Um lugar de luta, resistência e cultura, o Xingu é o primeiro grande território indígena demarcado no Brasil. Alvo de disputas e ameaças, o local é referência na diversidade socioambiental da Amazônia brasileira, já que se constitui por um dos mais extensos conjuntos de áreas protegidas do mundo. Além disso, é a casa de mais de 6 mil indígenas, de 16 etnias diferentes.
E é isso que o Instituto Moreira Salles apresenta na mostra “Xingu: Contatos”, em cartaz em sua unidade paulistana. Fruto de dois anos de pesquisa, os curadores Takumã Kuikuro e Guilherme Freitas apresentam cerca de 200 itens que recontam a trajetória da região a partir do protagonismo indígena.
Também são exibidas imagens, reportagens e outros documentos produzidos por não-indígenas desde o final do século 19. O conjunto inclui desde registros de viajantes europeus até a cobertura da imprensa durante a campanha pela demarcação do Parque Indígena do Xingu, decretada em 1961 pelo Serviço de Proteção ao Índio, a atual Funai. O confronto de produções culmina num processo de diálogo que propõe a construção de novas perspectivas da historiografia brasileira.
“Logo de cara, surgiram duas frentes de trabalho: revisitar imagens registradas por fotógrafos não indígenas e entender o que elas mostravam e não mostravam. Além disso, queríamos fazer um levantamento da produção audiovisual de quem mora lá hoje”, conta Guilherme. “A ideia é contrapor esses dois momentos e contar o que muda quando a história passa a ser contada por quem, de fato, vive no Xingu.”
E o resultado é a completa mudança de narrativa – enquanto as fotografias antigas mostram uma espécie de chegada da civilização ao interior do Brasil, os novos trabalhos evidenciam a devastação e a violência causadas por quem vem de fora. “Outra coisa que se transforma quando as câmeras passam para os indígenas é a captura do que realmente importa nas aldeias, sem aquele fascínio exótico que não tem contexto”, explica o curador.
A exposição traz ainda um trabalho inédito do artista Denilson Baniwa, além de fotografias produzidas pelos comunicadores indígenas da Rede Xingu +, e um mural com grafismos alto-xinguanos criado pelo artista Wally Amaru na empena de um prédio na Rua da Consolação.
“O que conhecemos sobre o Xingu é o que vemos nos filmes e livros. Mas pouco se sabe sobre o importante papel das lideranças indígenas para a demarcação e manutenção das terras e das culturas. Queremos que o público conheça essa riqueza de informações e desperte o interesse pelas novas produções audiovisuais do local”, completa Guilherme.
Renomear e reconhecer
A exposição ocupa dois andares do IMS. No primeiro, estão os seis curta-metragens comissionados a artistas e comunicadores indígenas. Com ênfase na linguagem documental, os curtas tratam de questões como a preservação das culturas, o desmatamento e a luta por direitos.
Nas paredes, uma linha do tempo marca os momentos mais emblemáticos do Xingu: em 2018, Jair Bolsonaro é eleito presidente com a promessa de paralisar as demarcações; em 2021, o território enfrenta o avanço do desmatamento e incêndios de proporções inéditas; neste ano, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito presidente e se compromete a criar o Ministério dos Povos Indígenas.
“O governo Bolsonaro atropelou os nossos direitos. Agora passamos a tentar movimentar o que está parado e tentar barrar a degradação das terras e o garimpo ilegal. Temos esperança de um futuro melhor”, revela Takumã.
No segundo andar, o público encontra uma visão histórica da área. São apresentadas desde as primeiras fotografias feitas na região, durante a expedição do etnólogo alemão Karl von den Steinen na década de 1880, passando pela documentação realizadas pelo Estado brasileiro na primeira metade do século 20, com a Comissão Rondon e o Serviço de Proteção ao Índio, até chegar à cobertura da imprensa da Expedição Roncador-Xingu.
A lacuna de informações de fotos antigas causou um incômodo nos organizadores, que buscaram renomeá-las a partir de um processo de identificação – que contou com a colaboração da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), que representa os 16 povos que vivem no território, e de lideranças dos povos Xavante, Bakairi e Kayapó, também retratados na exposição. Imagens que antes contavam com a legenda “Mãe e filho indígenas”, por exemplo, ganharam nomes reais.
“Hoje, nós somos protagonistas da nossa história. Antes não conhecíamos o audiovisual, agora conhecemos. Somos donos da nossa imagem e levamos as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais e exposições”, aponta Takumã. “Queremos contar nossa história para que os não indígenas possam reconhecer e ensinar aos seus filhos o protagonismo dos povos indígenas do Xingu e de todo o Brasil.”
IMS Paulista
Avenida Paulista, 2424, São Paulo
Até 9 de abril de 2023
Entrada gratuita
Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.