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Skate sem limites

Daniel Amorim, que compete no Circuito Paraskate Tour, mostra que nenhum desafio é grande demais quando se tem um sonho

por Beatriz Lourenço 25 nov 2021 23h42
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(Clube Lambada/Ilustração)

ndar de skate pode parecer fácil. Afinal, qual seria o problema em subir em cima de quatro rodinhas e sair por aí? Bom, se você quiser competir, isso exige treino, disciplina e muita resistência. Em 2021, o esporte estreou nas Olimpíadas de Tóquio e deu visibilidade a nomes como Rayssa Leal, Kelvin Hoefler e Letícia Bufoni. Após o sucesso, agora é a vez dos paratletas lutarem por mais espaço e visibilidade.

Foi essa a ideia que motivou Vini Sardi a criar o Circuito Paraskate Tour, primeiro evento totalmente dedicado ao skate adaptado. Isso é inovador porque a modalidade geralmente é inserida em campeonatos nacionais ou internacionais. A competição, formada por três etapas, está acontecendo em São Paulo nos meses de outubro, novembro e dezembro.

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No primeiro fim de semana do torneio, fomos até o Skatepark Sport Clube Corinthians Paulista, na Zona Leste, acompanhar o participante Daniel Amorim, de 19 anos. O clima de vitória se instalou na pista do começo ao fim, já que a dificuldade de organizar tamanha festa se reduziu ao mínimo perto do talento daqueles que estavam presentes. Além disso, a alegria dos amigos se reencontrando e outros se formando após um longo período de pandemia foi contagiante.

Daniel Amorim na manhã do campeonato, na sua casa no Capão Redondo, em São Paulo. E, a caminho do evento, junto de sua irmã mais nova, Suzana, que o acompanha diariamente
Daniel Amorim na manhã do campeonato, na sua casa no Capão Redondo, em São Paulo. E, a caminho do evento, junto de sua irmã mais nova, Suzana, que o acompanha diariamente (João Castellano/Fotografia)

“Esse evento é ideal para dar mais visibilidade ao paraskate e aos atletas. A ideia é fazer as pessoas nos conhecerem e perceberem que precisamos chegar às paraolimpíadas”, afirma Daniel. “Temos deficiências variadas, mas isso não quer dizer que não podemos fazer coisas incríveis. Aqui no Brasil, a criação de campeonatos assim pode fortalecer a cena e proporcionar mais inclusão social.”

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Não há divisão de categoria de acordo com a deficiência — e está tudo bem para Amorim. “Tem gente que não tem visão, que não tem uma perna ou que não tem nenhum dos membros, como eu. É importante deixar todo mundo junto não para competir entre si, mas para mostrar a força do paraskate”, opina o atleta.

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(João Castellano/Fotografia)

“Tem gente que não tem visão, que não tem uma perna ou que não tem nenhum dos membros, como eu. É importante deixar todo mundo junto não para competir entre si, mas para mostrar a força do paraskate”

Daniel Amorim, paraskatista
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A segunda perna

Daniel, também conhecido como Amorinha, teve meningite aos sete anos. Por causa disso, precisou ter os braços e as pernas amputados. “Eu fui para o hospital porque meus membros necrosaram com a doença. Me lembro do quanto doía para trocar os curativos, tirar a pele que estava saindo e fazer os enxertos”, conta. “Quando os médicos resolveram cortar, eu não fiquei triste porque a dor acabou – foi um alívio.” Sua estadia no hospital durou dois anos e lá ele reaprendeu a andar, comer, escovar os dentes e fazer suas tarefas cotidianas.

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(João Castellano/Fotografia)

No Capão Redondo, seu lar é um dos percalços que tem que enfrentar. A casa alugada de dois cômodos abriga cinco irmãos e a mãe, mas seu desafio está na escada enorme que, quando chove, dificulta o acesso do menino. “Eu conseguia subir com a minha cadeira de rodas adaptada, mas ela foi roubada. Quando chove, geralmente acabo me molhando muito ou preciso pedir ajuda de alguém”, diz. Apesar de ter feito uma vaquinha online e ter conseguido o dinheiro da substituição em um único dia, uma nova cadeira demora para ser confeccionada porque é feita sob medida. Com ela, Daniel faz tudo: pega ônibus, vai trabalhar e passear pela cidade.

