Torne-se uma sugar baby. Arrume um daddy hoje mesmo.” Quando você se depara com um convite enigmático desses no Google, não resta alternativa: é preciso abri-lo. Como é da natureza do ser humano que navega na internet, esqueci rapidamente meu objetivo primário – encontrar uma determinada música com a palavra “sugar” no nome – e, movida pela curiosidade, cliquei no link. Fui, então, apresentada a um universo completamente desconhecido (e fascinante ao seu próprio modo, vale dizer): o das relações sugar. Ou sugar datings, para usar o termo correto em inglês.
A coisa funciona assim em um site sugar: mulheres mais jovens, geralmente nas faixa dos 25 anos, as chamadas sugar babies, procuram relações com homens mais velhos, bem-sucedidos e, invariavelmente, ricos. A regra é clara: cada um diz, logo de cara, o que quer ou o que pode oferecer. Entre as perguntas que daddies precisam responder estão renda mensal e patrimônio. E, dentro da lista de desejos das babies, tem de tudo – de mimos a presentes caros, viagens ou até ajuda financeira. Há quem procure um lance casual, um caso extraconjugal ou um relacionamento sério. O importante é jogar as cartas na mesa.
Claro, há também outras configurações de gênero – porém, sempre com essa dinâmica –, como as entre babies homens e sugar mommies, além de casais gays. Mas, de longe, a interação entre as sugar babies e os sugar daddies é a mais comum. Não à toa, no site MeuPatrocínio, plataforma de relacionamentos sugar que lidera o mercado no Brasil, dos cerca de 3,1 milhões de cadastros, mais de 2 milhões são de sugar babies mulheres. Há também a versão gay, para homens e mulheres. No último levantamento realizado pelo MeuPatrocínio, em março de 2019, eles estão concentrados principalmente nos estados de São Paulo (30%) e Rio de Janeiro (21%). Os chamados sugar daddies já totalizam 29 mil inscritos para 144 mil sugar babies, com idade média de 42 e 24 anos respectivamente.
Claro, não é de hoje que esse tipo de relação acontece. No início do século passado, era comum que homens ricos mantivessem, para além do casamento, suas concubinas, mulheres com quem não havia compromisso de papel passado, mas cuja relação se caracterizava pela frequência e pelo apoio financeiro proporcionado pelo homem. O fato de uma relação sugar soar como uma reedição de relações abertamente machistas, nas quais homens exercem poder e controle sobre as mulheres, não passa batido para muitas organizações feministas e de direitos humanos que condenam a prática – para Haley Halverson, vice-presidente do National Center on Sexual Exploitation, o sugar dating torna a mulher mais vulnerável a sofrer violência sexual, extorsão e chantagem, já que pode acabar dependente do dinheiro, como ela declarou para o Texas Public Radio.
No entanto, há quem viva a realidade de uma relação sugar garantindo que nada disso acontece – pelo menos não com elas, claro. “As sugar babies hoje são mulheres empoderadas, que sabem o que querem. Elas não dependem de seus daddies. São mulheres que trabalham, estudam, têm autonomia, mas gostam do estilo de vida que os daddies proporcionam”, explica Jennifer Lobo, fundadora e CEO do MeuPatrocínio, lançado no Brasil em novembro de 2015.
A paulistana Fernanda Rizzi se enquadra no perfil descrito por Jennifer: ela tem duas filhas, é formada em duas faculdades e trabalha como assistente-executiva em um escritório de advocacia. Entrou no site há quatro anos e logo conheceu seu daddy, um francês de 53 anos. “Ficamos juntos por três anos, foi uma relação super intensa. Ele era casado e acabou voltando para a França. Ele nunca me deu dinheiro, mas me dava presentes, viagens, me levou para Paris no meu aniversário, em uma viagem de fim de semana. Realizou meu sonho de vida.” O relacionamento, segundo a assistente-executiva, era baseado no desejo mútuo. “A gente ficava junto quando tinha vontade, ninguém obrigava ninguém a nada e não havia promessas. Podia acabar a qualquer momento, como acabou.”
“Você consegue achar alguém que você goste, respeite, ache atraente, e que também tenha a condição financeira e o estilo de vida que você quer para a sua vida. Você não tem que escolher entre um e outro, pode ter os dois”
Jennifer Lobo, CEO do MeuPatrocínio
Fernanda, que tem 39 anos – idade acima da média das sugar babies, que estão na casa dos 20 –, é prova de que o estilo sugar, como em qualquer universo que envolve relações humanas, é cheio de camadas complexas. Ou, falando no bom e velho português, tem de tudo. “Tem cara que não quer menininha, gosta de mulher com conteúdo, postura, sabe? Uma vez um cara me mandou mensagem dizendo que tinha um jantar importante com um político do alto escalão e precisava de uma acompanhante de classe. Ele me disse que eu era super a elegante, parecia a Victoria Beckham. Combinamos um cachê pelo jantar, ele mandou roupa, sapato para minha casa, pagou Uber, me levou de volta com motorista. E não rolou nada, foi super respeitoso. Hoje, somos amigos, ele me liga para contar da mulher, das filhas.”
Segundo pesquisa realizada, em outubro de 2019, com 1.700 usuários da plataforma MeuPatrocínio, a maioria – 64,5% – revelou estar à procura de alguém para um relacionamento sério e 3,8% pretendem casar e constituir família. Aqueles que desejam continuar solteiros e apenas curtir são 31,7%. Ou seja, de modo geral, todo mundo quer, no fundo, uma boa companhia. Prova disso é que, durante a pandemia, incrivelmente, o movimento nos sites sugar cresceu – de acordo com a assessoria do MeuPatrocínio, até o início do isolamento social, o site tinha cerca de 20 mil cadastros semanais; depois passaram a ser, em média, 36 mil. Além disso, antes da chegada da pandemia no país, a plataforma registrava 136 mil mensagens enviadas por dia. Hoje, são mais de 1 milhão. E o pessoal anda navegando mais tempo pelo site: os 30 minutos diários pularam para 90. “Fiquei surpresa com esse boom, tinha zero ideias do que poderia acontecer durante a quarentena. Mas é interessante porque a gente vê que há uma vontade genuína em conhecer alguém legal. Então é isso, você vai lá, faz um facetime, abre um vinho, bate um papo, vai conhecendo a pessoa… Não é porque está isolado que tem que ficar sozinho”, diz Jennifer.
Sazonalidades pandêmicas à parte, Jennifer atribui parte do sucesso da modalidade à transparência com que trata um dos maiores tabus da humanidade: o dinheiro. Mais que isso: o dinheiro dentro das relações românticas. “É um site de relacionamento tradicional, só que com mais liberdade de falar sobre assuntos de finanças, que é um aspecto importante e todo mundo finge que não, mas 57% dos divórcios acontecem por causa de questões financeiras”, diz. “Se as pessoas têm estilos de vida diferentes, intenções diferentes, não vai dar certo, então a proposta de uma relação sugar é que essas coisas fiquem claras desde o começo. Ali, você consegue achar alguém que você goste, respeite, ache atraente, e que também tenha a condição financeira e o estilo de vida que você quer para a sua vida. Você não tem que escolher entre um e outro, pode ter os dois”, defende a empreendedora americana, filha de brasileiros que, hoje, vive no Rio de Janeiro.