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Bonito pra caramba

Festival de Inverno de Bonito enche de arte a capital brasileira do ecoturismo. Na música, Gaby Amarantos, Rincon e Majur fazem a alegria da geral

por Artur Tavares Atualizado em 14 out 2022, 10h45 - Publicado em 1 set 2022 00h11
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(Clube Lambada/Ilustração)

aímos de Campo Grande na tarde de quarta-feira em um trajeto absolutamente reto e tedioso. Na visão do horizonte plano pelos dois lados da janela, tudo que se enxerga são plantações de milho e alguns tratores empenhados na colheita aqui e ali. Estamos nos momentos finais da safrinha de milho, quando o grão é plantado no inverno em substituição da soja. Depois de 400 quilômetros viajando sob a mesma paisagem, chegamos em Bonito.

Paraíso ecológico próximo mais ou menos próximo das fronteiras com o Paraguai e a Bolívia e cidade que representa a transição entre os biomas da Mata Atlântica e do Pantanal, Bonito tem belezas naturais mundialmente famosas, e é também a casa do evento público multicultural mais antigo do estado do Mato Grosso do Sul. Na cidade a expectativa era grande para o dia seguinte, quando começaria a 21ª edição do Festival de Inverno de Bonito.

Artistas de 12 estados brasileiros e alguns vizinhos da América do Sul, representantes de mais de uma dezena de etnias indígenas e 80 mil pessoas no público, entre turistas e moradores locais, passariam os próximos quatro dias imersos em uma programação de quase 15 horas ininterruptas. De 25 a 28 de agosto, passaram por lá nomes nomes musicais famosos, como Gaby Amarantos, Rincon Sapiência, Majur, Ira! e o sertanejo Daniel, todos gratuitos e abertos ao público em geral, e junto das atrações de teatro, circo, moda, dança, gastronomia e artes visuais encheram Bonito de magia e esperança.

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(Paula Cayres/Divulgação)

Eles se apresentaram principalmente em palcos concentrados na enorme praça central da cidade, mas as grandes atrações da música ficaram espalhadas em outros três palcos próximos, um deles o belíssimo Balneário Municipal, onde o público assistiu aos shows tomando deliciosos banhos de rio. Em todas as vertentes artísticas foram privilegiados debates sobre temas brasileiros atuais, como a repressão aos povos originários, as questões de gênero, a preservação ambiental e das manifestações culturais locais para as novas gerações. A impressão geral é de que o Festival de Inverno de Bonito mostrou coragem em escalar artistas engajados brilhantes a tão pouco tempo das eleições, e o público respondeu à altura com palavras de ordem contra o atual presidente, é claro.

Em Bonito, quem acorda cedo ainda consegue aproveitar os quase 50 passeios eco turísticos que a cidade oferece, como rios de flutuação exuberantes, cavernas com estalactites ancestrais, espelhos d’água, trilhas, rapel e boia cross. Para quem curte a noite, bares e baladas animadas levavam o after para madrugada adentro.

Estivemos no Festival da primeira apresentação na quinta-feira até a última cerveja na madrugada do domingo. Totalmente recuperados dessa imersão, registramos esses momentos.

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(Marithê do Céu/Divulgação)

Do sertanejo…

A noite de quinta-feira começou com um desfile de moda com 12 estilistas sul matogrossenses e teve também a apresentação teatral do espetáculo “Sinapse Darwin” pela companhia soteropolitana Casa Zoé, mas toda Bonito estava atenta mesmo para a chegada do cantor paulista Daniel, a primeira grande atração do Festival.

Quando subiu ao palco, às 22h, Daniel encontrou a plateia do Palco das Águas tomada de famílias, casais apaixonados e também de jovens. Parte do público ficou pelas ruas do lado de fora, e do outro lado a sacada elevada do restaurante O Rei da Carne de Jacaré dava vista perfeita para o sertanejo. “Acho muito legal essa evolução musical, com todo mundo tendo esse contágio pela música sertaneja. Acho que o amor passa por ela passa de pai para filho, mas acabou alcançando as novas gerações”, ele nos conta.

“Acho muito legal essa evolução musical, com todo mundo tendo esse contágio pela música sertaneja. Acho que o amor passa por ela passa de pai para filho, mas acabou alcançando as novas gerações”

Daniel, cantor

Aos 53 anos, ele está comemorando 40 de uma carreira sólida e longeva. Seu show durou duas horas. Apresentou praticamente sem pausas e conversa um repertório animado de sucessos solo, composições com seu ex-parceiro João Paulo, morto em um acidente de carro ainda nos anos 1990, e alguns covers clássicos, como o de “Evidências”.