Mas é na pista que ele se sente completo. Seu primeiro contato com o shape foi aos dez anos, quando ganhou da irmã um skate de brinquedo. Logo, seu hobby virou um aprendizado sério e uma profissão, já que foi contratado e patrocinado pela marca Zaka Lifestyle. “O bom do skate é que ele vai para qualquer lugar muito rápido. É como se fosse a minha segunda perna. Eu aprendi em pouco tempo e amei andar desde o começo”, diz.

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(Chegada dos paratletas no Skatepark Sport Clube Corinthians Paulista, na Zona Leste de São Paulo. João Castellano/Fotografia)

Ainda bem, porque Amorinha tem muita energia e não gosta de ficar parado. Mesmo nas pausas da competição, ele não parava de fazer manobras. Sua favorita, a nollie big spin, foi reproduzida incontáveis vezes. “Só paro quando meu corpo não aguenta mais. Eu sinto uma energia muito forte porque não costumo andar assim em casa ou na rua, é na pista que tudo muda. Eu vou a milhão, vou para todos os lugares, consigo pular e me sinto uma pessoa livre e sem limites.”

“O bom do skate é que ele vai para qualquer lugar muito rápido. É como se fosse a minha segunda perna. Eu aprendi em pouco tempo e amei andar desde o começo”

Daniel Amorim, paraskatista
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ParaSkate Tour, primeiro evento exclusivamente voltado ao público paraskatista. O campeonato ocorreu no Skatepark Sport Clube Corinthians Paulista, na Zona Leste de São Paulo
ParaSkate Tour, primeiro evento exclusivamente voltado ao público paraskatista. O campeonato ocorreu no Skatepark Sport Clube Corinthians Paulista, na Zona Leste de São Paulo (João Castellano/Fotografia)

Pode-se dizer que o contato com a adrenalina também transformou sua personalidade. “Eu era uma pessoa medrosa, tinha medo de me machucar. Agora não tenho medo de nada. Passei a ser uma pessoa mais extrovertida”, revela. Quando falamos sobre representatividade, ele conta que foi pesquisando sobre a história de outros paratletas que se percebeu como um: “Antes disso, não sabia que eu podia ser atleta, achava que quem tinha deficiência não poderia.”

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ParaSkate Tour, primeiro evento exclusivamente voltado ao público paraskatista.
ParaSkate Tour, primeiro evento exclusivamente voltado ao público paraskatista. (João Castellano/Fotografia)

A independência é tudo

Suzana Amorim, irmã mais nova de Daniel, vai com ele para todo o canto e é sua fã número um. No circuito, ela é a responsável por fazer os vídeos para o Instagram, de lembrá-lo de sua alimentação e impulsioná-lo na hora de subir no Half Pipe. De longe, dá para ouvir a torcida animada: “esse é meu irmão!”, anuncia. “Ela é minha fã número um, eu amo quando ela torce por mim. A gente se dá super bem, mas brigamos de vez em quando — coisa de família”, diz Amorinha.

“Eu era uma pessoa medrosa, tinha medo de me machucar. Agora não tenho medo de nada. Passei a ser uma pessoa mais extrovertida”

Daniel Amorim, paraskatista
Na abertura do evento, Daniel Amorim ficou em oitavo lugar
Na abertura do evento, Daniel Amorim ficou em oitavo lugar (João Castellano/Fotografia)

Apesar de se considerar bem independente, ele não nega ajuda quando precisa de algo. “Minha irmã me levou até o campeonato, por exemplo. Isso é necessário, mas não sou muito de pedir. Às vezes a galera vê a minha condição e oferece, mas eu só aceito em último caso”, afirma. A prótese poderia ser uma grande aliada, mas como o atleta não tem o movimento de dobrar o joelho, não ajuda tanto. A do tipo biônica seria a solução, mas o valor chega a R$ 150 mil. Esse é um de seus inúmeros sonhos. Chegar às Paralimpíadas, construir uma família, ajudar seus entes queridos e rodar o mundo de skate também estão na lista.

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A segunda etapa do Circuito Paraskate Tour está marcada para os dias 27 e 28 de novembro no Centro de Esportes Radicais – Bom Retiro e a terceira será nos dias 11 e 12 de dezembro, novamente na Zona Leste. “Temos que ser vistos. As pessoas precisam entender que valemos a pena. Assim, quem sabe todo mundo não consegue um patrocínio?”

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As fotografias que acompanham esta entrevista são de João Castellano. Saiba mais sobre seu trabalho aqui.

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