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Transar não é prioridade para a genZ

A geração Z é a mais fluida que conhecemos em questão de gênero e sexualidade, mas quer, cada vez menos, sexo e casamento

por Uno Vulpo - @sentomesmo 19 ago 2021 23h46
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(Clube Lambada/Ilustração)

e você é um millennial, isso significa que você nasceu no meio da década de 80 ou início dos anos 90 e sua infância aconteceu antes dos anos 2000. Assim, na sua adolescência, o “rolê” era assistir besteirol (lembra dessa palavra?) tipo American Pie ou – os maravilhosos e perfeitos – Todo mundo em Pânico e As Branquelas. Tais títulos tinham como grande foco a busca pelo sexo e podemos dizer que foram, em alguma parte, responsáveis pela adolescência millenial ser tão cheia de hormônios, colocando assuntos como virgindade, sexualidade e masturbação nas capas de todas revistas adolescentes, tipo Capricho ou TodaTeen (saudades dos testes).

Já a Gen Z, ou Geração Z, não sofre/sofreu tanto com a pressão em perder a virgindade cedo com medo de ser visto como perdedor ou “cabaço”. Na verdade, os jovens nascidos entre 1996 e 2010 têm um comportamento sexual e de relacionamento muito diferente dos millenials – existem alguns, inclusive, que acham sexo cringe (desculpa por usar essa palavra, já deu né?).

Começando a partir dos “nortes” dessa geração de novinhos, eles cresceram – e crescem –  em meio a discussões cada vez mais amplas de gênero, política e sexualidade. As problematizações fazem parte do dia a dia deles, diferentemente da geração anterior, em que séries como Friends e How I met your Mother têm, em seus roteiros, quilômetros de textos que hoje são considerados sexistas e até transfóbicos. Os “nativos digitais” estão mais preocupados com essas problematizações e com as políticas envolvidas nelas do que os millenials. Os últimosnós – não viveram em meio a atual primavera política e passaram a adolescência tentando convencer os amigos que conseguiram transar ou no mínimo dar um beijo de língua (outro termo que sumiu do nosso radar, né?). E só esse dado  já entrega que nossas percepções sobre sexo são totalmente diferentes. 

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(Estúdio Passeio/Ilustração)

Trazendo um pouco de dados, Nick Hillman, em sua pesquisa Sex and Relationships Among Students (Sexo e relacionamentos entre estudantes) para a HEPI (High Education Policy Institute), descobriu que a maioria dos estudantes britânicos estão mais preocupados em fazer amigos do que em transar. Além disso, apenas 16% dos estudantes entrevistados estavam animados com a vida sexual depois de começar seus estudos – tipo sair da casa dos pais, entrar numa universidade e ter com grande “barato” finalmente poder transar em paz. Outro dado bem recente de um estudo da Universidade de Indiana junto ao Instituto Karolinska é que, entre os americanos com idades de 18 a 24 anos, houve um aumento significativo de inatividade sexual desde 2000 até 2018, principalmente entre os homens, fortalecendo ainda mais a compreensão de que estamos transando menos – e não é por conta da pandemia. 


“A maioria dos estudantes britânicos estão mais preocupados em fazer amigos do que em transar. Além disso, apenas 16% estavam animados com a vida sexual depois de começar seus estudos – tipo sair da casa dos pais, entrar numa universidade e finalmente poder transar em paz”

Do meu ponto de vista, acredito que tais mudanças comportamentais extrapolam um pouco apenas o sexo e flertam com a nossa percepção do que é prazer em si. Como os millenials viveram um período significativo com a internet ainda sendo desenvolvida, as relações interpessoais e físicas eram os principais veículos das experiências relacionadas com o prazer. Por outro lado, a geração Z se encontra num lugar onde até os bebês jogam Candy Crush ou Stardew Valley, num mundo muito mais informatizado, sem sofrimento para baixar gigabytes em qualquer download e com a possibilidade de dar uma “aliviada” a partir dos milhões de perfis crescentes no OnlyFans e Twitter +18, onde prazer é muito mais sobre o impacto que você tem na sua rede social do que conseguir pegar esse ou aquele garoto. E, pensando que nessa geração mais atual, tudo precisa ser rápido e instantâneo – estamos na internet 4G indo pra 5G, é muito mais fácil se masturbar ou fazer sexo virtualmente do que engajar em uma busca física e que demanda muito mais tempo. O resultado disso é uma experiência sexual de menor qualidade, talvez?