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Refletindo sobre a evolução do sertanejo durante essas quatro décadas, Daniel afirma: “É interessante que hoje temos diversas mulheres presentes, e também as questões tecnológicas que tornam tudo mais ágil. Fazer música hoje é muito diferente. Naquela época começávamos cantando dentro de casa e as coisas iam acontecendo sem muita certeza. De repente, você estava tocando na casa de um amigo, na rua, em um boteco. Hoje, não. As pessoas já vêm projetadas, com o esquema todo pronto.”

Recentemente, Daniel fez uma série de oito episódios online com seu pai José Camillo, chamada “Meu Reino Encantado” onde ambos tocam músicas sertanejas raiz. O projeto será levado ainda esse ano para um disco de vinil, mas o cantor também tem mantido agendas de shows em parceria com Alexandre Pires e o grupo Roupa Nova.

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(Marithê do Céu/Divulgação)

Com uma carreira absolutamente impecável, Daniel manda um recado: “Acho que muita dessa gente chegou para ficar, porque é uma geração de muito potencial, que tem condições para isso. Acho que só tem que haver um pouquinho de mais cuidado, talvez, não sei se estou falando besteira ou não, na qualidade da letra. Porque hoje é tudo muito rápido, instantâneo. Se não tivermos cuidado com as letras que tocam profundamente, que tem a possibilidade de se eternizarem, a música de repente evapora e você nem lembra quais as canções de sucesso de Fulano. É uma preocupação que temos que ter para deixar uma marca positiva, um legado.”

“Se não tivermos cuidado com as letras que tocam profundamente, que tem a possibilidade de se eternizarem, a música de repente evapora e você nem lembra quais as canções de sucesso de Fulano. É uma preocupação que temos que ter para deixar uma marca positiva, um legado”

Daniel, cantor

Na entrevista, revelou ainda que era sua primeira vez em Bonito, mas no palco falou das belezas naturais e de pesqueiros que parecia conhecer muito bem. Depois de cantar a belíssima canção “Romaria”, de Renato Teixeira, presenteou a cidade com uma estátua de Nossa Senhora de Aparecida, entregue em mãos ao prefeito, mas com menções de adulação para o governador e outras autoridades presentes no local, tendo sido o único a empenhar tal gesto de complacência política durante todo Festival.

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(Muriel Xavier/Divulgação)

…ao metal

Quando já passava da meia noite e o sertanejo havia acabado, os jovens que sobraram na rua caminharam algumas quadras e chegaram ao Centro de Múltiplo Uso (CMU), um complexo com quadras de tênis, pistas de skate e corrida da cidade. Na primeira madrugada do festival, a única vazia e a mais fria de todas elas, o roqueiro local Fred Oliveira tocou thrash metal instrumental com seu trio, e a noite se encerrou com o grupo cuiabano Macaco Bong.

De mais interessante, somente os dois covers instrumentais do grupo norte-americano Nirvana feitos pelo Macaco Bong, que no geral mostrou um show pouco empolgante. Já Fred Oliveira e seus parças pareciam estar se divertindo muito no palco, mas ficou a impressão de que a galera esperava alguma coisa mais quente nesse pontapé inicial.

Nos outros dias, o CMU, que teve um de seus enormes muros grafitados por quatro artistas convidados, ainda recebeu os dois melhores shows do Festival, do rapper paulistano Rincon Sapiência e da baiana Majur.

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(Muriel Xavier/Divulgação)
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Carne na brasa e banho gelado de rio

Nem só de carne de jacaré é feita a alimentação do bonitense. Ali se come muito bem uma oferta variada de peixes de rio como a tilápia, o pacu e o tucunaré, além de cortes impecáveis de carne – afinal, estamos na terra onde se criam bois nelore e angus.

As piraputangas marcaram presença junto aos banhistas que aproveitavam o clima quente do final de semana no Balneário Municipal. De sexta a domingo, sempre das 13h às 16h, artistas locais se apresentaram a um público bastante animado, que botou a sunga de fora e foi nadar nas águas geladas com esses simpáticos peixes de escamas peroladas e rabo vermelho no trecho do Rio Mimosa que passa por ali.

