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“O agora é melhor”

Helio Flanders conversou conosco sobre os 20 anos de Vanguart, sentimentalismo e o disco novo da banda, "Intervenção Lunar"

por Beatriz Lourenço Atualizado em 7 mar 2022, 13h09 - Publicado em 7 mar 2022 01h42
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(Clube Lambada/Ilustração)

m 2002, Helio Flanders criou um projeto musical no seu próprio quarto, em Cuiabá, capital do Mato Grosso. Lá ele tocava violão, teclado e cantava, gravando tudo com seu computador. Antes de ir para a Bolívia passar um tempo, chamou o guitarrista Reginaldo Lincoln para fazer um som — esse foi o começo do Vanguart. “Era algo bem despretensioso porque cantávamos músicas folk em inglês, o que não era tão popular na época”, lembra o cantor.

Mais tarde, uma série de produções culturais como o documentário sobre Bob Dylan, No Direction Home (2005), e o filme Juno (2007), culminaram no aumento do consumo do gênero musical. Para se ter uma ideia, foi nesse momento que, na esfera internacional, surgiram as bandas The Lumineers e Mumford & Sons. Com isso, o grupo passou a ser mais visto, chamado para festivais independentes e até para gravar um DVD pelo canal Multishow.

Foi em 2010 que Fernanda Kostchak passou a ser integrante, adicionando um belo violino às composições. “Apesar de tudo, nunca deixamos de ser uma banda indie tocando para um público específico”, declara Helio. “Sinto que, nesse meio tempo, criamos uma discografia sólida fazendo o que queremos e ignorando a pressão mercadológica”. Entre os singles, “Meu Sol” é um dos que fez mais sucesso, já que foi escolhido para a trilha sonora da novela Além do Horizonte, da Rede Globo.

Em setembro de 2021 foi lançado o Intervenção Lunar, sexto álbum de estúdio do Vanguart que, este ano, completa 20 anos de estrada. Ao todo, eram 14 canções autorais, que foram divididas em duas partes. Na primeira, há letras de Helio Flanders e Reginaldo Lincoln e, dessa vez, uma canção 100% autoral de Fernanda Kostchak, “Lá Está”, que também é cantada por ela. “Este é um álbum mais íntimo porque dialoga com a pandemia – que é um momento de se retirar para si e fazer as coisas com mais cuidado. Ele consegue trazer essa delicadeza que precisamos”, afirma o vocalista. O segundo volume, Oceano rubi, já está pronto e tem lançamento programado para o segundo semestre.

Em fevereiro, a banda voltou aos palcos na Casa Natura Musical, fazendo um show que estava adiado há quase dois anos. O repertório contou com músicas do novo álbum, além dos sucessos “Demorou pra Ser”, “Nessa Cidade” e “Mi Vida Eres Tu”. Batemos um papo com Helio Flanders sobre o novo disco, o começo de tudo e os 20 anos de Vanguart.

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Em 2022, Vanguart completa 20 anos de estrada. Você pode relembrar o momento de formação e as etapas mais importantes que viveram?
Eu fico no meio do caminho entre me sentir velho e precoce. Confesso que nem penso muito nisso, não gosto de olhar para trás. Acho sempre que o agora é melhor. Vanguart era o projeto que eu tinha no meu quarto em Cuiabá quando era adolescente. Tudo começou comigo gravando naquele computador branco antigo– de lá, saíram cinco cópias de um CD que distribuí para os amigos. Dois anos depois, já com Reginaldo e com David, da formação original, fizemos um show e começamos a tocar em festivais independentes.

Era algo bem despretensioso porque cantávamos músicas folk em inglês, o que não fazia tanto sucesso na época. Sempre ficamos à margem de tudo, ao mesmo tempo, fomos muito celebrados e respeitados. Mas, em 2005, foi lançado o No Direction Home, documentário sobre o Bob Dylan, e o filme Juno, culminando em um boom do folk. Esse foi o momento em que a banda conseguiu tocar para mais pessoas, gravar um DVD no Multishow e quebrar uma barreira que existia até então. Ainda assim, nunca deixamos de ser uma banda indie tocando para um público específico.

