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Aline Bispo celebra a negritude e a natureza

A artista, que inaugura novo mural em São Paulo, conversa conosco sobre sua trajetória, a retomada de espaços e a ressignificação da bandeira nacional

por Beatriz Lourenço Atualizado em 2 set 2022, 00h27 - Publicado em 2 set 2022 00h25
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(Clube Lambada/Ilustração)

econhecida mundialmente por ser um verdadeiro museu a céu aberto, São Paulo acaba de ganhar uma nova obra de arte que promete fisgar o olhar de quem passa pelo Minhocão, na região do Centro. A empena, de 300 metros quadrados, foi feita pelas mãos da artista Aline Bispo, que entre outros trabalhos assina a autoria da capa do livro Torto Arado, de Itamar Vieira Junior. 

O mural, feito em parceria com a cerveja Stella Artois, tem uma peculiaridade: suas cores vibrantes são fruto de uma tinta especial criada com lúpulo, um dos ingredientes da cerveja. Ao todo, foram sete dias de trabalho e 150 litros de tinta – o equivalente a pouco mais de 454 long necks. “Estou muito satisfeita com esse projeto e feliz em ocupar mais um espaço pela cidade, já que uma parte importante do meu trabalho é essa conexão com as pessoas ao meu redor”, diz Aline. “A arte e as relações sociais nos resgatam dessa imersão da tecnologia e nos lembram que a presença e o toque humano devem ser sempre o mais importante”.

A inauguração foi comemorada com um evento “paint and drink” – pintar e beber, em tradução livre – no restaurante Cora e, claro, a Elástica foi conferir de perto, além de bater um papo com a artista. Após três horas tentando pintar um quadro, percebi que, quando vemos de longe, achamos que a arte é um dom de quem consegue transmitir seus sentimentos para uma superfície material. Porém, ela é muito mais do que isso: exige técnica, estudo e a capacidade de encontrar uma linguagem lúdica para estimular a reflexão do espectador.

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“A arte e as relações sociais nos resgatam dessa imersão da tecnologia e nos lembram que a presença e o toque humano devem ser sempre o mais importante”

Aline faz isso com maestria ao transmitir sua história, religião, natureza e um tanto da política brasileira nos muros da cidade, em capas de livro e até em estampas de roupas. Para ela, estar em tantos lugares é um ganho importante pois amplia o acesso de diversos públicos ao seu trabalho. “Quando comecei a estudar artes visuais, tinha muito medo de que essa versatilidade de linguagens fizesse com que eu me perdesse. Felizmente, tenho conseguido criar uma conexão entre todas essas criações por meio da minha identidade”, revela. 

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(Helena Yoshioka/Divulgação)

A artista acaba de participar da mostra SP-Arte: Rotas Brasileiras com cinco obras que repensam a bandeira nacional, que tem sido sinônimo de um discurso de ódio por parte de partidos políticos de extrema direita. “Minha busca é discutir esse lugar de onde a bandeira está, pensar suas cores, a frase e como ela foi criada. Nesse ano, pensando em tudo o que a gente tem passado durante a pandemia, temos uma responsabilidade muito grande de questionar e ressignificar esses símbolos”, conta. Abaixo, confira nosso papo completo com Aline Bispo:

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Quando você descobriu que as artes poderiam ser uma válvula de escape e uma profissão?
Chegou um momento da minha vida em que tive que fazer uma escolha entre o caminho do design e o das artes visuais. A partir daí, me conectei com diversas pessoas e descobri que os dois poderiam andar juntos. Me dei conta que fazer isso era algo que eu gostava muito e, apesar de ser uma válvula de escape, teria que tratar a profissão com muita seriedade – já que era algo que queria seguir para o resto da vida. 