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(Estúdio Passeio/Ilustração)

Outra possível hipótese é justamente em relação às conversas nas quais a geração Z está imersa. Estamos vivenciando cada vez mais discussões sobre consentimento, por exemplo, o que permite que muitas pessoas consigam definir melhor quando estão fazendo algo por si próprias ou por pressões sociais ou externas. Nesse contexto, é possível que as pessoas, agora sem a pressão de perder a virgindade, se mantenham virgens por mais anos, como mostra uma pesquisa australiana em que 40% dos questionados, com idade entre 18 e 24 anos, afirmam nunca terem transado (aqui embaixo, você consegue ver o vídeo sobre a pesquisa, em inglês). Sem falar na assexualidade, mais um exemplo de pauta cada vez mais discutida. Enquanto na geração anterior era vista de um ponto de vista patológico, hoje está sendo pautada como uma sexualidade legítima e quem se identifica com ela finalmente vem conseguindo ter alguma voz, que anos atrás era silenciada (para quem não sabe, esse é o significado do A de LGBTQIA+).

No Brasil, a situação tem um agravante

É importante, todavia, fazer uma ressalva. No Brasil, temos poucos estudos específicos que estão tentando entender como as gerações se comportam (obrigado, governo, pela escassez de pesquisadores e investimentos em pesquisa), Mas temos alguns dados epidemiológicos em relação à gravidez precoce ou a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) que podem trazer informações importantes.

Segundo os últimos boletins do Ministério da Saúde, estamos em vertiginoso aumento de ISTs em jovens entre 13 e 19 anos, principalmente sífilis. Isso não significa que eles estão transando mais, mas que estão transando sem proteção. Mesmo com o aumento de possibilidades de proteção, como a maior disseminação de camisinhas gratuitas nos postos de saúde ou iniciativas como a PrEP 15-19, ainda temos um problema grande de acesso à informação para essa nova geração brasileira. 


Estamos em vertiginoso aumento de ISTs em jovens entre 13 e 19 anos, principalmente sífilis. Isso não significa que eles estão transando mais, mas que estão transando sem proteção. Mesmo com o aumento de possibilidades de proteção, ainda temos um problema grande de acesso à informação para essa nova geração brasileira 

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“Mas, Uno, eles não são mais informatizados? Não deveria ser o contrário?” Então, não necessariamente. Na mesma quantidade de informações confiáveis que temos na internet, temos – senão mais – informações equivocadas. Sem mencionar que o acesso a esses jovens é ainda mais difícil, já que suas comunidades estão se fechando cada vez mais e se tornando inacessíveis. Muitos ficam mexendo no Discord o tempo todo, por exemplo – você que está lendo já ouviu falar sobre? É uma ferramenta/aplicativo para conversar na Internet, seja por texto ou voz, muito utilizada para bate-papo em jogos online ou gravações de podcast. E, como complemento, temos um planejamento educacional péssimo quando o assunto é saúde e educação sexual de jovens. 

Outro exemplo da bagunça que é educação em sexo no Brasil é que a pauta de abstinência sexual voltou a ter foco pelo governo que, atualmente, quer falar sobre “se segurar para o casamento” em vez de abordar métodos preventivos, contracepção, gênero e sexualidades nas escolas. Mais interessante ainda é pensar que essa é a estratégia para uma geração que pensa em casar cada vez menos, como afirma novo artigo publicado na revista Demography. Deirdre Bloome e Shannon Ang mostram, por meio desse estudo, que pessoas que nasceram a partir de 1997 têm pensado em casamento cada vez mais tarde ou nem cogitam a possibilidade. Tudo isso somado nos leva a entender que o cenário de maior informatização não resolve sozinho o problema da educação sexual precária.

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(Estúdio Passeio/Ilustração)


“Outro exemplo da bagunça que é educação em sexo no Brasil é que a pauta de abstinência sexual voltou a ter foco pelo governo que, atualmente, quer falar sobre ‘se segurar para o casamento’ em vez de abordar métodos preventivos, contracepção, gênero e sexualidades nas escolas.

No fim das contas, quem está certo? Os millenials e as gerações anteriores a eles, que cresceram num ambiente mais sexual ou a geração Z, que vê o sexo e a sexualidade na mesma régua que a das interações nas redes sociais? Não existe ninguém certo nem errado (muito menos alguém cringe e outro não). As diferenças geracionais são processos naturais e estão mais relacionadas com os rumos que a sociedade está tomando do que com as pessoas em si. O importante, ao meu ver, é atentarmos para os caminhos que estão nos norteando a cada ano que passa para, assim, conseguirmos desenvolver ações mais adequadas de controle de natalidade, prevenção de doenças e até mesmo um diálogo mais interessante entre as gerações, o que poderia trazer bons resultados em diferentes esferas. 

E, por favor, já deu esse papo de cringe

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As imagens que você viu nessa reportagem foram feitas pelo Estúdio Passeio. Confira mais do trabalho deles aqui

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