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Juma Xipaia e luta pelos direitos dos indígenas impactados por Belo Monte

Estudante de medicina e primeira cacica de seu povo, ela despertou a ira dos grileiros

por Eduardo Ribeiro Atualizado em 12 jul 2021, 13h29 - Publicado em 11 jul 2021 22h12
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(Clube Lambada/Ilustração)

o estado do Pará, um dos mais violentos da Amazônia brasileira, com o triplo da média nacional de suicídio entre jovens, campeão em desmatamento por 15 anos consecutivos e foco dos incêndios que devastaram a floresta em 2019, uma jovem liderança indígena inspira a resistência contra os interesses que devastam o meio ambiente e a dignidade de seu povo. Falo de Juma Xipaia, descendente dos Xipayas, natural da aldeia Tukamã, em Altamira. Ela é mãe, ativista, ambientalista e defensora dos direitos humanos e da floresta amazônica. Aos 24 anos, em 2015, foi condecorada a primeira cacica da história dos Xipayas. Como líder de seu povo, ela vem, desde então, revigorando um levante contra os nocivos trâmites no processo de construção da Usina de Belo Monte.

Em 2017, após descobrir um esquema de corrupção envolvendo empresas de assistência a indígenas, viveu o terror diário das ameaças de morte. Num período de seis meses, ela sofreu cinco atentados. Com o segundo filho de três meses no colo, precisou se refugiar em uma casa na cidade por cerca de um mês. Não saía para nada, enquanto sua irmã encarregava-se de levar mantimentos. Juma denunciou sua situação às Nações Unidas, e lhe foi oferecido exílio na Suíça. Guerreira e comprometida com a causa, no entanto, decidiu ficar. E lutar. Hoje, ela cursa medicina na Universidade Federal do Pará, onde homens armados chegaram a ir em seu encalço por duas vezes.

Um dos momentos emblemáticos de sua jornada militante mais recente foi no encontro “Amazônia Centro do Mundo”, em Altamira, em novembro de 2019, quando um grupo de grileiros e seus apoiadores compareceram para desferir provocações durante a fala de Juma. Mas ela não se intimidou. Ao contrário, assumiu a voz e apontou o dedo diretamente para eles: “Se vocês dizem que a Amazônia é do Brasil, por que não lutam para defender a Amazônia? Você não sabe o que é perder um filho, não sabe o que é ter suas casas invadidas, não sabe como é ser expulso de sua terra.”

Juma pertence a um povo que sentiu o gosto amargo de ser considerado extinto e necessitou provar, sob falta de reconhecimento da própria Funai (Fundação Nacional do Índio), que tinha sobrevivido à tentativa de extermínio. Primeira indígena acadêmica e representante dos Xipayas a palestrar na ONU, ela atua como diretora da Associação dos Estudantes Indígenas na UFPA (APYEUFPA), conselheira do Movimento de Mulheres do Xingu, da Federação dos Povos Indígenas do Pará e do movimento Liberte o Futuro: Mudanças Climáticas.

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(Juma Xipaia/Divulgação)

Além disso, prepara-se para lançar o Instituto Juma, de apoio a mulheres indígenas e não indígenas no estado paraense, como disse em primeira mão à Elástica na entrevista a seguir.

Há quanto tempo você está na luta contra os danos ambientais e sociais de Belo Monte?
Olha, eu iniciei bem cedo, aos 13 anos. No começo, poucos sabiam o que era realmente essa hidrelétrica de Belo Monte. Hoje, muitos parentes continuam ainda sem saber, porque é um empreendimento muito grande. Por mais que a gente fale dos impactos, do que não está sendo cumprido com relação às condicionantes da hidrelétrica, principalmente voltadas para os povos indígenas, ainda tem muitas coisas que não se conhece no que diz respeito a esses impactos, que estão surgindo e que vão surgir com o passar do tempo. Por isso que sempre falamos que Belo Monte é um ato, um grande ato, um projeto criminoso, de violações de direitos.

