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Raphael Vicente, a melhor pessoa da internet

O influenciador e criador de conteúdo usa humor e criatividade para mostrar que tem orgulho de suas origens, de sua família e faz o que ama para viver

por Beatriz Lourenço Atualizado em 17 nov 2021, 12h20 - Publicado em 4 nov 2021 01h05
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(Clube Lambada/Ilustração)

Crepúsculo como você nunca viu” é o meu vídeo favorito do mais novo queridinho da internet: Raphael Vicente. Nele, o jovem de 21 anos e sua família recriam cenas icônicas dos filmes que ganharam os corações dos jovens em 2008 – porém, com muito humor e um toque de brasilidade. Mas talvez você o conheça por conta do vídeo incentivando a vacinação no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, roteirizado e comandando por ele. Deu pra ouvir o barulho do tabu quebrando?

Raphael viralizou na internet com esquetes curtas, edição simples e, sobretudo, por incluir um elenco de peso: a avó Maria Antonia da Silva, a madrinha Luciene Elias, a irmã Maria Eduarda, o afilhado William, a filha da madrinha Laudiceia Elias e até o cachorro Scott. “É incrível que tudo o que eu sugiro para eles fazerem, eles topam. Se eu falar ‘põe a mão no chão e começa a rebolar com a bunda pro alto’, eles vão gostar e não questionar nada”, conta Vicente.

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(Raphael Vicente/Divulgação)

Quem pensa que o artista começou no TikTok, no entanto, está enganado. Ele já vinha criando conteúdo desde 2014, com a rede social Vine, que já não existe mais. Seu primeiro vídeo, aos 14 anos, foi ironizando a volta às aulas. “Quando eu postei, o pessoal aqui da minha área deu total apoio e pediu mais, aí continuei fazendo”, diz. De lá pra cá, ele já foi youtuber, fotógrafo e, em 2019, criou um grupo de dança chamado Dance Maré. No entanto, foi o TikTok que deu visibilidade aos seus roteiros – uma diversão que agora virou trabalho, já que, só nesta rede, ele soma mais de 2 milhões de seguidores e 27 milhões de curtidas.

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“É incrível que tudo o que eu sugiro para eles fazerem, eles topam. Se eu falar ‘põe a mão no chão e começa a rebolar com a bunda pro alto’, eles vão gostar e não questionar nada”

Criado em Nova Holanda, comunidade do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, Raphael sente que um de seus propósitos é colocar a favela no mapa dos brasileiros e mostrar outra realidade da periferia: um lugar cheio de companheirismo, alegria, amizade e, principalmente, de apoio. Em uma entrevista cheia de risadas e bom humor, ele fala sobre esses e outros assuntos.

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(Raphael Vicente/Divulgação)

Como você teve a ideia de incluir a sua família nos vídeos e como é gravar com eles?
Eu já gravava com a minha avó, minha irmã e o William desde o Vine, então eles já estavam acostumados. Depois, entrou a minha dinda Lau, a dinda Luciene e o meu cachorro Scott. Mas é incrível que tudo o que eu falo para eles fazerem, eles topam. Se eu falar ‘põe a mão no chão e começa a rebolar com a bunda pro alto’, eles vão gostar e não questionar nada.

Esse processo não foi muito difícil, não. Mas hoje dá para ver uma diferença na forma como eles atuam. Na maioria das vezes, não precisamos nem repetir a cena porque eles já estão muito acostumados. O que eu percebo é que eles se colocam muito nas gravações. Um exemplo é a minha dinda Luciene, que é uma personagem que todo mundo gosta porque é muito chacota. Ela é isso pessoalmente e acaba passando a essência para as câmeras. 

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De onde surgem as ideias para os vídeos? E como é o seu processo criativo?
Tento sempre me inspirar em situações daqui de casa. Acho que é por isso que o pessoal gosta – eles se identificam porque são situações que toda a família brasileira passa. Também vejo muitos filmes e séries que me dão inspiração, eu posso assistir a uma cena divertida de Harry Potter e querer regravar com a minha família. E isso não tem a ver só com o conteúdo, mas também com os ângulos de câmera, os cortes de cena. Hoje em dia, tenho minha equipe da Play9 que oferece suporte com tudo isso, mas ainda gosto de pôr a mão na massa. O roteiro, por exemplo, ainda é parte do meu processo criativo. Mesmo se for um vídeo de 15 segundos, eu preciso desenvolvê-lo para não ficar uma bagunça. Escrevo quem vai falar o quê, como serão as cenas e deixo tudo bonitinho. Aí sou eu quem gravo, menos quando estou em cena, que é quando a minha irmã e outra amiga cumprem esse papel. 

