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Na garupa de Tim Bernardes

Às vésperas de subir aos palcos do Primavera Sound, o cantor fala sobre o último álbum, seu processo criativo e, claro, amor, o "assunto infinito"

por Alexandre Makhlouf 4 nov 2022 10h23

Tim Bernardes é viciado em falar de amor. Não que a gente precisasse contar isso para vocês: qualquer um que já ouviu suas composições – em seu brilhante primeiro disco solo, Recomeçar; no mais recente, Mil Coisas Invisíveis, recheado de melodias alegres e deslumbradas no melhor sentido da palavra; ou em qualquer um dos discos d’O Terno, banda da qual é vocalista desde 2009 – sabe bem não só de sua preferência pelo assunto, mas também de sua habilidade para, ao cantar e tocar, despertar aquele sentimento que só quem já amou conhece.

“Todos os assuntos giram em torno de amor e os que não são, são tentativas de fugir disso ou de falar de outro jeito, que é a coisa maior que existe. A realidade mais absoluta por trás das coisas é o amor: seja ele se manifestando no formato de amor romântico, ou com amigos, ou com família ou no cotidiano. É a coisa que me move e o tipo de música que me emociona, é um assunto infinito justamente porque ele é realmente um negócio eterno”, ele conta, em entrevista à Elástica.

A pergunta sobre a potência de falar sobre amor nos tempos atuais foi a última de nossa entrevista – mas, curiosamente, Tim falou sobre tema ao longo de todo o papo, que aconteceu esta semana, às vésperas de uma das grandes apresentações de sua carreira até aqui: um show no Primavera Sound São Paulo. O cantor paulistano sobe aos palcos neste sábado, 05 de novembro, às 17h50, mas não é um estranho quando o assunto é Primavera Sound: já tocou com O Terno na edição de Barcelona, na Espanha, em 2016 e depois na de 2019 no Porto, em Portugal.

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“O amor é o grande assunto. Todos os assuntos giram em torno de dele e os que não são, são tentativas de fugir disso ou de falar de outro jeito, que é a coisa maior que existe. A realidade mais absoluta por trás das coisas é o amor”

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(Marco Lafer + Isabela Vdd/Divulgação)

“Estou super contente de estar na primeira edição do festival em São Paulo e também pelo jeito que ele está acontecendo, com o pavilhão do Anhembi inteiro, com esse auditório histórico e um line-up incrível”, ele comemora. Aqui, você confere o nosso papo com Tim sobre seu processo criativo, a importância da alegria e da tristeza na hora de compor, a música como política e, claro, como o amor deveria estar em tudo que fazemos.

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Vamos começar falando do Primavera Sound? Qual a expectativa para se apresentar no auditório e fazer parte da primeira edição de um festival mundialmente conhecido?
Tô bem empolgado! Já toquei com O Terno no Primavera Sound Barcelona em 2016, depois a gente tocou em 2019 no Primavera Sound Porto e é um festival incrível. Assistimos muitas coisas quando fomos tocar: Brian Wilson tocando “Pet Sounds”, por exemplo. Então, estou super contente de estar na primeira edição do festival em São Paulo e também pelo jeito que ele está acontecendo, com o pavilhão do Anhembi inteiro, com esse auditório histórico e um line-up incrível. 

Queria falar também sobre seu último álbum. Como foi o processo criativo e quais as diferenças entre criá-lo e criar o Recomeçar?
O processo do Mil Coisas Invisíveis de uma certa forma tem a ver com o meu processo em geral. Eu não sento pra compor um disco; estou sempre atento a compor alguma coisa que me pareça significativa pra mim, que eu possa gostar. Seja alguma reflexão, algum sentimento… Então, quando junto essas canções e olho o grupo de músicas é que vou entender o que é o conceito do disco, o que é a cara dele e tudo mais. 

O Recomeçar foram as canções mais íntimas, mais românticas, às vezes com mais sofrência, que fui fazendo e guardando enquanto estava compondo os primeiros discos d’O Terno. Essas de agora têm uma coisa de serem canções um pouco mais ecléticas, e eu busquei fazer um disco pra contrastar com essa coisa mais conceitual do Recomeçar. Fazer um disco que, embora desenvolva o meu estilo como compositor e arranjador, tivesse essa vibe mais eclética, com tipos de música diferentes e que também funcionam individualmente. 

