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“Querer ser Bethânia é querer ser melhor”

Teresa Cristina estreia seu novo show em homenagem a Maria Bethânia, conta sua relação com a Abelha Rainha e desabafa sobre a dificuldade de ser artista

por Gabriel Dias Atualizado em 19 Maio 2023, 10h00 - Publicado em 19 Maio 2023 09h56

A cantora e pesquisadora Fabiana Cozza diz que só canta o que consegue carregar. Porque o trabalho de intérprete requer muita verdade na hora de emitir os versos de uma canção. Esse foi o cuidado que Teresa Cristina teve para escolher o repertório do seu novo show, “Teresinha”, que fez em homenagem a Maria Bethânia e que estreia no dia 19 de maio, na casa Tokio Marine Hall, em São Paulo. Apesar de ter sido guiada puramente pela emoção ao selecionar as músicas, ela abriu mão de muitas que só mesmo Bethânia pode interpretar.

A admiração de Teresa Cristina por Maria Bethânia começou cedo. Ela lembra de pegar a anágua da mãe e ir para a frente do espelho cantar “Foi assim”, de Lupicínio Rodrigues, que ouviu com Bethânia e Chico Buarque no disco ao vivo de 1975. Ela imitava os trejeitos e a intensidade da Abelha Rainha quando ainda nem tinha se apaixonado. E, naquele momento, se sentia a mulher mais linda do mundo.

Quase 50 anos depois, essa vontade de ser a Maria Bethânia continua movendo Teresa Cristina: “Querer ser Bethânia não é somente querer ter aquele cabelo, aquela voz, aquela cinturinha fininha de violão, aquele magnetismo. Querer ser Bethânia é querer ter esse olhar carinhoso com o Brasil. Ela dá vida à palavra de um jeito muito digno. Eu acho que querer ser Bethânia é querer ser melhor. Todo dia”.

Mas o show Teresinha – As Canções que a Bethânia me Ensinou não é um show de cover. Não há qualquer pretensão de imitá-la até porque não teria como. A intenção de Teresa foi jogar luz no cancioneiro popular que Bethânia interpretou ao longo da carreira. “Esse show é sobre o repertório de uma artista brasileira que teve um olhar especial para as canções, sobre o que ela escolheu para cantar”. Todas as 30 canções escolhidas para a apresentação marcaram Teresa Cristina de alguma maneira – foram trilha sonora para um novo amor que chegou, um ciclo que se encerrou, uma insatisfação social e muitos outros momentos.

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(Nana Moraes/Divulgação)

Coragem

Bethânia não moldou somente o gosto musical de Teresa, mas a formou como ser humano. A seriedade com que a veterana sempre tratou de assuntos que precisam ser ditos encorajou muito a sambista em seu início de carreira – sobretudo no jeito de expressar suas opiniões. Ela lembra de uma entrevista que Bethânia deu após um show dos Doces Bárbaros. “O repórter perguntou a ela o que é ser viado e ela respondeu: ‘é igual a não ser’. Pouco importa. Eu aprendi com ela que a sexualidade não deveria ser um assunto. E sempre achei incrível a sua coragem de olhar pro jornalista com o queixo erguido. Quando a gente começa o nosso trabalho artístico sentimos tanto medo de algumas perguntas”.

Apesar de sentir medo até hoje, Teresa Cristina é uma mulher que lida bem com suas inseguranças. Deixa-as servirem de motor para os seus sonhos. Como, por exemplo, para a realização desse show. Assim como na pandemia, em que não recebeu apoio de nenhuma marca para realizar lives diárias de música e cultura brasileira, Teresa não conseguiu patrocínio algum para levantar esta homenagem a Bethânia. Além de produzir, dirigir e cuidar dos bastidores, ela ainda precisa controlar a emoção para não desafinar. “A gente vai fazendo conta e ela não fecha. É uma matemática muito violenta. O figurino, o músico, o ensaio, a luz… Tudo é violento. E junto com essa violência, tem uma questão delicadíssima: você tem que fazer tudo isso e cantar bem. É muito difícil ser artista no Brasil sem dinheiro. A impressão que dá é que estamos no mesmo circo, se equilibrando”.

O ofício de intérprete

Assim como Bethânia, Teresa Cristina também nunca fez aula de canto. Por isso, sempre quando alguém criticava sua forma de cantar no início da carreira, ela tinha a resposta perfeita: “é por que eu não sou cantora, eu sou compositora e intérprete”. Com os anos, ela passou a refletir melhor sobre esse ofício. “O intérprete tem que ter um cuidado com o que vai cantar. A questão é: por que você escolheu determinada música? Porque você quer contar aquela história. E a maneira como você conta é o que você é”.

E o processo criativo da sambista é ficar escutando a mesma canção inúmeras vezes até se apropriar da história que quer contar. Teresa Cristina fez letras na Universidade Estadual do Rio de Janeiro mas não conseguiu terminar por conta da carreira. Suburbana de Vila da Penha, as oportunidades começaram a lhe aparecer do outro lado da cidade, perto do Centro, Lapa e Zona Sul. E como cruzava o Rio de ônibus, ela lembra que o fone de ouvido sempre foi a sua melhor companhia. Hoje em dia, o Spotify a mostra todo fim de ano as horas em que passou na plataforma. “Ali eu vejo a minha rotina de trabalho”.

“O intérprete tem que ter um cuidado com o que vai cantar. A questão é: por que você escolheu determinada música? Porque você quer contar aquela história. E a maneira como você conta é o que você é”

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(Nana Moraes/Divulgação)

Em “Teresinha”, a artista abriu mão de cantar “Grito de Alerta” porque não conseguiu tirar a versão de Maria Bethânia da cabeça. E para não soar como cover, achou melhor não colocar no repertório. “Primeiro, eu selecionei as músicas que eu tinha intimidade, que eu ouvia há muito tempo. Depois, separei as músicas que me escolheram. Porque, às vezes, você gosta muito de uma música, mas na hora de cantar a música não acontece”.

Teresa reconhece que está cantando melhor depois dos ensaios para este show. Em várias canções, ela conta que precisou trabalhar mais a sua respiração para chegar na potência que o verso demandava. Ela se emocionou em um dos ensaios por ter descoberto uma maneira de cantar diferente com a Maria Bethânia. “Eu até mandei uma mensagem para ela falando que esse show me fez descobrir coisas da minha voz que eu não sabia que eu tinha”.

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(Nana Moraes/Divulgação)

O samba voltou

Ao contrário da dificuldade de se colocar um show em cima do palco, o samba de rua do Rio de Janeiro está a todo vapor – e isso energiza Teresa. “Quando eu comecei a cantar samba na noite era em lugares privados. Eu cantava no Bar Semente, no Carioca da Gema, no Centro Cultural Carioca. Agora, o samba tá na rua. E é samba bom, de graça. Você vai na Praça Tiradentes toda sexta-feira e tem samba. Você vai na Casa do Nando, tem samba bom. Você vai em Realengo, no Terreiro de Crioulo, tem samba bom. Você escolhe a roda pelo repertório que ela tem”.

Inspirada por outra mulher importantíssima na sua vida, Beth Carvalho, Teresa tenta estar presente em todas as rodas que pode. Porque aí ela consegue ter uma ideia de como está o gênero que defende. “O samba no Rio está bem vivo. E o poder público tem que ter esse tipo de consciência. Porque as pessoas estão na rua entregando um material muito bom. E eu acho que elas merecem receber pelo o que elas estão fazendo”.

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