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Alfredo Jaar revive batalhas

Um dos artistas latino-americanos mais consagrados ganha sua primeira mostra individual no Brasil após mais de 40 anos de carreira

por Artur Tavares 14 set 2021 23h33
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(Clube Lambada/Ilustração)

xiste algo atemporal nas obras de Alfredo Jaar. Não é porque são clássicas, dentro de padrões estéticos estabelecidos, porque remetem ao belo ou ao agradável. Pelo contrário. Chileno radicado em Nova York desde a ditadura latino-americana a partir dos anos 1960, o artista está há quatro décadas debatendo projetos de poder que oprimem sociedades, saberes, palavras, belezas, vidas. Mundialmente famoso e renomado, Jaar pôde percorrer o mundo – principalmente o Sul Global – para registrar e criticar governos, ideias, mercados, opressores em geral.

Seu trabalho não é desconhecido para os brasileiros, que já tiveram a oportunidade de acompanhar suas obras em pelo menos quatro Bienais de São Paulo e também em algumas galerias, mas agora, pela primeira vez, Alfredo Jaar está com uma mostra individual no país. Mais precisamente no Sesc Pompeia, em São Paulo, que recentemente foi eleito pelo jornal The New York Times como uma das construções arquitetônicas mais importantes do século 20.

O lugar é perfeito para o apanhado apresentado em “Lamento das Imagens” – o nome da mostra é o mesmo de uma de suas obras mais contundentes, e que também está em exibição por aqui. Jaar é um amante das instalações, dos grandes formatos, da relação profunda entre o observador e o observado, sempre na tentativa de retirar o espectador da pacificidade para uma imersão completa naquilo que deseja expor.

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(Alfredo Jaar/Divulgação)
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Entrevistar Alfredo Jaar é grandioso, porque o artista está em um patamar das lendas que parecem não ter mais a necessidade de conversar com a imprensa para expor suas ideias. Afinal, elas estão espalhadas nos maiores museus do mundo, estudadas pelos maiores teóricos e críticos, inseridas como pedras elementais da contemporaneidade. Mas, é seu espírito combativo que permite a nós, repórteres, o prazer de construir diálogos. Ou, como ele me diz: “Estou intelectualmente exausto, mas continuo otimista com minha vontade. A esperança está nas novas gerações, a minha falhou miseravelmente.”

Para as novas gerações, Alfredo Jaar:

“Lamento das Imagens” é sua primeira mostra individual aqui em São Paulo, uma cidade que é familiar à sua obra há mais de 30 anos, desde a sua primeira participação em uma Bienal. O que o público verá nessa retrospectiva de quatro décadas tão bonitas e potentes da sua carreira como artista?
O curador da mostra, Moacir dos Anjos, e eu escolhemos alguns dos trabalhos mais emblemáticos da minha carreira, que enfocam o que chamo de política da imagem. Acrescentamos também outras obras sobre o Brasil e a América Latina, e por último algumas obras que foram criadas especialmente para este momento tão precário do Brasil.

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(Alfredo Jaar/Divulgação)
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Sua obra se confunde a um registro histórico das questões políticas desenvolvidas ao redor do mundo desde a segunda metade do século XX, desse mundo chamado de pós-guerra que nunca parou de guerrear, de um Sul Global que nunca deixou de ser colônia. Em um momento em que as sociedades estão novamente se apegando ao fascismo e a ideias totalitárias, qual a importância de debater políticas de presença, de apresentar imagens e obras que incentivem afirmações individuais?
O espaço da arte e da cultura é o último espaço de liberdade que temos. É muito precioso e temos que cuidar muito dele, é o espaço onde criamos modelos de pensar o mundo, um espaço de esperança, às vezes sinto que é o único espaço onde podemos respirar. É dever dos artistas e intelectuais aproveitar o privilégio deste espaço para levantar a nossa voz e tornar visível o que o sistema autoritário em que vivemos quer tornar invisível. Por exemplo, hoje em Brasília está ocorrendo o maior protesto indígena da história do país e a imprensa ignorou o fato por uma semana inteira.

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(Jee Eun Esther Jang/Fotografia)

Você é um exilado da ditadura, uma pessoa que vivenciou os chamados Anos do Condor. Visitou o Brasil ainda nos anos 1980 para mostrar o garimpo na região da Serra Pelada. Hoje, em 2021, continuamos debatendo ditaduras militares na América Latina, ainda vivemos genocídios de populações nativas e a destruição ambiental na região. Para uma pessoa que está há tanto tempo falando sobre isso, quais os sentimentos vêm à tona? Estafa? Cansaço? Impotência? Ou, pelo contrário, uma potência em continuar criando, denunciando, não se calando?
Nem mesmo em meus piores sonhos imaginei o que está acontecendo no mundo hoje. O fascismo emerge novamente, a lacuna entre a elite e o povo continua a aumentar e um novo apartheid global brutaliza os três quartos do planeta que não têm acesso à vacina para covid. Gramsci disse que era um pessimista com seu intelecto e um otimista com sua vontade. Sempre me identifico com essa ideia, porque não temos outra. Estou intelectualmente exausto, mas continuo otimista com minha vontade. A esperança está nas novas gerações, a minha falhou miseravelmente. Se uma menina de 13 anos, Greta Thunberg, conseguir colocar a questão da emergência do clima na consciência do mundo, tenho esperança de que outras meninas como ela nos ajudem a superar nossa loucura.

