?
Para Cristina Werner, psicóloga, terapeuta sexual e de casais e membro da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana (SBRASH), as respostas para essas questões dependem de um conjunto complexo de fatores, que se misturam entre a experiência pessoal e a vida em sociedade: “A forma como cada mulher lida com a sexualidade depende de como as mulheres de sua família abordavam o assunto, as amigas, as pessoas com quem conviveu e isso vai mudando a cada encontro, seja com homens ou com outras mulheres”, explica. “Acredito que existe cada vez mais abertura para falar sobre o tema, seja na privacidade do casal ou nos coletivos em que elas têm espaço livre para discutir. Porém, estamos em um momento de retrocesso, no Brasil e no mundo, nas discussões sobre gênero e sexualidade.”
A insegurança jurídica e a perda de direitos, que afetam mulheres e pessoas LGBTQIA+ em vários países, segundo Cristina, resultam em um clima de insegurança também nas práticas sexuais, além de reforçar o tabu em torno da questão. “No Brasil, acham que ensinar sobre sexualidade para crianças nas escolas é ensinar o ato sexual, a transar. Não é esse o objetivo. A educação para a sexualidade na infância é para preservar o corpo infantil, tem um caráter preventivo contra possíveis ofensas sexuais que a criança possa ficar exposta”, explica.
“No Brasil, acham que ensinar sobre sexualidade para crianças nas escolas é ensinar a transar. Não é esse o objetivo. Essa educação na infância é para preservar o corpo infantil, tem caráter preventivo contra possíveis ofensas sexuais”
Cristina Werner
Se a educação para a sexualidade não acontece na escola ou dentro de casa, é comum que se busque referências na pornografia disponível on-line, o que Cristina considera trazer uma série de desvantagens para a construção do imaginário erótico, tanto de mulheres quanto de homens. “Em um estudo da Universidade de Chicago, o neurocientista William Struthers [autor do livro Wired for Intimacy: How Pornography Hijacks the Male Brain] observou que, quando se assiste muita pornografia, há diminuição do núcleo accumbens, estrutura cerebral que forma nosso sistema de prazer e recompensa, responsável pela empatia. Quanto mais você assiste pornografia, segundo este pesquisador americano, menor se torna sua capacidade empática.”
Ainda segundo a pesquisa de Struthers, a pornografia é uma simulação que pouco ou nada tem a ver com a realidade, o que pode resultar na construção de uma relação egoísta com o prazer. “Se aprende a transar com um espectro de gente, um simulacro, não com pessoas reais, que têm nome, endereço, sentimentos e sonhos. Isso diminui a capacidade de ir ao encontro do outro, fica mais difícil se afetar pela presença real da outra pessoa, da parceria”, pontua Cristina.
“[Com a pornografia] se aprende a transar com um simulacro, não com pessoas reais, que têm nome, endereço, sentimentos e sonhos. Isso diminui a capacidade de ir ao encontro do outro, de se afetar pela presença real da outra pessoa”
Cristina Werner