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(Helena Yoshioka/Divulgação)

Em 2021, você fez a performance “Tudo o que não cabe em outros lugares encaixa-se aqui”, que aborda o sincretismo religioso no Brasil. Enquanto mulher negra na nossa sociedade, é mais importante criar novos lugares para ocupar ou lutar para ocupar os que já existem e lhe foram negados?
A performance nasceu na conclusão da graduação e a minha pesquisa falava muito sobre o entendimento do meu lugar no mundo. Nesse sentido, refleti sobre o lugar de onde vim, meu tom de pele e as desigualdades que vivi no cotidiano. Foi aí que entendi o porquê era tratada de forma diferente em alguns ambientes, o porquê tinha que me deslocar tanto para ter acesso a certas coisas e o porquê as oportunidades não chegavam. Enquanto escrevia o projeto, vi que o sincretismo religioso no Brasil, principalmente na umbanda, traz esse lugar de composição. Ela é afro-brasileira e bebe de diversas fontes – não há um livro como a bíblia, ainda assim, traz uma seriedade muito forte. Tudo isso é refletido nessa performance! 

Sobre os espaços, acho que as duas coisas têm importância. A ocupação dos já existentes precisa acontecer ainda que algumas regras já sejam instituídas e precisam ser trocadas. Mas esse processo pode ser cansativo para quem vai ocupar. Já a criação de novos espaços tem uma importância muito grande porque vem num lugar de retomada. Se a gente pensar nos processos diaspóricos, percebemos que há lacunas – e elas precisam ser preenchidas para não deixar que nossa história se apague. 

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Você criou a capa de um dos livros brasileiros mais falados dos últimos tempos, pintou empenas em parceria com marcas internacionais e criou uma coleção de moda em parceria com uma gigante brasileira. Qual a importância de levar o seu trabalho, que celebra a negritude, para diferentes áreas?
Quando comecei a estudar artes visuais, tinha muito medo de que essa versatilidade de linguagens fizesse com que eu me perdesse. Felizmente, tenho conseguido criar uma conexão entre todas essas criações por meio da minha identidade. Fico muito contente em estar em diversos lugares diferentes. 

Dentro da leitura, há um público específico que gosta do livro. Algumas obras minhas vão para a SP-Arte, mas sei que não é todo mundo que consegue adquirir. Ao mesmo tempo, agora vou fazer parte do acervo do MASP e, com isso, há a ampliação do acesso das pessoas ao meu trabalho. O legal de estar em todas as áreas é conseguir me conectar com diversas pessoas diferentes. 

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“A criação de novos espaços tem uma importância muito grande porque vem num lugar de retomada. Os processos diaspóricos têm lacunas – e elas precisam ser preenchidas para não deixar que a história se apague”

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Você ilustrou o livro Serena finitude, de Anelis Assumpção, que fala sobre luto, morte e amor para crianças. Como encontrar a delicadeza e a sinceridade para falar sobre assuntos tão delicados com os pequenos?
Esse é um livro muito especial e foi um desafio porque foi o primeiro que ilustrei. Fiz tudo à mão. Por ser um livro poemado, busquei uma sensibilidade aliada à compreensão de que a criança entende as coisas com muito mais facilidade. Tentei levar os sentimentos de modo simples sem rechear demais e fazer com que eles se perdessem. 

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No processo de ilustração, dividi com as crianças o que estava fazendo e perguntei o que elas achavam. O legal é que há muitas linguagens unidas, como aquarela, tecidos, folhas – ficou um universo muito lúdico para os pequenos. Eu tenho uma conexão muito forte com a natureza, pinto muitas plantas e tenho várias em casa. Isso de observar e lembrar que todo mundo faz parte de um ciclo, além dessa conexão com a terra, também foi levado ao livro.

Em 2019, você reimaginou a bandeira do Brasil para homenagear mulheres, indígenas, quilombolas, nordestinos. Daqui a pouco, teremos eleições e Copa do Mundo. Por que precisamos nos reapropriar da nossa bandeira?
É urgente! Todas as cinco obras que levei à SP-Arte passam por esse tema. A minha busca é discutir esse lugar de onde a bandeira está, pensar suas cores, a frase e como ela foi criada. Há uma questão europeia que poucas pessoas sabem e precisa ser falada.

Tenho uma memória muito particular da Copa que é a bagunça das crianças indo pintar a rua, colocar a camiseta do Brasil para torcer e se reunir com a família e amigos para ver o jogo. Há uma mobilização popular muito forte. Nesse ano, pensando em tudo o que a gente tem passado durante a pandemia, temos uma responsabilidade muito grande de questionar e ressignificar esses símbolos. Não podemos deixar que nossa bandeira reflita um discurso de ódio. Quem sabe, podemos recriá-la de diferentes formas.

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