Como é possível um projeto como Belo Monte, que tem mais de 30 anos, ainda ser algo tão obscuro?
No Médio Xingu, com os povos indígenas, tem pouco menos de dez anos que este projeto vem se tornando cada vez mais forte em sua implementação, essa parte de construção e tudo mais. Então, para nós, é muito recente. Não significa que, ao longo desses mais de 30 anos, a questão tenha sido discutida, apresentada, ou feita uma consulta aos povos indígenas. Quando deixou de ser Kararaô e foi chamado de Belo Monte, ninguém conhecia entre os povos indígenas. E continua sendo algo muito complicado de se compreender e de lidar, porque não só houve uma alteração no meio ambiente, mas também cultural, territorial. As múltiplas invasões, não só de território, mas no contexto cultural… Invasão e modificação da cultura dos povos. Além de impacto na saúde física, há muitos impactos, como o da saúde mental, que não são contabilizados, não são levados em conta como um dos efeitos sofridos pela população.

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Existem muitos impactos que não foram levados em consideração, entre os que estão surgindo, mas que são negligenciados e não são correlacionados a Belo Monte?
Sim, e isso é algo que nos assusta muito. Quando falo da modificação no aspecto cultural, e consequentemente na saúde mental dos povos, não somente indígenas, mas da população daqui em Altamira de forma geral, em todos esses anos, as muitas concentrações na cidade, com os caciques, as lideranças, levam as pessoas a passar cada vez menos tempo dentro de suas comunidades, ficam mais ausentes da cultura, da família. Isso tem um agravamento muito sério, muitas comunidades pararam de produzir seu cultivo tradicional, passando a receber toneladas de comidas industrializadas. Tudo isso foi algo muito novo, e também uma forma de enganar o povo, com essas migalhas oferecidas, mas que estavam sendo cobradas e contabilizadas no valor de Belo Monte. E que, claro, acarretaram muitas consequências. Hoje, temos um índice altíssimo de todos os tipos de doenças, diabetes, câncer, colesterol, obesidade, hipertensão, dentro das comunidades. Coisa que, antigamente, a gente ou não tinha ou, se tinha, não era um número tão crescente quanto agora.

Por que as condicionantes da saúde e educação foram cortadas em cerca de 90% do Plano Básico Ambiental (PBA)?
Eles justificaram que isso era políticas públicas e não obrigação da executora. Tudo isso repercutiu, claro, de forma negativa na saúde. E quando a gente tem esse aumento de doenças dentro das comunidades, surge a dificuldade de prover uma maior assistência básica. Em muitas comunidades, ainda sequer foram construídas Unidades Básicas de Saúde (UBS), que era uma das obrigações da Norte Energia S.A., que constava nas condicionantes. E aquelas que foram construídas não têm manutenção e nem funcionamento. Então, está aí, um monte de “elefantes brancos” dentro das aldeias, com a superlotação de parentes doentes na cidade, porque faltam técnicos de enfermagem, material de EPI (Equipamento de Proteção Individual), medicação… Esse impacto na saúde não foi só nos territórios indígenas. Na cidade mesmo, fecharam hospitais, UBSs… aumentou o número de pessoas no município e reduziu o atendimento. O colapso de Altamira já é de bem antes da pandemia, com esse número exorbitante de pessoas que chegaram da noite para o dia.


“Muitas comunidades pararam de produzir seu cultivo tradicional, passando a receber toneladas de comidas industrializadas. Tudo isso foi algo muito novo, e também uma forma de enganar o povo, com essas migalhas oferecidas, mas que estavam sendo cobradas e contabilizadas no valor de Belo Monte”

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(Juma Xipaia/Divulgação)

Reduziu o consumo do peixe por causa de garimpos, fazendas, próximos às terras indígenas?
Quando chove, todo aquele veneno, o agrotóxico que é jogado, vai para o rio. Temos, por isso, uma mortandade de peixes e animais. A gente fica com medo de consumir peixe e, até mesmo, a água do rio. Todos esses impactos foram ocasionados e incentivados por diversos fatores, inclusive pela circulação de buscar emprego em Altamira, por causa de Belo Monte, numa expectativa frustrada, porque não se encontra emprego em massa. As pessoas vão buscando alternativas para sobreviver, vão invadindo, vão garimpar, caçar ou pescar ilegalmente. Tem todos esses outros tipos de práticas criminosas que foram resultado de Belo Monte. Já acontecia, só que aumentou muito, e isto, de certa forma, modifica o nosso modo de vida, nossa cultura e tudo mais. A geração atual não toma mais banho de rio e come menos peixe por causa do mercúrio, dos agrotóxicos, a gente fica, até mesmo dentro do território, refém.

