mensagem “Ninguém solta a mão de ninguém”, viralizada como um grito de resistência após a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), impulsionou o escritor, roteirista e músico Stefano Volp, de 30 anos, a tirar, ou melhor, colocar no papel, o sonho de escrever seu quarto livro, Homens Pretos (Não) Choram. “Queria muito contar histórias que estavam dentro de mim, mas fazer um livro no Brasil não é barato, ainda mais com a pandemia, que chegou e deixou todo mundo mais ferrado. Pensei: ‘Vamos testar essa máxima da coletividade’. Felizmente, muitas pessoas me deram a mão”, diz ele, que bancou a produção com um financiamento coletivo. Recomendada por personalidades como a filósofa Djamila Ribeiro e o rapper Emicida, a obra tem sete crônicas protagonizadas por meninos e homens negros que se deparam com seus próprios sentimentos.
A aproximação do autor com a temática da masculinidade negra nasceu na primeira sessão de terapia, há três anos. De lá pra cá, a missão de abraçar suas vulnerabilidades se intensificou, principalmente com a solidão do isolamento social em seu apartamento, no Rio de Janeiro. “O mundo fala muito alto e, de repente, se calou. Nesse silêncio, comecei a me ouvir mais e me apavorei, mas entendi que precisava falar e a assumir essas fragilidades como um homem negro”, revela o filho da Dona Sueli, professora aposentada da rede pública. O ambiente familiar majoritariamente feminino, segundo ele, explica o elo que une as crônicas no livro: a sensibilidade dos detalhes.
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A permissão para o afeto, que observava nas irmãs e na mãe, era inexistente diante da figura do pai, que faleceu em dezembro passado. Volp nunca viu uma lágrima escorrer no rosto de Seu Israel. “Minha mãe conta que a única vez que ele chorou foi no hospital, porque não queria morrer ali, e sim em casa. No fim, aconteceu como ele queria, deitado e com a Bíblia do lado. Ele foi muito ausente, mas a gente se entendeu”, revela. Volp lamenta que não tenha dado tempo do pai ver a repercussão que seu trabalho tomou.
Assim como o escritor, todos os personagens do livro passam por transformações, começando por Heleno, um homem preto que está em seus últimos dias de vida e pede ajuda aos filhos para lembrar a última vez que chorou, algo que nunca aconteceu. Nas últimas páginas, encontramos Renatinho, um menino de 8 anos que perde a fala ao sofrer opressão na escola e no lar. Violência doméstica, homossexualidade e preterimento também são debatidos. Apesar de sentir resistência do público masculino, nas leitoras o autor encontra escuta ativa para sua mensagem. Mães, filhas, companheiras o procuram na tentativa de dissolver essas barreiras impostas a homens e meninos afrodescendentes. “É triste, porque elas buscam também entender o que elas podem ter feito de errado”, lamenta, ressaltando a culpa que acompanha a existência feminina.
“O mundo fala muito alto e, de repente, se calou. Nesse silêncio, comecei a me ouvir mais e me apavorei, mas entendi que precisava falar e a assumir essas fragilidades como um homem negro”
Segundo Volp, a maior provocação do livro é mostrar que existem arquétipos que restringem o homem negro na sociedade. O enfrentamento disso, para ele, se dá no confronto dessa estrutura machista e racista. “Será que o que eu espero de um cara com quem me relaciono passa por essa visão estereotipada? Será que meu pai foi ausente e desprovido de emoções por causa de dores desconhecidas? Será que ele sabe que é assim e que pode viver de uma maneira diferente? Às vezes, ninguém disse isso pra ele.”