eslizar com facilidade por entre rios e florestas, tendo a mata como lar. Não ver diferença em grau de importância entre gente e borboleta, preguiça, onça, sumaúmas, castanheiras ou pequizeiros. “Longe da floresta a gente não existe. A relação do indígena com a terra vem de nossos antepassados. Onde nossos antepassados estão enterrados é a nossa conexão com a terra. A partir do momento que o indígena têm o seu ancestral, o seu ente querido naquele lugar, é a história dele que está ali. As suas raízes. Por isso a terra é nossa família, nossa parente. Então, a relação que nós povos indígenas temos com a terra, com a natureza, é muito forte. Sabemos que tudo se transforma, o nosso corpo se transforma em terra e, por conseguinte, se transforma na nos elementos da natureza”.
Quem conta é Mayalu Waurá Txucarramãe, jovem liderança indígena que nasceu predestinada a ser a voz de seu povo. “Eu sou de dois povos indígenas: Kayapó, que vive na Terra Indígena Capoto Jarina, e Waurá, que vive na Terra Indígena Xingu. Meu avô materno foi cacique do povo Waurá. Na parte Kayapó, sou sobrinha-neta do cacique Raoni. Meu avô, pai do meu pai, é irmão do Raoni. Nos nossos costumes, filhos do nosso irmão são também nossos filhos. Quando meu avô faleceu, Raoni deu continuidade aos cuidados e à educação do meu pai. Então, dos dois povos eu carrego essa herança de liderança ancestral e por isso, por ter essa genética, sigo essa missão de defender o povo, de defender o direito dos indígenas”, explica ela.
Para Mayalu, Raoni é o avô que conta histórias, que eterniza e distribui conhecimentos. Para o mundo, é o símbolo da resistência indígena. Um homem que dedica a vida à defesa da Amazônia e dos povos da floresta. Apoiando seu legado em cada passo, ela marchou ao lado do ancião Brasil afora. Ajudou a criar o movimento dos Jovens Mebengokrê, com guerreiros Kayapó, Juruna e Tapayuna, para amparar Raoni na Rio+20 e manter vivas as tradições de cada cultura. Mobiliza vozes na internet contra o Marco Temporal, uma ação no Supremo Tribunal Federal que defende que os povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988, data de nascimento da Constituição. Na convivência com Raoni aprendeu lições que livro nenhum ensina. “O que mais admiro nele, e que eu estou trabalhando em mim, é o amor às pessoas. É a paciência, o respeito pelo outro, pela sua história. Muitas vezes a gente não tem paciência com outro e meu avô tem total paciência. Ele cultiva esse amor à humanidade. E é esse exemplo que vou levar comigo, esse trabalho de unificar os povos, independente da diversidade, dos diferentes costumes que nós temos. Essa unificação da vida que ele mostra ser possível vai ser carregada por mim com certeza e será transmitida para meus filhos e para as próximas gerações, porque isso é lindo. Quem mais tem esse ato de amor? Quem mais tem amor transbordando? A gente fica tentando apontar o dedo para o outro, mas ele não. Mesmo com esses ataques e ofensas que o governo faz, ele prefere ignorar essas falácias. Ele prefere manter-se sempre forte para defender o povo, para defender o meio ambiente. É essa a lição que eu tenho aprendido com ele”, revela a neta.
“O que mais admiro nele, e que eu estou trabalhando em mim, é o amor às pessoas. É a paciência, o respeito pelo outro, pela sua história. Muitas vezes a gente não tem paciência com outro e meu avô tem total paciência. Ele cultiva esse amor à humanidade”
Ser uma ponte entre os indígenas e a sociedade não-indígena é o que seu avô quer para ela. Por isso, Mayalu fez faculdade de geografia, tornou-se secretária-executiva do Conselho Distrital de Saúde Indígena Kayapó, em Mato Grosso. E, para mapear a própria história, fez-se militante da causa indígena. “Se um indígena está ameaçado, se está sofrendo, nós todos sofremos. Essa ligação, essa irmandade, nós temos uns com os outros. É que me faz levantar todos os dias para poder lutar, para brigar pelos direitos dos povos indígenas”.