A escritora bell hooks, em seu texto “Vivendo de Amor”, diz que as mazelas do sistema escravocrata impactaram nossa forma de amar e que precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem e impedem nossa capacidade de amar. “Eu acredito que, por isso, falar de amor entre pessoas negras é uma urgência, já que tendemos a estar sempre reagindo a violências e nos acostumamos à negativa do afeto. E o afeto é uma necessidade humana que está associada ao nosso bem estar físico e emocional”, completa Stephanie Ribeiro, arquiteta, urbanista e apresentadora do Decora, no GNT.
“Amar e se permitir ser amado também é combate a estrutura racista. Não estamos aqui falando apenas da necessidade do amor romântico, mas do amor em todas as suas esferas. Mas, no que diz respeito ao amor romântico entre semelhantes, ele precisa ser naturalizado na nossa cultura brasileira, que tomou como base o embranquecimento da população via miscigenação”, continua Stephanie.
Depois de conversarmos com seis pessoas negras sobre amor e, principalmente, o amor afrocentrado – ou seja, quando uma relação romântica envolve duas (ou mais) pessoas pretas –, não tinha outro jeito de abrir essa reportagem a não ser citando bell hooks. A autora estadunidense acredita que o amor deve ser a mediação de tudo e, através dele, podemos melhorar todas as relações.
“Falar de amor entre pessoas negras é uma urgência, já que tendemos a estar sempre reagindo a violências e nos acostumamos à negativa do afeto. E o afeto é uma necessidade humana que está associada ao nosso bem estar físico e emocional. Amar e se permitir ser amado também é combate a estrutura racista”
Stephanie Ribeiro
Em uma sociedade racista e preconceituosa, é claro que experimentar esse amor, seja ele qual for, também não vai ser uma experiência igualitária. Estar em uma relação inter-racial pode, em muitas instâncias, impedir que uma pessoa preta se sinta 100% compreendida por conta desse cenário. “Um relacionamento preto é também uma forma de resistência. Afrocentrar a relação é uma maneira de manter e dar continuidade ao legado da nossa ancestralidade, nossos traços, nossa identidade” explica o estudante de arquitetura Mateus Amorim.
E, na hora de correr atrás de um novo date, isso também pode dar um trabalhão. Foi pensando nisso que um grupo formado por quatro sócios lançou, em outubro, o aplicativo Denga Love, primeira plataforma de paquera exclusiva para pessoas pretas.
“Falar sobre esse tipo de relação tem a ver com humanizar pessoas. A ideia é viver o flerte e a paquera em um espaço seguro onde o racismo não afete as conversas, como acontece em outros modelos”, diz o sócio Roger Cipó. “São modelos onde as pessoas estão livres para viver suas experiências sem que precisem se justificar ou se defender a todo momento – além de celebrar sua beleza.”
“Milhões de negros nas outras plataformas não encontram experiências nas quais eles podem existir com plenitude. A Denga Love aponta para uma urgência de mercado – as pessoas querem paquerar em ambientes seguros e isso significa existir mais plataformas assim”
Roger Cipó
Disponível gratuitamente nos sistemas Android e iOS, o app já soma mais de 33 mil usuários e o time já recebeu dezenas de feedbacks de pessoas que confirmam sua eficiência. “Lançaram o aplicativo Denga Love tem 14h e o meu date saiu em menos de 8 horas depois do lançamento. Obrigada aos envolvidos”, escreveu uma usuária.
“Isso mostra que os milhões de negros nas outras plataformas não encontram experiências nas quais eles podem existir com plenitude. Essa marca aponta para uma urgência de mercado – as pessoas querem paquerar em ambientes seguros e isso significa existir mais plataformas assim”, conclui Cipó.
Como celebração neste novembro, mês da Consciência Negra, ouvimos pessoas pretas que vivem ou viveram relações afrocentradas e se sentiram à vontade para compartilhar conosco suas transformações e processos de cura proporcionados por essa experiência.