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Mas a principal diferença foi o processo de gravação, porque com o Recomeçar eu tinha muito na cabeça como queria fazer os arranjos. Então, entrei no estúdio e, em 3 meses, gravei e mixei tudo. Já o Mil Coisas Invisíveis aconteceu durante a pandemia, estava isolado e quis testar mais coisas, não tinha tanta pressa pra terminar e também não estava com as ideias tão fechadas na cabeça. Foi um processo mais longo, fiquei 11 meses em estúdio, o que foi legal pra descobrir novos caminhos – e em muitos momentos dá pra se perder um pouco. Então, me perdi, me encontrei várias vezes e acho que isso faz parte dos assuntos do Mil Coisas Invisíveis e se imprimiu nele: um disco de busca. 

“Eles repararam que eu gostava muito de música desde pequenininho e deram pilha, sempre me apoiaram. Foi uma família que sempre me incentivou a desenvolver a minha linguagem como músico”

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(Marco Lafer + Isabela Vdd/Divulgação)

Você faz parte de uma família de artistas, teve muita música presente na sua infância/adolescência. Como foi crescer em um ambiente criativo assim? Que influências você vê hoje dessa criação?
Uma influência muito forte é o fato dos meus pais sempre ouvirem muita música. Embora meu pai seja profissionalmente músico, minha mãe também é muito musical. Então, no carro, a gente fazia viagens longas pra Bahia, pro Sul do país… ficávamos dias no carro e eles tinham muitas fitas cassete, todos esses clássicos assim. Desde pequeno, ouvi muito Jorge Ben, Roberto Carlos, Caetano, Gil, Beatles, Rolling Stones, e acho que isso foi o que entrou mais fundo, me pegou desde cedo. E o fato de eles repararem que eu gostava muito de música desde pequenininho e darem pilha, sempre me apoiarem… me colocaram na aula de música, me deram uma força pra decidir fazer faculdade de música. Foi uma família que sempre me incentivou a desenvolver a minha linguagem como músico. 

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Na Elástica, a gente sempre discute masculinidades, especialmente o quanto ela é prejudicial para todos – mulheres e homens. Você canta sobre seus sentimentos, algo que nem sempre é “bem visto” para um homem hétero. Qual é a força de ocupar cada vez mais espaços fazendo isso?
É uma pena que se manifeste tanto entre os homens esse estereótipo mais grosseiro, que não fala de sentimento, que não sabe elaborar esse tipo de coisa e acaba devolvendo pro mundo essa confusão própria de uma maneira truculenta, agressiva. Mas, como falei, eu cresci ouvindo Beatles com uma família muito tranquila, que sempre falou muito de sentimentos e tudo mais. E a coisa que mais me anima como ouvinte de música é ouvir o sentimento sincero, tentar elaborar a própria sensibilidade, a percepção das coisas para além de algo concreto, ter as sutilezas. Esse meu lado sensível está sendo desenvolvido há muito tempo, mas sei que, para muitos homens, essa é realmente uma questão.

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(Marco Lafer + Isabela Vdd/Divulgação)

Você fez uma turnê internacional recentemente ao lado do Fleet Foxes. Qual a importância de levar essa nova música brasileira para fora do país?
Poxa, isso dos Fleet Foxes foi muito legal e eu sempre fui muito fã. Sempre tentei enxergar o que eu fazia como uma música da nossa época feita no Brasil e que pudesse dialogar lado a lado com o tipo de indie que estava sendo feito fora do país também. Então, estar ali e ver a recepção super positiva do público americano, que é fã do Fleet Foxes e que poderia gostar da minha música, foi muito legal. O Brasil tem um histórico de poder encantar o mundo com as particularidades musicais que ele tem, como a Bossa Nova, o Tropicalismo e outras vertentes. Tento me encontrar numa ponte entre a tradição que a gente tem de canção brasileira nos anos 60 e 70, uma canção rica em arranjos, letras, música, em ritmo, em tudo, mas também fazer uma ponte com o contexto do indie internacional e de alguma forma ser um expoente disso. Por isso, receber uma resposta positiva das pessoas é muito legal e mostra que, assim como eu, muita gente da cena pode e tem muito o que mostrar, tem muito interesse pra isso e o público fora do Brasil tem muito respeito pela música brasileira.

“É uma pena que se manifeste tanto entre os homens esse estereótipo mais grosseiro, que não sabe elaborar o que sente e acaba devolvendo pro mundo essa confusão própria de maneira truculenta, agressiva. A coisa que mais me anima como ouvinte de música é ouvir o sentimento sincero, tentar elaborar a própria sensibilidade, ter as sutilezas”

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(Marco Lafer + Isabela Vdd/Divulgação)

Estamos chegando ao fim desse período maluco de eleições, você sempre se posicionou e deixou claro o que era importante para você nesse assunto. Dá para fazer arte sem fazer política?
Sobre fazer arte e fazer política, a coisa mais forte está no jeito que você faz as coisas. Tem gente que chama de micropolítica… Eu acredito muito em fazer as coisas que eu amo com amor, com afeto, com dedicação. Fazer direito, caprichar, tentar ampliar o seu potencial. Sinto que, se todo mundo pratica isso no que faz, é algo muito potente e, consequentemente, muito política também. A última coisa que a gente pode dizer desse último governo que estava aí é que eles faziam com capricho, com amor. Mais do que tudo, é tentar fazer com amor e dedicação o que você veio fazer no mundo, sabe? A política é forte e intrínseca a nós, para além do posicionamento literal, que também de tempos em tempos a gente se sente impelido a declarar.