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(Juma Xipaia/Divulgação)

Como é a atuação da Funai e órgãos indigenistas no acompanhamento a essas ações?
Antigamente, eu só tinha me dado conta do lado da corrupção e cooptação das lideranças por meio de empresas, políticos, e tudo mais. Mas tem um fator anterior a isto, que é a ausência, principalmente da Funai e de órgãos indigenistas, que você cita.

No processo de Belo Monte, nunca houve a consulta prévia aos povos indígenas do Médio Xingu?
Em momento algum os indígenas da região foram consultados. Houve conversas isoladas, pontuais, tanto que eles não consideravam que todos os povos do Médio Xingu seriam impactados, mas somente aqueles que estavam abaixo do barramento. Aqueles acima não eram considerados, então foi uma luta muito grande por isso. Você percebe uma deficiência desses órgãos de fiscalização, que deveriam fazer o seu serviço, orientar os povos, porque o projeto de Belo Monte não é recente, já é de mais de 30 anos. E, ao longo desses anos, não foi feita a consulta, a orientação, e nem mesmo o acompanhamento. Já começou o processo com o consentimento da Funai em liberar, dar seu parecer favorável à construção. Mas o subsídio, o apoio aos povos indígenas sobre como dialogar, se prevenir, não existiu. Então chegam com cooptação, corrupção, dinheiro, mercadorias, equipamentos…

Repetindo o que fizeram no início da colonização, da invasão do Brasil…
Chegam com os brindes, os escambos, e usam da necessidade dos povos, não só indígenas, mas do contexto urbano também, vendendo uma ideia de desenvolvimento que não existe, de um dinheiro não existe, e criam essa ilusão de que algo dessa vez vai ser diferente, que algo será feito de bom. Este “algo que vai acontecer de bom” não é para os povos indígenas, nem para o meio ambiente, é um lucro para as corporações. Houve um desamparo total, e consequentemente tivemos um processo muito grande de corrupção das lideranças. Dentro das aldeias, isso se refletiu na divisão, nos conflitos internos, foi o famoso “dividir para conquistar”. Aqueles que não se calam, são ameaçados, perseguidos, sofrem tentativa de assassinato, é um processo muito desumano de silenciamento, quando a pessoa não se vende.

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Em sua opinião, como deve funcionar uma mobilização efetiva para combater isso?
Tem que ser algo de dentro para fora. Essa organização tem que partir da necessidade. Isso hoje eu entendo com maior clareza. Quando você tem uma ou duas pessoas que lutam, pensam diferente, que querem construir, dialogar, que não querem se corromper, 99% acham que essas pessoas estão loucas, que são contra o nosso desenvolvimento, o bem comum, acabam não entendendo. Quando começou todo esse processo de cooptação, muitos foram na inocência de acreditar que fosse dar certo. Outra coisa que se falava muito é: “Se vocês não aceitarem não vão ter saúde, educação, perderão qualquer tipo de apoio por parte da Funai.” Foi muita fake news na época.


“Chegam com os brindes, os escambos, e usam da necessidade dos povos, não só indígenas, mas do contexto urbano também, vendendo uma ideia de desenvolvimento que não existe, de um dinheiro não existe, e criam essa ilusão de que algo dessa vez vai ser diferente, que algo será feito de bom”

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(Juma Xipaia/Divulgação)

Pode-se dizer que houve toda uma sistemática de propagação e instauração do medo, para que as pessoas achassem que só haveria solução se Belo Monte fosse construída?
Sim, mas agora, depois de sete anos desde que começou a execução do PDA, que eles foram vendo que aquelas condicionantes, acordos, brigas, encaminhamentos, não estão sendo cumpridos, e que tudo está se tornando cada vez mais burocrático, aí é que estão percebendo que, realmente, isso não é bom. Muitas lideranças estão começando a admitir que erraram, que foram enganadas. Portanto, estamos tendo esse efeito, muitos vêm acordando. Recentemente tivemos um encontro em uma aldeia, e foi a primeira reunião de caciques e lideranças no Médio Xingu, em todo esse período da chegada de Belo Monte. Erramos, e agora para a frente vamos estar unidos, independente de contrato de empresa, são os nossos direitos. Vem acontecendo um levante da juventude, um movimento das mulheres, que estão falando: “Não aguentamos mais sermos espancadas pelos maridos bêbados dentro das aldeias. Também fazemos parte do território, essa luta também é nossa, e sempre estivemos aqui.”

É verdade que, a princípio, você não queria participar desse encontro?
Quando recebi o convite, não queria ir, porque achei que ia só ter discussão de coisas empresariais, com aqueles homens que não me apoiaram, que tentaram me agredir, me assediaram, foram contra mim. Não queria ir, mas fui, apesar de tudo.