Você entrou para o casting da Play9, estúdio de conteúdo do Felipe Neto e do João Pedro Paes Leme, empresário e empreendedor digital. Como foi isso e como ficou essa questão financeira para a família? Você divide os R$ 50 mil entre todos?
Então, agora são R$ 60 mil (risos) …. Vou te falar que eu não tinha noção de nada disso, sobre o quanto eu precisava cobrar em publicidade ou como os clientes chegam. Sabia um pouco porque, alguns meses antes, já estava fazendo publi, mas, como administrava isso sozinho, acabava dando os meus valores e só eu mantinha esse contato. Fui ter uma ideia melhor de como isso funcionava depois que essa parceria começou. Sobre a parte financeira, posso falar que minha vida mudou completamente, né? Eu já estava desempregado há três anos e o emprego que eu tinha antes era um estágio em um banco, onde eu ganhava quase nada. Sempre tive o sonho de ajudar a minha família, mas até agora não tinha conseguido porque o dinheiro que eu ganhava não dava nem pra mim. Fico muito feliz todos os dias em saber que consigo ganhar um retorno e ter uma renda com algo que gosto muito de fazer. Digo até que estou realizado porque, além de me sustentar, ajudo eles também. A minha vida deu uma grande virada e agora até consegui comprar a minha casa. O homem aqui tá o luxo.

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(Raphael Vicente/Divulgação)

“Fico muito feliz todos os dias em saber que consigo ganhar um retorno e ter uma renda com algo que gosto muito de fazer. Digo até que estou realizado porque, além de me sustentar, ajudo eles também. A minha vida deu uma grande virada e agora até consegui comprar a minha casa. O homem aqui tá o luxo”

Você acredita que sua voz trouxe mais visibilidade para a Maré?
Acho que sim. Percebi que esse impacto ficou muito grande com o vídeo que fiz para divulgar a vacinação em massa que teria aqui. Conversando com as ONGs que estavam planejando, consegui mudar um pouco o caminho do que ia ser feito e colocar uma linguagem que abrangesse todo mundo, não só a Maré. Esse foi um vídeo que viralizou muito e as pessoas reconheceram onde foi feito.

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Também percebo essa visibilidade conforme vou publicando o conteúdo. Esses dias, recebi uma mensagem que me deixou muito feliz: uma pessoa me agradeceu por eu ter colocado a Maré no mapa dela. Ela passou a conhecer o lugar apenas porque era um seguidor meu. Eu sei que quem não mora aqui não conhece a nossa realidade, só sabe as coisas ruins que acabam se destacando na mídia. A minha meta é mudar essa crença e mostrar o outro lado da favela, um lado que tem companheirismo, alegria e o orgulho que os moradores têm de viver aqui. 

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(Raphael Vicente/Divulgação)

“Minha meta é mudar essa crença e mostrar o outro lado da favela, um lado que tem companheirismo, alegria e o orgulho que os moradores têm de viver aqui” 

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Pegando esse gancho do que você falou agora e do vídeo que você publicou para apoiar a vacinação, queria que você contasse um pouquinho mais sobre o que ele significou para você e para a sua carreira.
Esse virou um dos meus vídeos favoritos porque a vibe dele é muito boa. Quando o pessoal me chamou para fazer, já era algo que eu queria há tempos. Não esperava que ele fosse bombar, mas queria muito que desse certo por ser um conteúdo de incentivo à vacinação. Ele alcançou nichos diferentes que são fora do meu, tipo a própria prefeitura do Rio de Janeiro, que curtiu e compartilhou. Fiquei muito feliz com a proporção porque, durante todos esses meses de pandemia, não tivemos uma campanha de vacinação e de divulgação das medidas que fosse assim – mesmo sendo algo tão simples de ser feito. Por ser um vídeo de conscientização, as pessoas esperavam que fosse sério, mas a linguagem do dia a dia junto com o humor faz todos rirem e traz mais leveza. Além disso, ele não teve ajuda de nenhum órgão oficial do governo, apenas das ONGs daqui da Maré.