Nesse meio tempo, criamos uma discografia sólida fazendo o que queremos. Em 2017, lançamos o Beijo Estranho, um álbum mais épico e orquestral. Agora é a vez de Intervenção Lunar, que é mais íntimo – queríamos que os ouvintes sentissem a banda dentro do quarto. Os momentos que mais nos emocionamos nessa trajetória aconteceram quando ouvíamos nossa própria música e sentimos que estávamos sendo nós mesmos, ignorando a vaidade e a pressão pelo sucesso.

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(Nina Bruno/Fotografia)

Você comentou desse público específico. Ele continua com vocês até hoje desde o surgimento da banda?
Isso é algo que a gente se orgulha muito. Vimos o pessoal crescer! Tem muita gente que frequenta os nossos shows há 15 anos, desde a primeira vez que tocamos em São Paulo. Também evoluímos juntos porque nunca quisemos fazer a mesma coisa no sentido discursivo. Fizemos um disco de amor, um disco deprê, um disco vampiresco e esse novo é o nosso disco romântico e místico.

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Como você avalia as transformações da banda desde o primeiro disco até agora? O que mudou no som e na construção na banda e o que permanece o mesmo?
O coração da banda nunca mudou, por isso estamos juntos e continuamos tocando. Desde o começo até agora eu levo minhas músicas para o Reginaldo olhar e ele mostra suas composições. A Fernanda entrou na banda em 2010 e hoje ela é uma figura imensa. Enquanto conseguirmos trabalhar com a paixão, estaremos vivos. O comentário mais honesto que posso fazer é que quando saio dos shows, parece que ainda é o de 20 anos atrás.

Sobre o som, acredito que mudou naturalmente como o som dos artistas mudam. A voz, no sentido mais etéreo e filosófico, continua a mesma. No entanto, se você ouve o primeiro e o último disco, consegue ver a essência do Vanguart. E ainda bem que mudou! Eu tinha medo de ser uma banda que não inovasse.

“O coração da banda nunca mudou, por isso estamos juntos e continuamos tocando. Desde o começo até agora eu levo minhas músicas para o Reginaldo olhar e ele mostra suas composições. A Fernanda entrou na banda em 2010 e hoje ela é uma figura imensa”

Em setembro de 2021 vocês lançaram o disco “Intervenção lunar”. Como foi o processo de produção e qual é o significado que ele tem na trajetória do Vanguart?
Esse disco não estava nos planos de 2019, quando o começamos. Mas a pandemia veio e decidimos fazê-lo porque estávamos com diversas composições prontas. Aí, no fim de 2020, fomos para o estúdio. Depois de um disco muito grandioso como foi o Beijo Estranho, ele é mais íntimo porque dialoga com a pandemia – que é um momento de se retirar para si e fazer as coisas com mais cuidado. Acho que ele consegue trazer essa delicadeza que a gente precisa durante esse momento. Se antes precisávamos ser tolerantes e delicados com as pessoas, hoje precisamos disso muito mais. Temos uma ferida grande que vai desde perda de pessoas até o quão difícil socialmente e emocionalmente está sendo viver isso.

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A capa do álbum, por sua vez, remete à música homônima, que diz: “olha para o céu e vê / pede o que você vai querer”. Ela fala muito sobre o desejo e o quão complexo ele é. A foto é de uma fonte sem água e nossa ideia é que cada uma daquelas moedinhas seja um desejo diferente.

Pegando esse gancho, quais são os desejos de Vanguart?
Mais do que dar certo mercadologicamente, queremos tocar as pessoas de alguma forma. Eu só sou um artista porque fui tocado por uma música, por um filme, pela poesia, por um livro… Isso é o que me faz estar aqui. Gostaria que Vanguart continue a emocionar e a fazer sentido para o público.

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(Nina Bruno/Fotografia)

O próximo disco é Oceano rubi, que completa a narrativa de Intervenção lunar. Quando ele será lançado e o que podemos esperar dele?
O Intervenção Lunar chegou a 14 faixas e, por isso, foi dividido em dois. O Oceano rubi é a segunda parte. O lançamento estava previsto para março deste ano, mas estamos segurando um pouco porque sentimos que o primeiro ainda é muito relevante, ainda mais com essa dificuldade de fazer shows. Acredito que o novo sai no segundo semestre. Além disso, adiamos porque já temos muitos discos! Se tocarmos todas as 14 faixas no show sem os clássicos, os fãs matam a gente.

