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Em entrevista exclusiva, Urias fala sobre sua arte, expectativas para a carreira e compromisso com a representatividade

por Gabriel Portella 24 out 2023 11h38

No mundo da música, raramente se encontra uma artista que transcende o convencional com tanta graça quanto Urias. Nascida e criada em Uberlândia, a cantora e compositora desafia não apenas as barreiras musicais, mas também as sociais. Com mais de 425 mil ouvintes mensais no Spotify, videoclipes que acumulam milhões de visualizações e uma turnê pelo Brasil, Urias se destaca como um fenômeno musical.

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(Gabriel Renné/Divulgação)

Desde muito cedo em sua carreira, Urias conseguiu alcançar ao mesmo tempo um público brasileiro e internacional. Ainda em 2020, venceu o Berlin Music Video Awards com “Diaba”, e também concorreu no MTV Miaw aqui no país. Não apenas uma cantora talentosa, Urias também se destaca como modelo, participando de eventos de moda de renome, como o São Paulo Fashion Week e a Casa de Criadores, e estampando capas de revistas de prestígio, incluindo Glamour e Bazaar. Atualmente, a mineira está em turnê pelo Brasil com seu álbum Her Mind.

A cantora explica que, após o lançamento do seu álbum Fúria no ano passado, todas as perguntas em torno de seu trabalho se reduziram ao seu corpo, colocando-o em um lugar de corpo político. “Essas perguntas tinham que ser feitas, mas eu estava exausta de responder e falar sobre o meu corpo e percebi que isso não acontece com outras artistas, então comecei a pensar no que falar no meu próximo trabalho para evitar falar disso, mas também sem negar a minha identidade, o que está no meu ser”, explica.

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(Urias/Divulgação)

Em meio à sua jornada em busca do que poderia abordar em um projeto futuro, Urias encontrou uma pesquisa feita na Bélgica, em 2018, comparando o cérebro de crianças trans com o de seus pares cisgêneros. Era uma confirmação de sua identidade: “A cientista percebeu que o cérebro das meninas trans emitiam os mesmos comandos e ondas para o corpo que os cérebros das meninas cis.” Ali estava a base para Her Mind.

“Comecei a pegar estéticas de ressonância, de figuras de raio-x e demais coisas relacionadas”, explica Urias. No álbum, ela navega por letras em inglês, espanhol, francês e português. Entre as diferentes nuances sonoras que se apresentam, é possível até mesmo ouvir monólogos da própria artista. “No começo, eu fiz o álbum em múltiplos idiomas para alcançar novos lugares, mas com o tempo isso foi mudando. Ao longo da segunda etapa até a terceira parte, me bateu um sentimento de que eu estava falando com outras pessoas em outras linguagens também.”

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(Urias/Divulgação)
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This is America

Em março deste ano, o governador do estado norte-americano de Idaho, Brad Little, assina uma lei que obriga transexuais a usarem banheiros de acordo com o gênero de nascimento em todas as escolas do estado. O Projeto de Lei autoriza, inclusive, os alunos a tomarem medidas legais contra as escolas quando encontrarem pessoas “do sexo oposto” usando as instalações e a escola não coibir ou aplicar medidas “razoáveis” para impedir o uso.

Em abril, um grupo terrorista de neonazistas liderados pelo supremacista Christopher Pohlhaus, marchou em frente a um show de drag queens em Columbus, capital do estado de Ohio. Segundo a Advocate, eles performaram saudações nazistas e entoaram repetidas vezes a frase “não haverá transgêneros em nossas ruas” enquanto seguravam cartazes com os dizeres: “haverá sangue”.

Em julho, o Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região no Tennessee, no Estado de Kentucky, decidiu que a lei estadual que bane tratamentos de afirmação de gênero (gender-affirming) para menores de idade e apresentações de drag queens em espaços públicos entraria em vigor imediatamente, anulando decisão de um juiz federal em primeira instância que considerou a lei inconstitucional.

Essas são apenas algumas poucas situações entre a onda de perseguição contra a comunidade LGBTQ+ que acontece nos Estados Unidos. Questionada sobre o silêncio das figuras públicas e até membros da comunidade sobre isso, Urias explica que apontar para quem não está apoiando os coloca em um lugar de culpa e isso afasta mais do que ajuda, mas que é importante as pessoas se atentarem aos casos e também cobrar os artistas que se beneficiam da comunidade. “A primeira onda bate em nós, mas não quer dizer que não vai chegar no resto das pessoas. Por apoio, com apoio ou sem apoio, já chegamos até aqui. Mas acho importante cobrar também em um lugar de direitos humanos. A maioria do seu público faz parte dessa comunidade e aí, tu não se importa?”, ela diz.

Urias relembra o caso de transfobia contra Milena Ravache, impedida de usar o banheiro feminino na quadra da Escola de Samba Unidos do Viradouro, em fevereiro deste ano, durante um ensaio técnico para o Carnaval, sendo rendida e expulsa por um dos seguranças. “Uma semana depois, uma mulher cis foi impedida pelo mesmo motivo, pois o segurança achou que ela também era trans. Uma mulher cis sofrendo transfobia. Uma hora a água bate na bunda de todo mundo, e aí e vão olhar para trás e pensar: ‘Poxa, eles estavam nos avisando lá atrás que isso estava acontecendo.”

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Brasil e a famosa representatividade

Como artista, Urias acredita que seu trabalho reflete a identidade cultural e social do Brasil: “Meu trabalho é brasileiro, então é música brasileira. Não tem como eu querer fazer um trabalho 100% norte-americano e achar que minhas experiências não vão afetar. Tudo que tem eu, tem o Brasil. Acho importante resgatarmos, música e arte não são monopólio de ninguém, quando se trata de um ritmo, cultura, a arte não é patrimônio.”

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(Gabriel Renné/Divulgação)

A cantora também brinca com o fato de ser uma grande fã de histórias em quadrinhos, e diz que amaria se aventurar na atuação. “Imagina eu, lindíssima vestida de Vampira, voando? Eu faria um filme, tudo que está vindo de oportunidade para eu aprender eu estou abraçando, estou nessa fase”, afirma.

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Urias reconhece que, embora haja avanços na representatividade, ainda há muito a ser feito. Para ela, o que falta é pluralidade, afinal, nas próprias palavras, não há como ela e poucos artistas trans representarem toda uma comunidade. “Dentro do meu próprio recorte de mulher trans, não tenho como representar, vimos em vários formatos, cores, etnias, ser mulher para mim não é a mesma coisa do que uma mulher trans na Índia. Somos plurais, e tudo o que eu acabo me tornando é uma mulher transexual. ‘A trans’.”

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(João Arraaes/Divulgação)

Apesar dos desafios, Urias é otimista com o futuro. Ela acredita que as coisas estão melhorando e que a visibilidade da comunidade LGBTQ+ está desempenhando um papel crucial nesse processo. Por fim, a cantora reflete sobre a sua relevância na vida dos fãs e o impacto de sua arte. “Nunca passou pela minha cabeça que um dia uma menina iria chegar para mim e falar que minha música ajudou ela a passar por coisas na vida dela. Sinto que, primeiro, tenho que tomar muito cuidado, e segundo, estou chegando em pessoas de outros recortes, e poderíamos deixar essa nossa diferença de lado, e pensar na música pela música, e entender como a música se encaixa na vida das pessoas”.

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(Gabriel Renné/Divulgação)
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