Você e sua família sempre comentam sobre política nas redes. Como você percebe essa interação?
Fiz até um stories sobre isso esses dias. Se você não se posicionar sobre o que está acontecendo, você está concordando. A política está no nosso cotidiano e estamos vivendo um momento em que esse assunto está sendo muito falado. Além do mais, vivemos uma pandemia que afetou milhões de pessoas e não houve nenhum cuidado do governo com a população. Acredito que é muito importante usar a nossa visibilidade para dizer que não concordamos. Se ficamos quietos diante desse tanto de pessoas que nos vêem, não estamos fazendo o certo em um momento tão delicado.

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(Raphael Vicente/Divulgação)

Além dos vídeos, você tem um grupo de dança, né?
O Dance Maré surgiu em 2019, época em que eu comecei a ter contato com a dança em casa. Fui inspirado pelos vídeos do grupo Now United e senti muita vontade de fazer as coreografias dos clipes. A partir daí, conversei com alguns amigos meus daqui que têm envolvimento com a dança e fizemos isso. No fim, gostamos tanto que acabamos criando o grupo. Hoje, somos 10 jovens, todos moradores da Maré. No vídeo da vacinação, a gente fecha com o Dance coreografando uma música criada para a campanha. Isso acabou até alavancando o grupo – tanto que depois fizemos um flash mob para a prefeitura. Nossa meta é igual o meu objetivo de vida: fazer com que as pessoas vejam a realidade dos moradores da Maré. A maioria acha que não podemos andar aqui dentro, quem vê de fora pensa que vivemos em um campo minado. Quero que, com a dança, as pessoas vejam a nossa felicidade. 

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Acho que a cultura deve ser mais valorizada, principalmente dentro das periferias. A sociedade precisa ver que, na favela, também criamos diversas coisas. Se eu sou esse Raphael Vicente de hoje é por causa da carga cultural que eu tive aqui dentro e das pessoas que sempre me ajudaram. Infelizmente, nosso governo não apoia isso, mas espero que tudo mude em breve. 

Outra novidade recente é a faculdade. Como é conciliar todas as atividades?Passei em dança na UFRJ logo antes da pandemia. No final do ano passado, as aulas voltaram com o EAD, mas eu já estava levando os vídeos mais a sério e decidi trancar o curso. Não foi uma decisão difícil, porque a faculdade eu sei que vou ter a vida toda para fazer e, nesse momento, sinto que preciso aproveitar o que estou vivendo com a criação de conteúdo. Mesmo assim, fiquei muito feliz porque fui a primeira pessoa da família a passar em uma universidade pública. Isso aconteceu graças a um pré-vestibular que fiz aqui – foi uma conquista para todos.

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(Raphael Vicente/Divulgação)

“Se você não se posicionar sobre o que está acontecendo, você está concordando. Acredito que é muito importante usar a nossa visibilidade para dizer que não concordamos. Se ficamos quietos diante desse tanto de pessoas que nos vêem, não estamos fazendo o certo em um momento tão delicado”

A gente vive esse momento em que se fala muito sobre violência de gênero, violência racial e socioeconômica. Como o seu conteúdo dialoga com isso?
Meus vídeos já passam uma imagem contrária ao conservadorismo. Uma coisa que acontece sempre é as pessoas acharem estranho eu não mostrar a figura do meu pai e da mãe, apesar deles existirem e eu conversar com eles direto. Ao mesmo tempo, muitos brasileiros não têm uma família formada por pai e mãe. Quando eu digo que não apoio esse governo, muitos se espantam. Mas eu não sei porque isso acontece. Sou gay, pobre, favelado e preto… Como é que as pessoas vão esperar que eu goste de um governo que quer acabar com quem é assim? O meu próprio sucesso é um espaço político porque quanto mais pessoas como nós ocuparem lugares assim, mais nós vamos mudar essa realidade.

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