O Oceano rubi fala sobre esse olhar para dentro, mas também sobre uma chegada. Enquanto a primeira parte remete ao pressentimento e a algo que vai acontecer, o próximo é o desaguar dessa chegada – esse é o spoiler que posso dar.

Vocês mesclam muitos instrumentos, como violino, gaita, trompete… Qual é o papel que eles ganham nessa nova fase?
No decorrer da carreira fomos aumentando os instrumentos. Mas essa gama é do folk, tirando o trompete que é o mais diferente que usamos. O violino e o bandolim são muito característicos desse ritmo. Acho que é uma maneira da gente estender a linguagem musical e deixar o show com uma nuance maior de timbres e de regiões. Sem contar que nos divertimos muito!

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Vocês falam muito sobre o sentir. Qual é a importância de se atentar para os nossos sentimentos?
A realidade é muito dura. Temos mil maneiras de entrar nela, não podemos fechar os olhos para a barbárie que acontece no Brasil e no mundo. O racismo, a violência e o machismo estão chegando a níveis cada vez piores – ficamos cada dia mais chocados. Acho que não podemos perder a nossa voz de denúncia, mas precisamos ter uma saúde emocional e não podemos deixar de cuidar dos nossos. A poesia, o afeto e esse existencialismo é um alicerce e tanto para que a gente consiga ter tolerância nas lutas sociais diárias. O meu ato político é contribuir desse modo.

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“O Oceano rubi fala sobre esse olhar para dentro, mas também sobre uma chegada. Enquanto a primeira parte remete ao pressentimento e a algo que vai acontecer, o próximo é o desaguar dessa chegada — esse é o spoiler que posso dar”

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(Nina Bruno/Fotografia)

Faixa a faixa

01. Vamos Viver (Helio Flanders / Reginaldo Lincoln)
Essa é uma canção que o Reginaldo trouxe e trabalhamos nela juntos — mudamos a letra, o refrão e o título. Escolhemos para abrir o disco porque, depois de um ano e meio de pandemia, sentimos que precisamos viver e celebrar. Ela é uma maneira de extravasar positivamente tudo o que passamos nesses tempos difíceis.

02. Intervenção Lunar (Reginaldo Lincoln)
É uma composição do Reginaldo e desde a primeira vez que ele me mostrou, fiquei encantado. Quando eu trouxe a “Oceano Rubi” e ele trouxe a “Intervenção Lunar”, percebemos que as duas canções dialogavam. Ela é a que faz esse disco existir. Cantamos com várias vozes e há um violino lindíssimo tocado pela Fernanda.

03. Sente (Reginaldo Lincoln)
Lançamos esta como single em 2019 e é a minha música favorita do Vanguart hoje. O clipe é lindo e foi gravado na 25 de março, em São Paulo. Ela tem uma delicadeza incrível e o verso: “essas paredes nunca vão te alcançar”. Quer dizer que, mesmo que às vezes estamos trancados em casa, nossa mente pode estar viajando por aí.

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04. Canção Para o Sol (Helio Flanders)
Escrevi ela como se fosse uma rendição ao amor. Ela veio da reflexão de que você, depois de ficar mais velho, se torna mais cínico em relação a ele — até que ele vem e te dá uma rasteira. É como se você percebesse que, quando acontece, não há racionalidade que segura.

05. Suas Coisas Favoritas (Reginaldo Lincoln)
Esta foi feita pelo Reginaldo para sua filha. É o nosso mergulho no realismo fantástico. Ela fala da nossa adolescência em Cuiabá, do rio e da plantação. Tem ares de fantasia no modo mais sublime.

06. Lá Está (Fernanda Kostchak)
É a primeira composição 100% da Fernanda. Nessa, flertamos com o cabaré. Tem muito de Tom Waits, que é a cara dela. É a mais rock que temos no álbum.

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07. Vento do Metrô (Helio Flanders)
Essa é a mais Vanguart de todas, é a épica que se despede do disco. Ela fala sobre o que está em tudo e sobre as coisas que a gente carrega para a vida toda — seja uma memória, uma canção, um beijo ou uma dor.

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