fome voltou às principais manchetes neste ano. O maior agravante foi, sem dúvida, a pandemia. O estrago que a covid-19 vem fazendo na população carente, com impacto nas necessidades mais básicas, soou o alarme para uma situação que ainda se perpetuará por muitos anos no Brasil.
A iminente reinclusão do país ao Mapa da Fome pela Organização das Nações Unidas (ONU) – ou seja, mais de 5% da população retornou à extrema pobreza, a primeira vez desde 2014 – e o recente desmonte de políticas públicas a favor da soberania alimentar, como a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e ameaças ao Guia Alimentar Para a População Brasileira pelo Governo Federal, reforçaram a urgência de resposta da sociedade.
“A falta de empenho de governos em trazer soluções rápidas fez a com que as ações solidárias por parte da sociedade civil virassem protagonistas neste cenário desolador”, diz Simone Gomes, cozinheira e uma das lideranças do coletivo Banquetaço. O grupo, que desde 2017 atua para fortalecer a defesa do direito humano à alimentação adequada e saudável, reuniu forças com outras organizações para lançar a campanha “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”.
“A falta de empenho de governos em trazer soluções rápidas fez a com que as ações solidárias por parte da sociedade civil virassem protagonistas neste cenário desolador”
Simone Gomes, coletivo Banquetaço
Durante os dias 12 a 16 de outubro, na Semana Mundial da Alimentação, a campanha realizou uma série de painéis on-line sobre o tema (todos disponíveis no YouTube), com participação de pesquisadores, nutricionistas e especialistas em alimentação, como apresentadora Bela Gil. E, nos dias 17 e 18, finalizou com uma versão do Banquetaço adaptado à pandemia: um Marmitaço, no qual diversos coletivos, que já atuam na distribuição de refeições gratuitas, aderiram à campanha. Muitos ainda receberam apoio de cozinheiros de renome, como Helena Rizzo, Bel Coelho, Checho Gonzales e Paola Carosella, para a preparação das marmitas.
No “Gente é pra brilhar”, com a “benção” de Caetano Veloso (autor da música que inspirou o nome), a adesão tomou um corpo inesperado pelos organizadores. Na lista dos apoiadores entraram 100 coletivos, incluindo a sociedade civil e ONGs, como Greenpeace Brasil, Slow Food Brasil e Gastromotiva. E recebeu um grande volume de doações, a maioria de agricultura familiar, como arroz orgânico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e legumes e verduras da Rama (Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras). Ao total, foram realizados 76 pontos de Marmitaço em várias cidades do país, com entrega de mais de 27 mil refeições e de 5 toneladas de alimentos às comunidades carentes no fim de semana.
“Foi uma campanha com pouco tempo e tivemos muito resultado. Fizemos um mapeamento pelos coletivos que conhecíamos e fizemos um formulário no nosso site para saber as necessidades dos territórios e equilibramos as doações. Ainda não conseguimos mapear tudo. A ideia do Marmitaço não é inventar a roda, mas fazer a roda girar”, explica Simone.
A atuação do coletivo Banquetaço já tem um histórico importante de luta contra ameaças à segurança alimentar. A que mais repercutiu foi em 2017, na capital paulista, quando reuniu dezenas de chefs de cozinha para preparar, em frente ao Theatro Municipal, um verdadeiro banquete aos moradores de rua, preparado com ingredientes orgânicos da agricultura familiar. O protesto era contra a “farinata” – complemento alimentar, chamado por muitos de ração, que seria colocado na merenda escolar, segundo proposta do então prefeito João Dória. No mesmo dia da manifestação, Dória recuou da decisão.
Agora, com o “Gente é pra brilhar”, a ideia não é parar por aí. É o início de uma grande mobilização que pretende se firmar como uma campanha permanente de combate à fome. “Queremos também construir novas políticas públicas e lutar para manter as políticas já instauradas”, revela Simone.
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