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Exposição posiciona indígenas como protagonistas do Xingu

"Xingu: Contatos", em cartaz no IMS Paulista, reúne imagens, documentos e produção audiovisual produzidos por moradores da região

por Beatriz Lourenço 5 dez 2022 12h53

Um lugar de luta, resistência e cultura, o Xingu é o primeiro grande território indígena demarcado no Brasil. Alvo de disputas e ameaças, o local é referência na diversidade socioambiental da Amazônia brasileira, já que se constitui por um dos mais extensos conjuntos de áreas protegidas do mundo. Além disso, é a casa de mais de 6 mil indígenas, de 16 etnias diferentes.

E é isso que o Instituto Moreira Salles apresenta na mostra “Xingu: Contatos”, em cartaz em sua unidade paulistana. Fruto de dois anos de pesquisa, os curadores Takumã Kuikuro e Guilherme Freitas apresentam cerca de 200 itens que recontam a trajetória da região a partir do protagonismo indígena.

Plantação de soja na divisa da Terra Indígena Wawi, 2020
Plantação de soja na divisa da Terra Indígena Wawi, 2020 (Kamikia Kisêdje/Fotografia)

Também são exibidas imagens, reportagens e outros documentos produzidos por não-indígenas desde o final do século 19. O conjunto inclui desde registros de viajantes europeus até a cobertura da imprensa durante a campanha pela demarcação do Parque Indígena do Xingu, decretada em 1961 pelo Serviço de Proteção ao Índio, a atual Funai. O confronto de produções culmina num processo de diálogo que propõe a construção de novas perspectivas da historiografia brasileira.

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(Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Maureen Bisilliat Aquisição, 2003/Fotografia)

“Logo de cara, surgiram duas frentes de trabalho: revisitar imagens registradas por fotógrafos não indígenas e entender o que elas mostravam e não mostravam. Além disso, queríamos fazer um levantamento da produção audiovisual de quem mora lá hoje”, conta Guilherme. “A ideia é contrapor esses dois momentos e contar o que muda quando a história passa a ser contada por quem, de fato, vive no Xingu.”

E o resultado é a completa mudança de narrativa – enquanto as fotografias antigas mostram uma espécie de chegada da civilização ao interior do Brasil, os novos trabalhos evidenciam a devastação e a violência causadas por quem vem de fora. “Outra coisa que se transforma quando as câmeras passam para os indígenas é a captura do que realmente importa nas aldeias, sem aquele fascínio exótico que não tem contexto”, explica o curador.

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Aldeia Khĩkatxi do povo Khisêtje durante queimada provocada por não indígenas no entorno da Terra Indígena Wawi, parte do Território Indígena do Xingu, 2022
Aldeia Khĩkatxi do povo Khisêtje durante queimada provocada por não indígenas no entorno da Terra Indígena Wawi, parte do Território Indígena do Xingu, 2022 (Renan Suyá/Rede Xingu+/Fotografia)

A exposição traz ainda um trabalho inédito do artista Denilson Baniwa, além de fotografias produzidas pelos comunicadores indígenas da Rede Xingu +, e um mural com grafismos alto-xinguanos criado pelo artista Wally Amaru na empena de um prédio na Rua da Consolação.

“O que conhecemos sobre o Xingu é o que vemos nos filmes e livros. Mas pouco se sabe sobre o importante papel das lideranças indígenas para a demarcação e manutenção das terras e das culturas. Queremos que o público conheça essa riqueza de informações e desperte o interesse pelas novas produções audiovisuais do local”, completa Guilherme.

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Renomear e reconhecer

A exposição ocupa dois andares do IMS. No primeiro, estão os seis curta-metragens comissionados a artistas e comunicadores indígenas. Com ênfase na linguagem documental, os curtas tratam de questões como a preservação das culturas, o desmatamento e a luta por direitos.

Nas paredes, uma linha do tempo marca os momentos mais emblemáticos do Xingu: em 2018, Jair Bolsonaro é eleito presidente com a promessa de paralisar as demarcações; em 2021, o território enfrenta o avanço do desmatamento e incêndios de proporções inéditas; neste ano, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito presidente e se compromete a criar o Ministério dos Povos Indígenas.

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“O governo Bolsonaro atropelou os nossos direitos. Agora passamos a tentar movimentar o que está parado e tentar barrar a degradação das terras e o garimpo ilegal. Temos esperança de um futuro melhor”, revela Takumã.

Criança Ikpeng é recebida no Alto Xingu, 1966
Criança Ikpeng é recebida no Alto Xingu, 1966 (Jesco von Puttkamer/PUC Goiás/IGPA/Fotografia)

No segundo andar, o público encontra uma visão histórica da área. São apresentadas desde as primeiras fotografias feitas na região, durante a expedição do etnólogo alemão Karl von den Steinen na década de 1880, passando pela documentação realizadas pelo Estado brasileiro na primeira metade do século 20, com a Comissão Rondon e o Serviço de Proteção ao Índio, até chegar à cobertura da imprensa da Expedição Roncador-Xingu.

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Prepori Kaiabi, c. 1965
Prepori Kaiabi, c. 1965 (Jesco von Puttkamer/PUC Goiás/IGPA/Fotografia)

A lacuna de informações de fotos antigas causou um incômodo nos organizadores, que buscaram renomeá-las a partir de um processo de identificação – que contou com a colaboração da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), que representa os 16 povos que vivem no território, e de lideranças dos povos Xavante, Bakairi e Kayapó, também retratados na exposição. Imagens que antes contavam com a legenda “Mãe e filho indígenas”, por exemplo, ganharam nomes reais.

“Hoje, nós somos protagonistas da nossa história. Antes não conhecíamos o audiovisual, agora conhecemos. Somos donos da nossa imagem e levamos as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais e exposições”, aponta Takumã. “Queremos contar nossa história para que os não indígenas possam reconhecer e ensinar aos seus filhos o protagonismo dos povos indígenas do Xingu e de todo o Brasil.”

Xingu: Contatos

IMS Paulista
Avenida Paulista, 2424, São Paulo
Até 9 de abril de 2023
Entrada gratuita
Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.

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