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Cozinha de afeto e resistência

Um dos melhores restaurantes do Brasil, o Tuju fechou na pandemia. No seu lugar, o chef Ivan Ralston manteve qualidade e amor com o Tujuína

por Artur Tavares Atualizado em 13 out 2021, 12h04 - Publicado em 13 out 2021 00h53
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(Clube Lambada/Ilustração)

esde que o Guia Michelin começou a distribuir críticas no Brasil em 2015, nenhum restaurante conseguiu alcançar a premiação máxima, suas três estrelas. Não somente isso, pouquíssimos chefs conseguiram as duas estrelas – o que, num contexto da gastronomia mundial, já significa muita coisa. Um desses restaurantes era o paulistano Tuju, comandado pelo chef Ivan Ralston.

A proposta do Tuju era oferecer apenas menus degustação, preparos complicadíssimos, um serviço impecável, uma cozinha que pode ser considerada de ocasião para a grande maioria de nós – cujos preços realmente afastavam a casa de um programa cotidiano. O Tuju era, sem dúvidas, um dos melhores restaurantes brasileiros, mas com a pandemia ele fechou.

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Abandonar duas estrelas, prestígio e, porque não, um sonho de vida, não é fácil para ninguém. Também não foi fácil para Ralston, que estava no auge da sua consagração. Antes da covid-19, ele queria abrir um restaurante à la carte, mais modesto, que ganharia o nome de Tujuína, com o intuito de apresentar seu trabalho para um maior número de fãs da boa mesa.

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Guerreiro, engajado e ciente da situação brasileira, Ivan fechou as portas mas manteve seus funcionários na folha de pagamento. Gastou muito dinheiro no processo, algo que sempre disse publicamente – e diz nessa entrevista mais uma vez. Quando a pandemia dava sinais de melhora, há exatamente um ano, ele trocou o letreiro na fachada do número 1248 da Rua Fradique Coutinho e abriu as portas novamente.

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(Julia Rodrigues/Fotografia)

Para comemorar o primeiro aniversário do Tujuína, e a iminência da inauguração de uma padaria no mesmo endereço, fui convidado para jantar no restaurante e bater um papo com Ivan. A casa estava cheia numa quarta-feira à noite, e do salão era possível ver toda equipe – majoritariamente feminina – trabalhando animada na cozinha totalmente aberta.

“No fim, o Tujuína acabou virando um restaurante que não é exatamente barato. Trabalhamos com produtos de extrema qualidade, temos uma equipe muito bem formada, isso custa caro”, ele me conta, com orgulho. De fato, os ingredientes são as estrelas de um menu que passeia entre o simples e o complexo sem medo nenhum de errar. A coxinha da entrada é de galinha d’angola, o ovo de pata vem banhado em um creme de ouriço e acompanhado de ora pro nobis, as vieiras e ostras chegam frescas do litoral paulistas, servidas junto com um vinagrete de mamão. Bananas, peixes fritos, carnes de primeira, tudo isso compõe o cardápio da casa.

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(Julia Rodrigues/Fotografia)

Com a reabertura gradual e iminente da sociedade, agora que a vacinação da covid-19 avança em todo o país, nós aqui da Elástica vamos conversar com chefs que respeitamos não apenas por seus bons pratos, mas pelas práticas humanas que empenharam durante essa crise que já dura quase dois anos. Nesse contexto, é com muito orgulho que iniciamos esse ciclo com o Ivan Ralston e seu Tujuína. Confira:

Vocês estão completando um ano de Tujuína agora em setembro. Como foi a experiência de fechar o Tuju, extremamente consagrado, com duas estrelas, e mudar a cara do projeto para se adequar a um período de grana mais curta no bolso dos clientes?
Pra mim, pessoalmente, foi muito difícil fechar o Tuju, que era o projeto da minha vida. Mas a pausa foi necessária em muitos aspectos, até para eu me tornar um administrador melhor. As dificuldades foram tantas nesses tempos que todo mundo dessa área deve ter aprendido muito. No fim, o Tujuína acabou virando um restaurante que não é exatamente barato. Trabalhamos com produtos de extrema qualidade, temos uma equipe muito bem formada, isso custa caro. Por outro lado ele é muito mais informal que o Tuju, mais descontraído.

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(Julia Rodrigues/Fotografia)

Foi lindo ver vocês trabalhando, a cozinha aberta, uma fortíssima presença feminina, uma harmonia entre as pessoas. Como tem sido pra você, como chef, administrar uma equipe tão grande nesse último ano?
Hoje estou mais na administração do restaurante e tocando o projeto do novo Tuju. Quem toca a cozinha é a Victoria junto com a Rhaiza. Elas têm feito um trabalho muito bonito nesse sentido.

“Pra mim, pessoalmente, foi muito difícil fechar o Tuju, que era o projeto da minha vida. Mas a pausa foi necessária em muitos aspectos, até para eu me tornar um administrador melhor. As dificuldades foram tantas nesses tempos que todo mundo dessa área deve ter aprendido muito”

Queria saber como foi enfrentar a pandemia num contexto de, quando finalmente pôde reabrir, ainda que não fosse 100% seguro, os restaurantes não tinham mais como ficar fechados. Pessoas dependem do trabalho que acontece ali. Como foi enfrentar essa dualidade?
Muito difícil, mas sempre enfrentei tudo isso pensando no coletivo. Perdi muito dinheiro, vai demorar anos pra recuperar, mas o país precisa de um empresariado consciente, que olhe para o crescimento econômico e não para o de suas fortunas. Não adianta nada a bolsa subir se a economia não cresce, só estamos aprofundando as desigualdades. Precisamos ajudar a criar empregos, mesmo com esse governo desastroso.

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(Julia Rodrigues/Fotografia)

No Tuju, a cozinha tinha uma história contada através dos menus degustação. O Tujuína tem um cardápio mais variado, mas ali também tem uma história de sabores criativos que o comensal vai experimentando através dos pratos. Como foi garantir que esse menu tão diverso mantivesse uma unidade que se aproxima ao que era feito antes?
Acho que tudo gira em torno de um estilo muito particular que desenvolvemos ao longo desses 8 anos. Quando você olha um prato do Tuju ou do Tujuína, claramente identifica um estilo que é só nosso. Ele gira em torno da simplicidade, mas também da audácia. Simples sem ser óbvio.

Quando vocês inauguraram o Tujuína, havia planos de que agora em 2021 o Tuju abrisse em outro endereço. Como ficou essa história? Os planos mudaram de alguma forma?
Seguimos com o plano, estamos fazendo o projeto, já temos investidores, mas estamos atentos à realidade brasileira, que é de muita instabilidade.

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(Julia Rodrigues/Fotografia)

“Perdi muito dinheiro, vai demorar anos pra recuperar, mas o país precisa de um empresariado consciente, que olhe para o crescimento econômico e não para o de suas fortunas. Não adianta nada a bolsa subir se a economia não cresce, só estamos aprofundando as desigualdades. Precisamos ajudar a criar empregos, mesmo com esse governo desastroso”

Pode me contar também um pouco da padaria que vocês estão abrindo junto ao prédio do Tujuína? Esse foi um projeto que surgiu em meio à pandemia? Quem está no comando?
Esse é um sonho bem antigo, a gente já fazia algumas coisas e vendia no restaurante. Os clientes pediam bastante, e durante a pandemia a gente acabou encontrando nisso como uma forma alternativa de receita. No começo será algo on-line, pra entregar em cada, depois vamos avaliar abrir uma portinha se for o caso.

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