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(Muriel Xavier/Divulgação)

Misto de camping, viveiro e espaço de banho, o Balneário Municipal é um equipamento público fabuloso que trouxe um clima bucólico para o evento. Na sexta-feira, o jovem Raphael Vital foi sensação absoluta. Garoto prodígio da música sul matogrossense, Vital aparenta e toca numa levada Tim Bernardes uma música pantaneira que presta homenagem a Almir Sater, um folk moderno que tem tudo para chegar ao sucesso em breve.

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Durante a apresentação, o músico faz uma belíssima consagração à Nossa Senhora do Pantanal, uma imagem criada por um artista local que caiu nas graças populares por ser defensora das belezas naturais dos rios, da fauna e da flora local, todos tão ameaçados pelo agro local.

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No sábado, Marcia Cordeiro e sua banda fizeram um show de blues competente e bastante apropriado. Logo depois, parte do público saiu do Balneário e foi almoçar no Festival da Carne, que acontecia na Casa de Vidro, ali perto.

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(Muriel Xavier/Divulgação)

Outro equipamento importante, a Casa de Vidro é um espaço comunitário social mantido pela comunidade com o intuito de reciclar o vidro descartado em Bonito. No Festival da Carne, o churrasco de comitiva pantaneiro feito no forno a lenha era servido junto de mandioca, macarrão com carne seca, molho de guavira – fruta símbolo do Mato Grosso do Sul -, além da deliciosa sopa cremosa pantaneira, feita com muito milho e queijo. Quem passava por ali ainda assistia uma programação musical a parte do Festival de Inverno.

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(Álvaro Herculano/Fotografia)

Do coração do Brasil

Na Praça da Liberdade, o grupo de teatro guarani kaiowá Liberdade PKR apresentou ainda no meio da tarde o impactante espetáculo “Gritaram-me Bugra”. Adaptando o poema-intervenção “Gritaram-me Negra”, da peruana Victoria Santa Cruz, os atores e atrizes pertencentes às etnias guarani kaiowá passaram uma mensagem poderosa sobre o cotidiano de sofrimento que enfrentam no Mato Grosso do Sul, servindo também como uma alegoria para a situação de povos originários em todo o Brasil.

Por toda a extensão da fronteira entre o Mato Grosso do Sul, o Paraná e o Mato Grosso, os indígenas locais e as populações miscigenadas são chamadas de “bugrada” desde a ocupação dessas terras. De caráter pejorativo que retrata um índio preguiçoso na beira do rio, o termo ainda resiste. Ironicamente ou não, o Liberdade PKR se apresentou em um palco montado em frente a uma lanchonete chamada Hambugreria.

Ainda na Praça da Liberdade, um desfile de moda de algumas das outras oito etnias indígenas que vivem no estado e outras que vieram de fora movimentou o final de tarde.

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(Muriel Xavier/Divulgação)

O grito dos guarani kaiowá também foi ecoado no show do grupo de rap Brô Mc’s. Misturando a língua tradicional e o português, os rappers fizeram uma apresentação potente no sábado, escancarando a realidade de favelização e etnocídio promovida por fazendeiros e pelo poder público na região de Dourados, no sul do estado.

No próximo sábado, 3 de setembro, o grupo Brô Mc’s terá sua primeira grande apresentação nacional no Palco Sunset do Rock in Rio, em um show com a participação do rapper Xamã.

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(Marithê do Céu/Divulgação)

Participação especial: hermanos!

A sexta-feira ainda contou com o delicioso espetáculo “Yoyo”, do palhaço argentino Sebastian Godoy. Artista que percorre as estradas sul-americanas junto da companheira e de um simpático cão em um motor home, ele levou o público à loucura em um espetáculo interativo frenético, cheio de truques de mágica, dança, patinação e risadas.

Durante o número final da apresentação, uma multidão de crianças enlouquecidas subiu no palco e roubou os sifões de água do palhaço, iniciando uma guerra involuntária divertidíssima entre os mais novos da plateia.

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(Muriel Xavier/Divulgação)

Tecnobrega carimbó pop nacional

A noite de sábado começou a esquentar no Palco das Águas com uma homenagem das cantoras locais Bianca Bacha, Lauren Cury e Karla Coronel para Alzira Espíndola, cantora sul matogrossense radicada em São Paulo, irmã de Tetê Espíndola e de outros três grandes músicos brasileiros: Sergio, Celito e Jerry Espindola – que estava na plateia depois de se apresentar com sua banda Hermanos Irmãos no Festival da Carne.

