uando entramos em uma galeria ou museu, quadros, fotografias, esculturas e outras obras de arte nos dizem muita coisa. Despertam sentimentos, resgatam memórias e nos dizem, de uma forma ou de outra, quem é a pessoa que criou aquela peça. Mas será que existe diversidade nessa seleção? Quantas das obras que você viu e registrou para postar no Instagram foram feitas por mulheres?
O resultado é um triste – e esperado – retrato do mercado artístico brasileiro: de acordo com uma pesquisa feita em 2017 por Ana Paula Simione, professora e pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, a presença feminina nos acervos da Pinacoteca, de Inhotim e da coleção Mario de Andrade gira em torno de 20%. No Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC), o número é um pouco maior, mas ainda longe do desejável: 29%. No mesmo ano, a exposição das Guerrila Girls no Museu de Arte de São Paulo (Masp) revelou outro dado crítico: apenas 6% dos nomes em exposição na instituição eram femininos, mas 60% dos nus expostos são mulheres.
E se adicionarmos uma outra camada e perguntarmos quantas dessas obras foram feitas por mulheres pretas? É nesse contexto, de lutar por mais espaço para mulheres racializadas dentro das instituições, que atua o Levante Nacional Trovoa, coletivo feminista interseccional composto por mulheres de todas as regiões do Brasil. “A questão do levante nacional vem desse desejo de um montante de mulheres artistas que pensam de forma similar e desejam fazer parte de um grupo que as represente. Antes de ser coletivo, toda artista é independente, tem sua trajetória, mas existe algo que nos une”, explica Bianca Leite, artista visual, educadora e pesquisadora que faz parte do Trovoa.
“A questão do levante nacional vem desse desejo de um montante de mulheres artistas que pensam de forma similar e desejam fazer parte de um grupo que as represente. Antes de ser coletivo, toda artista é independente, tem sua trajetória, mas existe algo que nos une”
Bianca Leite
O movimento surgiu em 2017, a partir de quatro artistas no Rio de Janeiro: Ana Almeida, Ana Clara Tito, Carla Santana e Lais Amaral. Todas muito jovens – não só de idade, mas também de produção artística –, elas se organizavam em um ateliê que dividiam e faziam encontros e rodas de conversas e, aos poucos, a iniciativa ficou conhecida por outras artistas cariocas. Conforme as amigas foram conhecendo essas práticas de discussão e acompanhamento de produção de obra de arte, mais mulheres sentiram necessidade de começar a participar também. “Foi quando Ana Almeida começou a pensar que o Trovoa não fosse só delas, só do Rio, mas que fosse um coletivo nacional, para que as mulheres do Brasil todo pudessem participar”, explica Bianca.
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Hoje, quase cinco anos depois da fundação do coletivo, um primeiro censo foi feito para mapear essas mulheres e suas produções pelo território brasileiro. Ainda que seja difícil cravar quantas exatamente façam parte do Trovoa, o trabalho mostra que existem mais de 30 organizadoras espalhadas pelo país, que se organizam nas redes sociais, em grupos do Facebook e do WhatsApp, para dar apoio a novas artistas que entram em contato com o coletivo, fazer pontes entre elas e possíveis espaços de vendas das obras, além de prestar assistência e uma espécie de mentoria no que diz respeito à produção artística. “Algumas meninas não tem experiência na vendagem dos trabalhos, então as mais velhas ajudam as mais novas. Conversamos sobre precificação, portfólio e como arrumá-los com fotos em alta, tudo para dar mais conforto e segurança para que elas se sintam bem ao apresentar os trabalhos. Participamos de um projeto Baró Galeria em que eles receberam um grupo de artistas racializadas vinculadas ao Trovoa e o galerista explicou como formular contrato, fazer um atestado de autenticidade e outras coisas importantes, porque muitas meninas que vão chegando não têm essa experiência”, pontua Sheila Ayô, também artista, arte educadora e uma das lideranças do Trovoa na capital paulista.