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Houve participação de outras mulheres no evento?
No primeiro dia, a maior parte das mulheres estava do lado de fora, pegando chuva e Sol. No segundo dia, chegou a minha tia, e já éramos duas mulheres. Já no final do encontro, algumas adolescentes chegaram para mim e falaram: “Juma, a gente quer ser que nem você. Queremos ser cacicas da nossa aldeia, aprender, mas temos medo e vergonha.” Então eu chamei minha tia, chamei elas, e as levei lá na frente. Aí pensei: “Poxa, temos mais mulheres aqui.” E fui chamando logo todas, pegando na mão e levando para o meio, dizendo: “Vamos ocupar esta casa, que também é nossa!”. Todos os homens se levantaram e começaram a aplaudir e manifestar apoio. Pela primeira vez, no Médio Xingu, houve uma quantidade expressiva de mulheres numa reunião de caciques e lideranças.

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(Juma Xipaia/Divulgação)

Além de você, lideranças como Sheila e Bel Juruna, anteriormente, são exemplos que sofreram com o silenciamento. Como anda essa questão?
A Sheila foi agredida dentro da própria comunidade, sofreu muito, e até hoje tem traumas. Não tínhamos apoio, e ainda não o temos da forma como necessitamos. Agora, estou criando um grupo de mulheres para fazer o acolhimento, com a Mayalú Txucarramãe, caiapó, filha do cacique Megaron Txucarramãe, e outras, de diversas regiões. É um grupo nacional de articulação, para pedir apoio às outras mulheres, como a Sônia Guajajara, um chamado de “Nos ajudem!”. Estamos cansadas, aqui lutando no coração deste projeto destruidor que é Belo Monte. Tem mulheres que querem estar juntas na luta, mas sentem medo, por isso necessitamos de suporte. Não é fácil essa luta. Por muitos anos, me senti sozinha, assim como a Sheila, a Bel e outras. Hoje, estamos num levante, nesse chamado, em busca de nos fortalecer, as mulheres se encontrando e dando as mãos. O momento é muito novo e acredito muito. É um lado positivo, apesar de tudo o que já passamos e da dificuldade dos últimos acontecimentos, tanto pelo contexto de pandemia como pelo processo de silenciamento e morte, que só se intensificou. Ainda mais com o incentivo governamental contra as terras e os povos. Agora, vejo com uma nova perspectiva, me sinto super renovada, firme e confiante, porque é a voz das mulheres dizendo: “Chega!”.


“Estamos cansadas, aqui lutando no coração deste projeto destruidor que é Belo Monte. Tem mulheres que querem estar juntas na luta, mas sentem medo, por isso necessitamos de suporte. Não é fácil essa luta”

Você costuma receber orientação de guias espirituais?
Uma das primeiras orientações e apoio que tive foi espiritual. Era uma força que me guiava desde criança, em sonhos. Acredito que já nasci com essa missão, apesar de não entender muito bem no início. Mas esse tipo de coisa, por exemplo, quando as mulheres não podiam falar, eram espancadas, agredidas quando queriam defender os seus direitos, ter direito a voz, opinar dentro da comunidade… isso já me indignava. Eu já era diferente, foi algo natural. Na verdade, eu nunca quis ser cacica, não foi algo pelo que busquei. Mas conforme vi as necessidades, as coisas erradas, fui tendo a coragem e a força, muito espiritual, e vendo os exemplos: a minha avó foi muito guerreira, sempre batalhou, criou todos dela ali, sempre do lado; a minha mãe, minhas tias, são minhas maiores referências. As mulheres do meu povo foram e são os meus maiores exemplos de luta, coragem, firmeza e determinação. Cresci vendo todas as dificuldades que meu povo e as mulheres passavam, o processo de violência, de negação de direitos. E, também, a gente trabalhava de igual para igual com os homens. Cresci assim. A gente capinava, roçava, ia para o mato, plantava, colhia, cuidava de casa. Era sempre um trabalho muito coletivo. O mutirão de limpeza da aldeia era feito por todos, homens, mulheres, crianças, idosos. Essa força coletiva, a união, e todas as dificuldades que passamos, não só pela demarcação do território, mas para sermos reconhecidos enquanto povos indígenas. Porque a própria Funai dizia que não éramos povos indígenas pelo fato de considerar o povo Xipaya extinto.

