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Bom dia, Tainá

Tainá Müller protagoniza "Bom dia, Verônica", série de suspense da Netflix, enquanto tenta entender o mundo pós-pandemia, entre lives e a filosofia

por Bruna Bittencourt Atualizado em 1 out 2020, 01h19 - Publicado em 1 out 2020 01h17
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(Estúdio Lambada/Ilustração)

 atriz Tainá Müller já tem 20 anos de televisão. Ainda adolescente, começou a trabalhar como apresentadora no braço gaúcho da MTV. Foi repórter, produtora de reportagem, assistente de direção, editora… “Fiz várias coisas até realmente me decidir pela carreira de atriz”, conta a gaúcha de 38 anos, formada em jornalismo.

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Quando escolheu a interpretação, estreou no cinema com o Cão sem Dono (2007). Desde lá, atuou em longas como Plastic City (2008), que concorreu ao Leão de Ouro, Tropa de Elite 2 (2010) e Bingo – o Rei das Manhãs (2017), além de um punhado de novelas.No dia 1º de outubro, ela estreia em mais de uma centena de países como a protagonista de Bom dia, Verônica, série de suspense da Netflix baseada no livro homônimo de Raphael Montes e Ilana Casoy, com Camila Morgado e Eduardo Moscovis, no elenco. “A Verônica é uma escrivã invisibilizada na delegacia, seu trabalho não é reconhecido. A vocação dela é a investigação”, conta. Na trama, uma mulher se suicida, logo após conversar com o delegado. “Ninguém se interessa muito porque que essa mulher se matou, mas a Verônica resolve partir para a investigação. É a partir daí que a história se desdobra. Tem muito a ver com essa vontade dela de fazer justiça, principalmente para as mulheres. E não posso dar mais spoiler”, ri. Às vésperas da quarentena, Tainá se preparava para gravar Mal Secreto, série da Globoplay escrita por Bráulio Mantovani (Cidade de Deus), adiada para o próximo ano. E engataria em outra série. Mas, em meio ao isolamento, gravou à distância e pelo celular o curta-metragem Amores Pandêmicos, de Fabiana Winits, em que contracenou com Milhem Cortaz, numa tentativa de não ficar parada criativamente e não interromper o fluxo de trabalho, conta. 


“Ninguém se interessa muito porque que essa mulher se matou, mas a Verônica resolve partir para a investigação. É a partir daí que a história se desdobra. Tem muito a ver com essa vontade dela de fazer justiça, principalmente para as mulheres”

Também na quarentena, a atriz abraçou uma pós-graduação em filosofia – uma paixão antiga –, com aulas à distância e às vezes com o filho Martin, 5, fruto do seu casamento com o diretor Henrique Sauer, no colo. O curso casa com uma série de lives que ela vem fazendo para procurar entender o cenário pós-pandemia, batizadas de Conversas de um Novo Mundo, disponíveis no IGTV de Tainá, em que ela conversou com Djamila Ribeiro ao babalorixá e doutor em ciências sociais Rodney William. 

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A atriz falou com a Elástica sobre isso, saúde mental, maternidade, seu laboratório para viver Verônica em uma delegacia de homicídios e o engajamento provocado por uma personagem antiga:  

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(Suzanna Tierie/Netflix)

Distanciamento x saúde mental 

“Fiquei cinco meses e meio completamente isolada, não saí para nada, nem para ir ao supermercado. Vi que isso estava afetando muito a saúde emocional do meu filho, a minha e a do meu marido também. Aí, começamos a sair de casa com todos os cuidados. Já deu para dar uma melhorada. Nesse período de total isolamento, foi bem intensa a convivência com uma criança pequena que está isolada, que não tem amigos para brincar, que não está indo para escola, que tem uma rotina totalmente modificada. Ele ficou bem agarrado comigo. É difícil porque às vezes eu estou na aula da pós, no Zoom, aí ele quer um colo. Fico com ele, ouvindo a aula, com fone de ouvido e vou administrando. Com a ajuda do meu marido, estou conseguindo fazer esse curso.”’

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As selfies que ele faz da gente… 😆 meu pituquito ❤️

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(Gustavo Zylbersztajn/Divulgação)

Mora na filosofia

“Sempre gostei de filosofia. No antigo segundo grau, tinha aulas e já me apaixonei ali. Na faculdade, tive cadeiras de filosofia. Depois, fiz um curso de extensão na PUC, ‘Nietzsche e o Pensamento Trágico’. Também tive aulas durante um ano com a Márcia Tiburi e com a Djamila Ribeiro. Ali, aprofundei o interesse. A maioria [das aulas] aconteceram na casa da Camila Pitanga. A gente tem um grupo, de feminismo, de tudo, formado pelo pessoal do audiovisual, em sua maioria: diretoras, produtoras, atrizes. Há uns três anos, quando a gente viu essa primavera das mulheres acontecendo, nos reunimos e começamos a tentar estruturar esse pensamento. Queria fazer parte, mas também queria estudar para saber de onde isso vem e para onde vai. 

Agora, por conta do ensino a distância, achei que era uma oportunidade de dar um passo adiante. Então, escolhi estudar filosofia contemporânea, até para construir uma possibilidade de pensamento, para tentar entender e elaborar o tempo agora. A gente vive em uma época em que temos uma ilusão que estamos o tempo inteiro nos informando pela internet, mas ainda acredito que o pensamento crítico, elaborado, não vem do WhatsApp, do Instagram, do Twitter. Este é o pensamento fragmentado e incerto. Acho que o caminho ainda é um estudo formal, acadêmico, são os livros. A gente tem que retomar mais isso, e não se perder nas redes.”

