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Esse é um trecho de Esperemos, poema atemporal do nosso ancestral Solano Trindade. Poeta, folclorista, ator, dramaturgo, cineasta, realizador de sonhos e histórico militante do movimento negro brasileiro. Solano nasceu em Recife, em 24 de julho de 1908, fez sua passagem em 1974 e, como costumo dizer aqui, vive na força de nossa valorização pela cultura, folclore e arte brasileira, além de impulsionar luta contra as opressões sistêmicas produzidas e mantidas pelo racismo.
Já faz algum tempo que eu tento escrever aqui e, no último mês, sempre começo a partir desse verso de Solano, porque é exatamente como me sinto.
Desde que recebi o generoso convite para essa coluna, sugeri e assumi um compromisso de falar das potências afetivas que nos constituem e que nos sustentam em tempos difíceis. Optei por falar de amor, suas formas e caminhos. Não só para trazer alguma leveza, bem como para não nos deixar esquecer daquilo que somos formados: amor.
Eu queria falar de amor, mas o racismo me obriga falar da crueldade que assola vidas pretas e que já nem permite que elas venham ao mundo. Como falar de amor, no lugar que assassina crianças, no ventre de suas mães?
No entanto, devo confessar que, ultimamente, me sinto falhando em minha missão. E, assim também encontro Solano.
Sim, eu ia falar de amor, mas no último dia 09 de junho de 2021, a polícia assassinou Kathlen Romeo com um tiro letal. Ela, lembrada por seus familiares como uma jovem tão inteligente e dedicada quanto linda, modelo, designer de interiores, foi assassinada no Complexo do Lins, Zona Norte carioca. Aquele mesmo Lins que gerou Mussum. Falei dele na minha última coluna.
Kathlen foi brutalmente assassinada com um tiro de fuzil e, como se não bastasse o Estado roubar todos os sonhos de uma jovem mulher de 24 anos, roubou também o seu sonho de trazer ao mundo a criança que gestava com tanto amor. Kathlen estava grávida.
Eu queria falar de amor, mas o racismo me obriga falar da crueldade que assola vidas pretas e que já nem permite que elas venham ao mundo. Como pode prosperar um lugar que assassina mulheres grávidas? Como falar de amor, no lugar que assassina crianças, no ventre de suas mães?