Vocês foram expulsos da Casa do Índio?
Nesse dia, eu lembro da minha mãe grávida, a gente no porto de Altamira, com os pertences, sem saber para onde ir, porque a Funai não nos permitiu o acolhimento, alegando que “Xipaya não é índio”. Meu povo foi muito guerreiro, passamos por muitas dificuldades em vários locais, outras aldeias também. Não foi, portanto, só a força das mulheres que me inspirou, foi todo esse histórico de luta e resistência do meu povo como um todo. Não poderia ser diferente.

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Juma Xipaia, ativista indígena

Logo, você estará formada em medicina. Sempre gostou de estudar?
Sempre gostei, fiz não sei quantos anos a terceira série do ensino fundamental, porque era só o que tinha dentro da minha aldeia [risos]. Quando decidi estudar na cidade, vi que poderia ajudar. Que havia muito mais coisas que poderiam ser feitas. Nunca me senti longe da minha comunidade, como se tivesse abandonado, pelo contrário: tudo o que fiz, e faço, nessa vida, é pensando no meu povo, nos povos indígenas.

Você já teve oportunidade de morar fora do Brasil, de viver em outras condições, mas preferiu ficar aqui…
Já tentei, no passado, fazer outra coisa da vida por questão de sobrevivência, de segurança, de raiva, indignação… mas eu sofria muito mais. Essa é a minha vida, é isso o que eu amo. E não ganho um centavo para fazer o que faço, porque essa é a missão que recebi, ela é minha, e vou cumprir. Nós não estamos sozinhos. Se eu estivesse sozinha, já teria ido há muito tempo, não estaria aqui. É muita força espiritual, dos ancestrais. O meu sobrinho, que nasceu recentemente, é por ele essa luta, é por essas crianças, por uma geração melhor. Não quero que meus filhos, sobrinhos, que outros povos, a juventude atual e futura, passem pelas condições que eu passei, e que nossos antepassados passaram. Eles lutaram para que tivéssemos demarcado, conquistado direitos dentro das universidades, acesso à saúde e tudo mais. Sigo para levar a luta adiante, deixar algo para os que ficam e os que virão.

Não quero só pensar e falar de problemas, quero ajudar outras pessoas a encontrarem uma solução, dar apoio, mesmo estudando, na correria e tudo mais, estou de corpo e alma contribuindo, de acordo com os meus conhecimentos e experiências. Incentivando essa galera que, tão jovem, já está cansada, colocando para cima, dizendo que vale a pena, sim. É pegar na mão, agora, com as mulheres, os caciques e lideranças mesmo, apesar de todo o sofrimento, aborrecimento e indignação que tive no passado com eles, por terem me agredido e assediado… Na época, não apoiaram, mas hoje é outra situação, olho, e vejo que eles foram tão vítimas quanto eu. Então a gente tem mais é que estar junto e somar força.

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Quais serão os próximos passos desse novo momento?
Criei, recentemente, um instituto, o Instituto Juma. Foi uma das formas de fazer a minha luta de modo independente, sem ser obrigada a me aliar com lideranças que não concordam com o que estou fazendo. Isso não significa que vou desistir. Hoje tenho um nome, tenho trabalho e conhecimento, e vou usar minha imagem e nome em benefício dos povos, para os povos, apoiar a juventude, as mulheres, caciques e lideranças, buscar ferramentas, dar esse apoio e formação que ninguém está dando. Sigo buscando soluções, não podemos ficar esperando que um dia sejam cumpridas aquelas condicionantes, que podem nunca serem cumpridas. Vou buscando outros meios de levar novas expectativas, construir redes com outros povos. Quero criar essa inspiração, esse sonho, para que a gente não deixe de sonhar.

O Instituto Juma é constituído por mulheres indígenas?
E não indígenas também, com base em saúde e educação. É uma forma de eu retribuir para as comunidades, e não somente à minha e ao meu povo, o conhecimento que estou adquirindo aqui fora, e me juntar com outros profissionais para ajudar. Utilizar os conhecimentos tradicionais e científicos em prol das comunidades.

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Esse projeto ainda está sendo construído?
Isso, ainda estou construindo essa base, buscando apoio, criando o site. Por enquanto, não ando divulgando, porque não é fácil construir do nada, sem recursos, mas tem fluido super bem, me sinto muito feliz. Na hora certa, todo mundo vai conhecer.

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