“Estou intelectualmente exausto, mas continuo otimista com minha vontade. A esperança está nas novas gerações, a minha falhou miseravelmente”

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O lamento das imagens (2002)
O lamento das imagens (2002) (Alfredo Jaar/Divulgação)

Sua obra “Lamento das Imagens” que dá nome à mostra no Sesc, fala sobre apagar registros para esconder fatos importantes – e muitas vezes trágicos – da história recente. 20 anos depois de sua concepção, vivemos o inverso, um excesso de imagens e informações que confundem nossa percepção para o que está acontecendo no mundo?
É verdade que existe um excesso de imagens e informações que nos bombardeiam diariamente, mas também é verdade que nunca houve tanto controle da informação, por parte de empresas e governos. Neste cenário de mídia controlada, temos que aprender a usar as novas mídias e redes sociais. As novas gerações estão criando plataformas extraordinárias nas redes para tornar visíveis todas as crises e emergências que temos negligenciado por décadas, desde a saúde do planeta, o racismo estrutural que nunca acaba, nosso total desconhecimento das culturas indígenas que estão na origem de todos nós e de um sistema econômico neoliberal que continua tentando seduzir escondendo seu lado nefasto.

Você pretende publicar obras refletindo o contexto global da pandemia da covid-19? Quais são suas observações sobre os anos de 2020 e 2021, e como essa situação ainda se desenrolará, já que a doença continua a se espalhar ao passo que há lentidão mundial na vacinação em massa, principalmente nos países em desenvolvimento?
A pandemia tornou dramaticamente visível o desequilíbrio global que existe no planeta, e a melhor demonstração disso é como os países mais ricos acumulam até dez vezes a quantidade de que realmente precisam para vacinar suas populações inteiras, enquanto três quartos do planeta ainda o fazem não tem acesso à vacina, e é claro que as grandes empresas farmacêuticas não querem liberar os direitos da vacina para que esses países pobres possam produzi-la eles próprios. Neste caso, e como sempre, a ganância vence a solidariedade. Enquanto estava confinado, criei um filme muito modesto sobre a covid, uma espécie de diário íntimo chamado Entre os Céus e Eu, e será apresentado no próximo mês no Festival de Cinema Villa Medicis, em Roma.

Sombras (2014)
Sombras (2014) (Alfredo Jaar/Divulgação)
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O jornal The New York Times acaba de eleger o Sesc Pompeia como uma das 25 obras arquitetônicas mais importantes da segunda metade do século XX. Para você, que também é um arquiteto, como é ter uma mostra tão significativa de sua carreira em um local tão rico não somente por seu projeto arquitetônico, mas por ser inclusivo, gratuito, acessível, realmente pensado para atender uma população extremamente carente de um diálogo com aquilo que há de mais relevante na produção artística mundial?
Sou um grande admirador da obra de Lina e para mim foi um grande prazer e um tremendo privilégio instalar minha obra no Sesc Pompeia, uma de suas obras-primas. Junto com os arquitetos Marta Bogea e Tiago Guimarães, concebemos a exposição como um reflexo perfeito da arquitetura do Sesc: aberta, inclusiva, democrática e generosa. O meu trabalho não se impõe ao espaço nem compete com ele, pelo contrário, tenta dialogar com ele, praticamente flutua no ar numa espécie de dança sedutora. Os meus trabalhos dialogam com a história do Sesc, com a luz do Sesc, com a água do Sesc, com as pedras do Sesc e com a criatividade do Sesc. Pelo menos eu espero que sim. Insisti com Moacir que queria que minha mostra fosse para lá e não para outro lugar. Não me interesso apenas pela arquitetura de Lina, mas também pelo modelo estrutural do Sesc, instituição essencial da vida cultural e social do Brasil, onde a cultura e o bem-estar social são a verdadeira capital.

“O meu trabalho não se impõe ao espaço nem compete com ele, pelo contrário, tenta dialogar com ele, praticamente flutua no ar numa espécie de dança sedutora. Os meus trabalhos dialogam com a história do Sesc, com a luz do Sesc, com a água do Sesc, com as pedras do Sesc e com a criatividade do Sesc”

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