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(Gustavo Zylbersztajn/Divulgação)

Admirável mundo novo

“Acho que está difícil de a gente entender o que está se passando no mundo, é muita informação, muita desinformação, muita dispersão. A sensação que tenho é que a gente está impactado por algo maior que está nos atravessando a ponto de não conseguirmos nem elaborar, nem parar para pensar, inclusive para fazer todas as mudanças radicais que são necessárias para encontrar futuros possíveis. 

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Por que hoje precisamos de campanhas para tentar evitar o suicídio em massa que está acontecendo? Por que as pessoas estão se matando cada vez mais? E por que pra falar disso eu estou postando a arte indígena da @daiaratukano? Bem, eu venho de uma família com tendência a depressão. As primeiras três décadas da minha vida foram marcadas por períodos de euforia intercalados por muitos períodos sombrios. Fiz terapia, fui ao psiquiatra e tudo o que fazia parecia só paliativo momentâneo, para cair no mesmo lugar logo depois. Cheguei a acreditar que nunca me sentiria plena, por mais que tivesse dinheiro, sucesso, reconhecimento e todas aqueles itens que a sociedade nos diz que trazem a bendita felicidade. Pois bem, há alguns anos tudo mudou. Conheci a @dra.dorisisrael e ela me apresentou o maravilhoso mundo da homeopatia e da espiritualidade ancestral para uma cura muito mais profunda do que a medicina ocidental vinha me oferecendo. Devo todo esse primeiro despertar a ela. Entendi que a epidemia de ansiedade e tristeza que vivemos vem da desconexão que criamos com nossa essência verdadeira, do utilitarismo capitalista da vida contemporânea e seus desejos insaciáveis. A falta de um senso profundo de pertencimento a uma comunidade faz a gente esquecer quem a gente é de verdade: um bicho que precisa de ritos, que precisa de aldeia muito antes das telas e de uma conexão muito maior do que a wi-fi. Não quero pregar fórmulas ou verdades, só quero falar da minha experiência pessoal de cura através do conhecimento do povo da nossa Terra. Hoje os estudos científicos avançam na comprovação de eficácia das medicinas da floresta contra depressão, contra a toxidade e inflamação provocada por essa sociedade desconectada que inventamos. Quero dizer pra você que sofre de depressão crônica: há uma saída possível. E o caminho pode ser o milenar. Procure saber. Ps.: por sincronicidade minha sis @ticianaporto me mandou essa arte, minutos depois de eu mostrar pro meu marido dizendo que amei. A arte se chama “abraço das mulheres” e é assim que eu me sinto quando encontro o povo da floresta: abraçada #setembroamarelo💛

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Foi nessa inquietação que busquei o curso de filosofia, junto também com as lives que comecei a fazer no início de quarentena, Conversas de um Novo Mundo, que também surgiram dessa intenção de cavar horizontes possíveis, de conversar com pessoas que participam ativamente na reinvenção de um novo mundo, que dão saídas, e não ficam só na denúncia. Até para eu me acalmar ou tentar botar a cabeça para funcionar em algo produtivo, em que eu possa pensar num horizonte porque tem a vida do meu filho. Acho que quem tem filho pequeno com certeza sofre dessa mesma preocupação. Que mundo é esse que eles vão enfrentar? O que a gente está deixando para eles? E chamar a responsabilidade para si. Acho que a gente que tem o sustento minimamente garantido, que tem comida na mesa, tem a obrigação de botar a cabeça para funcionar neste momento.”

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(Suzanna Tierie/Netflix)

O dia a dia na delegacia

“Fiz laboratório na Delegacia de Homicídios do Rio, focada em feminicídio, com o [preparador] Sérgio Penna. Fui lá diariamente, por mais de uma semana. Acompanhei o trabalho da perícia, aprendi minimamente como se faz interrogatório, como se conduz uma investigação, como se analisa uma cena de crime. Super pesado. Encontrei mulheres inspiradoras. 

Acho que quem trabalha com isso tem que ter muita vocação. A gente sabe as condições com que o policial brasileiro trabalha: ele não tem equipamento, não é bem remunerado, não trabalha com segurança. Até pouco tempo atrás, no Rio, não tinha nem ar condicionado nas viaturas, mais de 40º graus e eles com aqueles uniformes. Então, vi um lado da polícia que não conhecia. 


“Acho que quem trabalha com isso tem que ter muita vocação. A gente sabe as condições com que o policial brasileiro trabalha: ele não tem equipamento, não é bem remunerado, não trabalha com segurança. Até pouco tempo atrás, no Rio, não tinha nem ar condicionado nas viaturas”

O Brasil é absolutamente brutal em feminicídio. Foi muito difícil ter contato com essa realidade de forma tão crua, diferente da notícia do jornal que já vem um pouco mais palatável. Ali, se tem a crueza do crime e vários deles nem chegam à imprensa, porque são muitos.”

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Engajamento lésbico

“Um trabalho que segue me surpreendendo é a fotógrafa Marina, que eu fiz em Em Família [novela de 2014, em que era par da personagem interpretada por Giovanna Antonelli]. Na época, teve um engajamento na internet muito forte. As próprias fãs legendaram as cenas em inglês, em espanhol, em várias línguas e isso foi para o mundo de uma forma bem espontânea. Gente de várias partes do mundo maratonavam as cenas de Marina e Clara na novela, como se fosse uma série. Também teve uma matéria sobre as nossas personagens num site muito famoso de cultura lésbica e eu recebia cartas de meninas do mundo inteiro, Espanha, Malásia, Israel, Índia, muito doido. Agora, na quarentena, com todo mundo procurando conteúdo em casa, as pessoas voltaram a assistir, muita gente passou a conhecer [o casal].”

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