Bárbara*, uma bibliotecária de 23 anos, me conta que descobriu o termo “assexual” no Google. Por volta dos seus 13/14 anos, em meio a dúvidas sobre o que sentia, pesquisou sobre “puberdade tardia”. No meio da busca, encontrou o termo assexual, que, na época, se encaixou perfeitamente na sua condição e serviu de alívio pensar que existem outras pessoas que se sentiam igual a ela. “Saber que eu não era doente, e que não estava sozinha, foi extremamente importante e libertador. A partir daquele momento, consegui embasamento para justificar as minhas vontades perante o mundo, coisa essa que não acontecia antes, pois simplesmente nem entendia o que se passava comigo”, conta.
Procurei bastante a respeito da quantidade de pessoas assexuais que existem no mundo, ou pelo menos no Brasil, e os dados todos variam entre 1 a 2% da população mundial. Entretanto, a assexualidade em si é tão pouco discutida e circundada de tantos tabus que acredito que tal porcentagem seja bem maior, considerando que boa parte da população que é de fato assexual não sabe que é por nunca terem nem ouvido falar a respeito da assexualidade.
Talvez, a primeira vez que ouvimos falar o radical assex- é na escola, quando estudamos os organismos sexuados e assexuados. Nesse caso, são os organismos que, respectivamente, usam e não usam o sexo para se reproduzirem. No nosso caso, precisamos transar para gerarmos outros seres humanos, então nos encaixamos nos organismos sexuados. É comum que, quando as pessoas escutem a palavra assexualidade, a confundam com o tema visitado na biologia – e aí vira uma salada de termos. Antes de tudo, a assexualidade é uma orientação sexual. Não é um comportamento sexual, nem é uma fase da vida, nem é uma definição da biologia e ela está no mesmo lugar que homossexualidade, heterossexualidade e outras orientações.
“Saber que eu não era doente, e que não estava sozinha, foi extremamente importante e libertador. A partir daquele momento, consegui embasamento para justificar as minhas vontades perante o mundo”
Bárbara, bibliotecária
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É comum acharmos na internet pessoas definindo a assexualidade como falta de atração sexual, ou diminuição dela. Eu particularmente tendo a achar que tais definições partem de um pressuposto que existe um nível normal de atração, ou que o normal é ser uma pessoa alossexual – o contrário de assexual. Logo, prefiro utilizar a definição da AVEN, a Rede de Educação e Visibilidade Assexual, que define alguém assexual como alguém que não sente ou experimenta atração sexual. Ela não vivencia a atração sexual de forma tão intensa e quase que necessária como as pessoas chamadas alossexuais, que sou eu, por exemplo, que sinto tesão por pessoas em específico.
Antes de nos aprofundarmos na assexualidade, existem alguns conceitos que acho importante você saber. Atração sexual é diferente de desejo sexual/libido e tudo isso é diferente de atração romântica. A primeira envolve apenas o ato sexual mesmo, é realmente sentir tesão em alguém, ficar ali molhadinha ou durinho quando passa aquele(a) gostoso(a) na rua ou na nossa timeline – vontade de transar com tal pessoa X. Já desejo sexual é a vontade de estimulação sexual, é aquele tesão que sentimos, mas que não é direcionado a ninguém, é só aquela molhadinha que uma masturbação mesmo resolve – vontade de gozar ou sentir prazer. E, por fim, a atração romântica é ficar todo caidinho ou caidinha de amores por uma pessoa, ou pessoas (as gatas não-monogâmicas brigam comigo se eu não falar delas).
“Eu sinto atração estética o tempo todo, mas ela não me impulsiona a nada. Posso encontrar um deus grego e isso não vai me fazer querer nem sequer dar um beijinho. Posso dançar a noite inteira com você, me despedir com um toquinho de mão e sair plenamente satisfeita”, explica Bárbara.
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Advogado paulistano de 34 anos, Walter Neto relata que é uma pessoa assexual e que tem atração romântica por pessoas independente do seu gênero. Assim, se quisermos usar termos específicos para descrever essas relações, podemos dizer que ele é assexual e birromântico/panrromântico (tem um glossário que eu gosto muito e que tem várias dessas terminologias, veja aqui). “As pessoas não entendem quando você diz que gosta muito delas mas que não quer transar. Especialmente quando você está dentro de um relacionamento romântico com essa pessoa. Então, é muito normal que o outro tome isso pra si, achando que não é atraente ou desejado”, ele conta.
“Não sabia explicar como eu conseguia gostar de uma pessoa, pensar em tê-la na minha vida, de uma forma romântica, e ao mesmo tempo não ter interesse em transar”
Walter Neto, advogado
É importante contar toda essa história para você, leitor(a), entender que uma pessoa assexual pode ter relacionamentos amorosos, se casar, transar, se masturbar (tenho aqui um estudo ótimo sobre isso, inclusive) e fazer milhões de outras coisas que o preconceito e a discriminação escondem. Por exemplo, cerca de 33% das pessoas assexuais, de um estudo feito em 2004, estavam em um relacionamento de longa duração. “Não sabia explicar como eu conseguia gostar de uma pessoa, pensar em tê-la na minha vida, de uma forma romântica, e ao mesmo tempo não ter interesse em transar. Até porque é muito comum que pessoas assexuais escutem que, se você não quer transar com a pessoa, aquilo é uma amizade. Na verdade, não necessariamente. Quando isso acontece, respondo: ‘Você não sabe quando quer ter uma amizade com alguém e quando quer algo romântico? Não quero ter uma amizade com você, quero outra coisa.’ Mas essa associação da necessidade da prática sexual existir para que esse sentimento seja validado é uma grande questão”, Walter conclui.