Atração mais pop da noite, Gaby Amarantos subiu ao palco para apresentar o terceiro show de sua nova turnê Purakê, fruto do álbum homônimo recém-lançado. No melhor momento da carreira de 15 anos, depois de participar da novela “Além da Ilusão” e do The Voice Kids, escalada para o novo elenco do The Voice para adultos, ela abusou dos samplers para mostrar as músicas novas, já que das 13 faixas de Purakê, 11 delas são parcerias. Em momentos variados do show, as vozes de Alcione, Elza Soares, Jaloo, Luedji Luna, Liniker, Urias e Ney Matogrosso fizeram duetos com Gaby, levando o público à loucura.

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(Muriel Xavier/Divulgação)

“Lugares regionais precisam de música e cultura, nos recebem com tanto carinho. Para nós, também é uma troca, um intercâmbio cultural. Trazemos um pouco do Norte e levamos um pouco de Bonito, das belezas, da cultura, da comida, vê como as pessoas reagem às nossa batida”, ela contou após o show.

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Ela ainda tocou sucessos como “Ex Mai Love”, covers de Zé Ramalho, “Toxic”, de Britney Spears, “Piranha”, e “Treme”, canção paraense gravada entre as melhores já feitas no Brasil por Dona Onete.

Sobre sua trajetória, ela afirma enxergá-la como uma construção. “Nós temos essa distância, o Norte ainda precisa de visibilidade, então busco sempre crescer. Mas sempre volto lá, dou três voltinhas no meu quintal, bebo na fonte e volto para o mundo. Estou muito feliz de ver essa expansão, o Brasil conhecendo essa cultura que não é só do Pará, mas da Amazônia. É a música nortista se fortalecendo.”

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Compartilhando um pouco da longa estrada de Gaby Amarantos, lembro a ela que nos conhecemos quando ela se apresentou e eu visitei o Festival Se Rasgum, em Belém, no ano de 2008. Brinco que naquela época chamávamos o som dela de tecnobrega, e hoje, de pop. “Digo com muita segurança que o tecnobrega foi o primeiro estilo de música pop brasileira a expandir e abrir o caminho para tudo que é pop brasileiro, como o funk, o brega funk, o rap, o trap. Acho que o tecnobrega tem um papel essencial. Vemos a Anitta gravando um clipe no Ver-o-peso, a Pabllo com um disco cheio de referências, e ficamos muito felizes.”

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(Muriel Xavier/Divulgação)

Os shows da turnê Purakê prometem ser um grande sucesso por onde passar. A cantora fez nada menos do que cinco trocas de roupa no palco, acompanhou seus quatro bailarinos nas danças e não perdeu o vozeirão. Ela ainda voltou para o bis, repetindo “Ex Mai Love” em versão acapella.

Um fato curioso: mais ou menos na metade da apresentação, o público já mais soltinho pelos ritmos quentes da Amazônia puxou um coro espontâneo de “Ei, Bolsonaro, vai tomar no cu!”. Absolutamente do nada! Gaby estava se arrumando entre uma música e outra quando aconteceu. Na entrevista que nos concedeu logo depois do show, ela riu e disse que conseguiu ouvir lá de cima: “Isso acontece sempre, o povo tem que se expressar. E a gente deixa o povo falar!”

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(Marithê do Céu/Divulgação)

Vermelho paixão

No sábado, além das boas atrações no Balneário Municipal, a Companhia Miragem apresentou seu espetáculo poético “Mirage”, e o Coletivo Bixa Pare realizou seu “Sarau Bixaria Literária”, ambos na Praça da Liberdade. A noite mais quente de todo o festival já fervia antes mesmo de Vanessa da Mata entrar no palco em um exuberante vestido vermelho.

Na performance de abertura, a cantora foi posicionada por seu assistente no centro do palco com a cabeça coberta por um lenço vermelho da mesma cor do vestido, onde ela ficou parada enquanto seus músicos afinavam o tom. Com um agudo destruidor, ela puxou a letra de “Tenha dó de mim”. Então, a cantora repetiu boa parte do repertório do show Nossos Beijos Ao Vivo no Circo Voador, lançado há pouco mais de um ano, e cantou “Quando Deixamos Nossos Beijos Na Esquina”, “Dance um Reggae Comigo”, covers de “Leãozinho”, de Caetano Veloso e “Céu Azul”, de Charlie Brown Jr., “Boa Sorte/Good Luck”, encerrando com o banho de chuva de “Ai Ai Ai”.

