Terpenos e Cannabis
As plantas femininas de cannabis têm um segredinho. Elas são cobertas por glândulas chamadas tricomas, que secretam altas concentrações de terpenos, além de canabinoides e outros componentes químicos. Agora, as propriedades terapêuticas dos terpenos começam a ser estudadas em maior profundidade, com resultados positivos de seus usos como anti-inflamatório, antibactericida, anticancerígeno e sedativo, entre outros, embora ainda seja necessário para a ciência se aprofundar neste campo.
Mesmo a cannabis sendo uma super fonte de terpenos, quem faz o papel terapêutico-medicinal são os canabinóides, como o THC e o CBD. Mas, então, os terpenos não têm nada a acrescentar além de servirem na aromaterapia? Mais ou menos. O corpo humano e animais têm um sistema bioquímico importante chamado sistema endocanabinoide (SEC), que atua em várias funções do corpo, como sensação de dor, processos inflamatórios, digestão, sistema neurológico. Os receptores do SEC são encontrados em vários tecidos e órgãos. Uma analogia comum para entender o sistema é a “chave-fechadura”, em que o SEC é a fechadura e compostos da cannabis são as chaves.
“Os terpenos interagem com as enzimas do sistema endocanabinoide, mas também com proteínas que ficam montando e desmontando as moléculas. Quando eu ponho terpenos no óleo, também otimizo a relação dessas proteínas. Então você fica com mais CBD e THC disponíveis para ligar em algumas fechaduras. O terpeno entra numa espécie de gestão das moléculas que estão na cannabis”
Mariana Muniz
As espécies de cannabis têm mais de 100 terpenos diferentes, e a combinação deles com os canabinoides, como o THC e o CBD, é responsável pelo que é conhecido como “efeito de entourage” ou “efeito de comitiva”, com efeitos sinérgicos ocorrendo quando vários compostos da planta são consumidos juntos. “Os terpenos interagem com as enzimas do sistema endocanabinoide, mas também com proteínas que ficam montando e desmontando as moléculas. Quando eu ponho terpenos no óleo, também otimizo a relação dessas proteínas. Então você fica com mais CBD e THC disponíveis para ligar em algumas fechaduras. O terpeno entra numa espécie de gestão das moléculas que estão na cannabis”, explica a psiquiatra e pesquisadora do Instituto do Cerebro/UFRN, Mariana Muniz.
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Mariana conta ainda que “o cheiro e o gosto tem a ver com os terpenos serem moléculas voláteis. Eles evaporam facilmente e por isso chegam aos nossos receptores do nariz, que é um sistema diretamente ligado com a memória afetiva, o processamento de emoções. Por isso que o cheiro pra nós é tão importante. Ele tem esse fundo biológico.”
Alguns terpenos comuns encontrados na cannabis incluem o limoneno, o linalol, o mirceno, o pineno e o beta-cariofileno – sim, os mesmos encontrados no limão, na lavanda e em outras plantas.
Como já falei aqui, cada um desses terpenos têm seus próprios efeitos terapêuticos potenciais. E alguns estudos preliminares sugerem que os terpenos da cannabis podem ter efeitos terapêuticos independentes dos canabinoides. Por exemplo, um estudo de 2011 publicado na revista British Journal of Pharmacology descobriu que o beta-cariofileno tem efeitos anti-inflamatórios potentes e pode ser útil no tratamento de doenças inflamatórias como a artrite.
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“Cada strain produz um perfil de terpenos. Quando fazemos o óleo com essa strain, os terpenos vêm junto. Percebemos que strains com mais terpenos funcionam melhor do que sem terpenos, e que a quantidade e tipo de terpeno também produz efeitos diferentes nos óleos”
Mariana Muniz
“Cada strain produz um perfil de terpenos. Quando fazemos o óleo com essa strain, os terpenos vêm junto. Percebemos que strains com mais terpenos funcionam melhor do que sem terpenos, e que a quantidade e tipo de terpeno também produz efeitos diferentes nos óleos”, explica Mariana Muniz.
Outro exemplo mais palpável é o da Associação Acolher Macaé, projeto que nasceu a partir de Denise Fogel Soares, que precisava dar qualidade de vida à sua filha Gabi, que tinha epilepsia refratária ainda bebê e usava vários anticonvulsivos. Os altos preços dos óleos importados levaram Denise e o marido a plantarem cannabis para produzir o óleo. “Aquilo ali que a gente aprende que é droga, não é nada daquilo, é um medicamento”, ela diz.
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Depois de conseguir autorização, ela foi procurada por outras famílias e fundou a Acolher para ajudar outras pessoas da região com a mesma necessidade. Hoje são quase mil associados que usam os óleos produzidos pela associação. “Temos produção própria, laboratório, responsável farmacêuticos. Mas no geral atendemos crianças e para elas o sabor do óleo fica um pouquinho mais forte, então fomos buscar essa alternativa”, conta Denise. Foi assim que os terpenos entraram em cena.
Depois de ouvir de mães que os filhos rejeitavam o sabor de planta do óleo, ela passou a usar os terpenos naturais que dentro de um blend simulam sabores mais suaves de cannabis, para torná-lo mais aromático e palatável. E funcionou perfeitamente.
Existem ainda estudos em andamento que mostram a capacidade anti-inflamatória da combinação canabinoides + terpenos. Uma pesquisa publicada na revista científica Food and Chemical Toxicology mostra que os compostos encontrados na planta foram capazes de reduzir a produção de substâncias inflamatórias por células imunes humanas. Além disso, o estudo mostrou que a combinação de canabinoides e terpenos produziu efeitos mais significativos do que quando usados isoladamente. Os resultados são promissores para o uso terapêutico da cannabis em condições inflamatórias, como artrite.