Como você faz para conciliar o Tim d’O Terno com o Tim carreira solo? Como divide as composições na sua cabeça?
Existem umas músicas que eu consigo sacar na hora, tipo “essa aqui vai ser muito legal pr’O Terno”, já imagino a gente tocando junto.  Às vezes, por causa de um clima, um astral, uma parte da letra… Assim como existem algumas que eu também penso “Essa é bem íntima, não faz sentido colocar a banda nisso”. Mas, sinceramente, tem muitas que estão no meio do caminho e dependem da circunstâncias do momento. Por exemplo: estou começando a me juntar com os meninos d’O Terno para fazer um novo disco. Tem muitas que poderiam ir tanto pra um disco solo quanto para um disco da banda e, no fim das contas, cada um desses projetos ganharia uma roupagem. Talvez com O Terno ia ganhar um tipo de arranjo específico que tem a ver com o jeito que o Biel e o Peixe tocam, enquanto que, se eu tivesse tocando sozinho, talvez levasse para um outro caminho. 

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O Recomeçar é um álbum bem triste, de sofrimento amoroso e superação, enquanto Mil Coisas Invisíveis já vem de um lugar mais leve. É um desafio para o artista fazer com que a tristeza não seja a melhor fonte de inspiração?
Acho que não tem que buscar fugir da tristeza e nem fugir da alegria. O ponto de inspiração é aquele que te vibra mais forte, em que você sente o sentimento e a realidade. Muitas vezes, os sentimentos de tristeza e desamparo te movem a tentar preencher esse vazio ou tentar dividir com o mundo essa solidão. É bom poder ver que outras pessoas ouvem e se sentem sozinhas junto, sabe? Existe uma coisa de você reparar que alguém também sente algo que você está sentindo nesse último álbum e não soube elaborar. É algo que vale para sentimentos de alegria também e com reflexões. Tento sempre ser o que eu estou sentindo de verdade e acho que amor é um tema que vibra muito com a ideia de compor canções assim, seja em canções de amor alegres e leves ou em canções sofridas. 

Pessoalmente, gosto muito das duas coisas e poder fazer discos que têm os dois tipos de música são coisas que me empolgam assim. Queria um pouco um contraste com o Recomeçar, focar um pouco nessas músicas mais leves, mais abertas e mais iluminadas. Abrir o disco assim, dar um tom diferente ao disco e poder ter um momento dentro dele onde tem algumas sofrências – mas, do jeito que você também organiza a ordem das músicas, os arranjos, a escolha de repertório, você consegue direcionar também em quais das composições você quer usar esse tom. Queria realçar um pouco mais do deslumbramento, do milagre da vida, de uma coisa um pouco mais transcendental e metafísica e que dá o tom do MCI.

“Acho que não tem que buscar fugir da tristeza e nem fugir da alegria. O ponto de inspiração é aquele que te vibra mais forte. Muitas vezes, os sentimentos de tristeza e desamparo te movem a tentar preencher esse vazio ou dividir com o mundo essa solidão. É bom poder ver que outras pessoas ouvem e se sentem sozinhas junto, sabe?”

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(Marco Lafer + Isabela Vdd/Divulgação)

Por fim, queria ouvir de você qual a importância de falarmos de amor nos dias atuais.
Acabou que eu já falei disso em várias respostas, não sabia que ia ter essa pergunta (risos). Mas acho que o amor é o grande assunto. Todos os assuntos giram em torno de amor e os que não são, são tentativas de fugir disso ou de falar de outro jeito, que é a coisa maior que existe. A realidade mais absoluta por trás das coisas é o amor: seja ele se manifestando no formato de amor romântico, ou com amigos, ou com família ou no cotidiano. É a coisa que me move e o tipo de música que me emociona, é um assunto infinito justamente porque ele é realmente um negócio eterno. Especialmente em tempos em que as pessoas estão muito agitadas, tomadas, afastadas da paz que é o amor quando você sente ele, a alegria profunda que é. Acho que uma bonita canção de amor te realinha, re-hamorniza um pouco com o que tem mais a ver com a essência do ser humano. E as canções populares são pílulas que ajudam a gente nisso.

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