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Ariádine e o Papel
Um bisturi afiado e muita meditação para criar obras impressionantes em papel
Das técnicas mais minuciosas da arte milenar em papel está o paper cutting. A prática tem suas raízes na China e pode remontar ao tempo em que o papel foi inventado por Cai Lun, durante a Dinastia Han Oriental, que durou de 206 a.C. até 220 d.C. Conforme o papel ficou mais acessível, a arte também seguiu esse caminho. Tradicionalmente, os recortes eram usados para decorar casas, colados na parte externa das janelas, permitindo que a luz passasse pelos espaços vazios, criando diversos padrões e desenhos.
Ainda que a técnica seja bastante popular hoje, Ariádine Meneses é uma das poucas brasileiras que desenvolve trabalho calcado no paper cutting. Seja usando uma tesoura, bisturi ou mesmo laser, ela prova as infinitas possibilidades oferecidas pelo papel.
No caso de Ariádine, o interesse pela técnica surgiu das colagens. “Fui pegando gosto por cortar cada vez mais detalhado, usando até tesourinhas cirúrgicas. Com o tempo conheci pessoas que usavam o estilete de precisão, bisturi, e quando comecei com ele fui largando os outros materiais e focando mais no entalhe do papel como meio de expressão”, conta a artista. Seu processo de aprendizado foi de forma autônoma, na base da tentativa e erro.
Confira a entrevista e conheça mais o trabalho de Ariádine:
Como começou a trabalhar com paper cutting? Por que escolheu essa técnica para chamar de sua?
Eu comecei a trabalhar com paper cutting em 2011, antes disso eu trabalhava com fotografia e, como hobby, comecei a fazer algumas colagens que com o tempo foram ficando mais detalhadas. Peguei gosto pelo recortar. Recortava com umas tesourinhas cirúrgicas e as colagens foram ficando mais detalhadas até que eu descobri o estilete de precisão pela internet. Foi aí eu abandonei a colagem fiquei só com papel e com o bisturi mesmo.
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Foi uma coisa que veio bastante natural para mim, mas acabei escolhendo essa técnica para chamar de minha muito por perceber que era algo bastante terapêutico. Na época, eu estava morando na Índia, então eu estava lidando com métodos meditativos e métodos terapêuticos, mas também com as artes artesanais e estava sendo bastante influenciada por isso. Eu via que era uma técnica que trazia bem-estar, que trabalhava bastante autoconhecimento e também que era muito pouco explorada no Brasil, então eu passei a ter mais vontade de explorar isso de uma maneira mais independente e ver aonde ia me levar.
As artes plásticas são bastante meditativas, mas os cortes em papel parecem ser ainda mais, pela própria técnica e pela meticulosidade. Como você se relaciona com esse processo?
É de fato uma técnica bastante meditativa. Eu me relaciono muito com esse processo inclusive porque foi um processo que começou quando eu estava na Índia lidando bastante com essas práticas. Lá eu percebi que meditação era mais do que sentar quietinho num lugar e tentar esvaziar a mente. Eu entendi que dava para praticar meditação ativa, que nada mais era do que você observar seus pensamentos enquanto você faz algo e o recorte é algo que traz bastante isso.
É uma técnica que você precisa de atenção porque se você cortar algo errado, perde a obra toda, mas ao mesmo tempo tem uma ação repetitiva. Você fica fazendo ali os recortes, mas ao mesmo tempo com um nível de atenção e com a cabeça livre para poder ter esse lado mais meditativo, poder ir prestando atenção nos pensamentos. Então é uma técnica que te convida ao processo mesmo.
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Seu trabalho mostra que o céu é o limite, indo de formas geométricas a séries que mais parecem histórias. Como é o desenvolvimento de cada trabalho?
Algumas séries vêm de temas relacionados a coisas que eu tô passando no momento, mas normalmente eu também gosto de ver muitas referências. Gosto muito desse universo da natureza feminina, do empoderamento feminino através da autodescoberta, do autoconhecimento, tanto sexual, quanto mental. Normalmente eu tenho ideia, vejo algumas referências e começo a esboçar o trabalho no lápis. Depois começo a passar o estilete em todas as imagens mantendo as linhas que ligam o desenho todo. Depois enquadro as peças, algumas tem várias camadas, outras uma camada só, mas é um processo que vem basicamente de algum incômodo meu, mais pesquisa de referências, mais desenho, mais recorte e obra final.
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Quais suas séries favoritas neste momento?
Eu tenho trabalhado bastante as camadas nos últimos tempos. É uma série que traz os padrões e os detalhes que eu faço desde o começo, também um pouco do universo feminino, trabalhando esses véus e essas camadas. A gente tem que olhar um pouquinho mais para ver que tem profundidade. Eu gosto muito disso, de ter que olhar por mais tempo para notar cada detalhe.
Sempre podemos aprender mais e a constância faz com que novas ideias e suportes surjam. Como você sente seu trabalho hoje? Vê algum caminho novo a ser tomado?
Hoje eu sinto que eu já conquistei algumas coisas que eu sonhava há muito tempo. Um dos meus principais objetivos era poder passar para outras pessoas como essa era uma técnica justamente meditativa, uma técnica transformadora. Sempre foi um foco meu tentar ensinar e tentar mostrar para outras pessoas que apesar de parecer muito absurdo, todo mundo pode fazer. E também é muito importante levar meu trabalho para diferentes lugares. Não estar presa a um só núcleo, uma só classe social, um só tipo de pessoa. Eu gosto da diversidade, de estar tanto nas galerias quanto em feiras, dando aula ou criando as minhas obras.
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Agora eu tenho visto também a possibilidade de sair um pouco do papel, do 2D, transformar meu trabalho em 3D, trazer para instalação. O vazio dos recortes também pode ser muito explorado com iluminação, dentro de um espaço, então eu tô tentando fazer experimentações que tragam meu trabalho para uma coisa mais espacial, mais instalativa. E também vejo reprodução. Eu trabalhei muito pouco com laser, mas hoje eu vejo que eu também tenho interesse em seguir um pouco esses dois caminhos: o manual, mas também ter uma série que vai ser reproduzida no laser e de repente até em outro material. Seria uma outra maneira de acessar o trabalho, já que ele leva tanto tempo para ser produzido.
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