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O público acompanhou Vanessa cantando durante as duas horas de apresentação, e dava para ouvir que o coro que tomou o Palco das Águas era principalmente feminino. Em determinado momento, a cantora pegou o microfone e disse: “Independente de quem for eleito, o importante é que o Brasil aprenda a cuidar de suas mulheres”, e seguiu fazendo um discurso potente contra a violência e desigualdade de gênero, misoginia e desrespeitos. E o Bolsonaro, é claro, tomou de novo [risos]. A plateia respondeu em peso com o “L”, mas um otário bem na minha frente teve a coragem de mostrar o dedo do meio para a cantora. Tudo bem, é do jogo.

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(Marithê do Céu/Divulgação)
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Não sei, só sei que foi assim

No domingo o tempo virou, o calor foi embora e um vento forte fez Bonito sair de roupas quentes logo no cair da tarde. O Palco da Liberdade estava de casa cheia para a apresentação do “Auto da Compadecida” pelo Grupo Maria Cutia, com uma proporção enorme de crianças na plateia que aguardavam junto dos familiares e amigos a entrada do coletivo mineiro.

Os atores entram em cena diante de um lindo cenário barroco, instrumentos musicais em mão e rostos pintados de palhaço, e tocam “Bloco na Rua”, de Sergio Sampaio, depois se apresentam, e iniciam a peça.

Absolutamente essencial em nossa literatura, “Auto da Compadecida” é uma peça de cordel que narra uma história de ganância que envolve João Grilo, Chicó, padres, cangaceiros, o padeiro e sua mulher, Jesus, Maria, o Diabo, cachorros e toda a sorte de oportunistas cheios de jeitinho brasileiro, prontos para ganhar um trocado em troca de bênçãos, favores escusos e intrigas, um retrato do nosso Brasil.

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Bastante competente e muito divertido, o Grupo Maria Cutia fez uma apresentação catártica, de encher os olhos de lágrimas que vêm acompanhadas das gargalhadas e também de emoção de assistir artistas tão profissionais se apresentando ali na rua, entregando seu melhor declamando o texto perfeito de Ariano Suassuna durante o pôr do sol.

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(Marithê do Céu/Divulgação)

Durante a peça, eles ainda cantaram paródias de “Carcará”, “Tropicália”, “Alegria, Alegria”. Ainda fizeram troça com figuras como Sergio Moro e Deltan Dalagnon quando mencionaram o infame power point que incriminou Lula, pediram “Ele Não”, tiraram sarro da Tchuchuca do Centrão e da família tradicional brasileira. No final, declararam que, “como uma boa companhia tradicional de teatro”, passariam o chapéu pela audiência. O saldo pareceu bom!

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(Muriel Xavier/Divulgação)

Mais quarentões para fechar

Os roqueiros que saíram de jaqueta de couro para assistir o show da banda paulistana Ira! foram quem se deram melhor na última apresentação do Festival de Inverno de Bonito. A banda também está completando quarenta anos de carreira com muito mais uísque e cigarros do que procedimentos estéticos Nasi, Edgar Scandurra, Johnny Boy Chaves e Evaristo Pádua em ótima forma, cheios de energia e alto astral.

O show teve clássicos como “Dias de Luta”, “Vida Passageira”, “O Girassol”, “O Telefone” e “Entre Seus Rins”. O grupo também tocou uma música insossa do seu disco mais recente, “IRA”, lançado em 2020 e arrasado para o ostracismo pela pandemia, mas, afinal de contas, who cares? A banda é maneira pra caramba, e ver o Scandurra tirar solos animais naquelas guitarras Vox e Rickenbacker traz uma nostalgia de rock bom, feito por uma galera que não se tornou abilolada da cabeça aos sessenta anos de idade, diferente de Roger Moreira, Lobão e outros tiozões reaças dos 80’s Brasil.

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(Marithê do Céu/Divulgação)

A vigésima primeira edição do Festival de Inverno terminou deixando um gostinho de quero mais no ar, mas o público sul matogrossense pode ficar tranquilo que em 40 dias acontece a segunda edição do Campão Cultural, em Campo Grande. Durante sete dias, a cidade será tomada por apresentações culturais em um formato similar ao de Bonito, com uma forte ocupação da área urbana da capital. Até o momento estão confirmadas as apresentações de BaianaSystem, Olodum, Mv Bill, Roberta Miranda, e uma grande artista do funk a ser anunciada em breve. Já sabemos quem é, mas não vamos dar o spoiler Bonito pra caramba.

A Elástica viajou a convite da Secretaria de Cultura e Cidadania do Estado do Mato Grosso do Sul

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