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Ivan Baron e Elástica explicam: capacitismo

Conversamos com o influenciador sobre o significado do termo, representatividade PCD na mídia e expressões que oprimem pessoas com deficiência

por Beatriz Lourenço Atualizado em 26 jun 2022, 23h03 - Publicado em 26 jun 2022 22h59
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(Clube Lambada/Ilustração)

ocê sabia que termos usados no nosso cotidiano reverberam o preconceito contra pessoas com deficiência (PCD)? Bom, antes de sugerir o que não usar, precisamos explicar o que é capacitismo e como ele influencia o bem-estar de 45,6 milhões de brasileiros. No dicionário, o termo significa discriminação contra PCDs mas, na prática, a definição é mais ampla.

“É a exclusão de pessoas com deficiência por meio da segregação, piadas e agressão intelectual e física”, explica o influenciador e criador de conteúdo Ivan Baron. “Comigo, sinto que é como se eu chegasse num lugar e automaticamente ele se fechasse para mim.” O jovem de 24 anos se deparou com a palavra na adolescência, quando tentava entender as violências que enfrentava  – e isso mudou totalmente sua perspectiva de vida. Foi a partir daí que ele se reconheceu como PCD, entendeu que a sociedade estava atrasada nessas discussões e decidiu fazer algo para mudar.

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(arte/Redação)

“Percebi que eu mesmo era capacitista porque adorava aquele discurso de ser um exemplo de superação e fonte de inspiração. Quando, na verdade, isso só romantizava o meu sofrimento”, conta. “Ao passar por situações de falta de acessibilidade arquitetônica, por exemplo, sempre há alguém para dizer que sou um guerreiro. O que quero, no entanto, é que essa galera lute comigo para resolver esse problema.”

“Percebi que eu mesmo era capacitista porque adorava aquele discurso de ser um exemplo de superação e fonte de inspiração. Quando, na verdade, isso só romantizava o meu sofrimento”

Ivan nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, e aos três anos adquiriu uma meningite – infecção que afeta as membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal. Por ser grave, a doença lhe causou paralisia cerebral. “Quando o médico deu o diagnóstico, disse que eu não poderia mais andar ou falar. Mas meus pais persistiram na minha reabilitação e consegui me desenvolver bem. Aqui destaco a importância do SUS, porque graças a ele consegui ter essa autonomia.”

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(Ivan Baron/Arquivo)

Hoje, ele alia o humor e a internet às informações importantes para educar quem passa por suas redes sociais e lutar contra o capacitismo. “Acredito que nos desumanizam tanto nos taxando como inválidos que é só através da alegria e do riso que podemos reverter esse pensamento”, diz. “Ainda assim, é preciso ampliar esse conteúdo ao ambiente escolar e, principalmente, às crianças. O adulto tem muito tabu na hora de tratar desses assuntos, mas uma das piores maneiras de abordar é o silenciamento.” Abaixo, confira nosso papo completo com Ivan:

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Quando você decidiu falar na internet sobre capacitismo? Houve um momento chave que fez você querer alcançar mais pessoas?
Comecei a fazer vídeos para a internet na metade de 2018, no auge dos movimentos políticos e sociais. Eu via o crescimento das discussões contra o racismo, contra a LGBTfobia e o apoio ao feminismo, mas não tinha nada sobre pessoas com deficiência – principalmente sobre a violência que elas sofriam. 

Sabemos que esse público é discriminado e segregado. Foi aí que me incomodei, comecei a pesquisar mais sobre o assunto e encontrei o termo “capacitismo” no perfil de uma pessoa sem deficiência, o que já nos leva a outra reflexão: até isso são pessoas sem deficiência que nos falam. Senti que esse conhecimento precisava ser disseminado por alguém que tinha local de fala. Como sou estudante de pedagogia, uni o útil ao agradável e me coloquei no lugar de ensinar essa galera. 

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(Ivan Baron/Arquivo)

Você alia as informações ao humor, deixando o conteúdo dos vídeos muito leve. Você acredita que o riso ajuda no aprendizado?
Total. Tenho até tatuado na minha pele “rir é um ato de resistência” em homenagem ao Paulo Gustavo e a personagem de Dona Hermínia. Acredito que nos desumanizam tanto nos taxando como inválidos e incapacitados que é só através da alegria que podemos reverter esse pensamento. Se queremos mudar a situação, não será com violência e ódio, mas sendo pedagógicos.

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Essa educação anticapacitista ainda é muito limitada às redes sociais. Qual é a importância de falar sobre isso nas escolas e, principalmente, com crianças?
Esse termo ainda é muito desconhecido no ambiente escolar. Até no curso de pedagogia vejo pessoas repercutindo falas negativas. Tem gente que, ao se referir a um estudante com deficiência, diz palavras como “cuidado” e “especial”, ou seja, isso ainda é muito naturalizado e mostra como precisamos ampliar essa desconstrução. É muito importante levar essa discussão para fora da internet porque é na vida real que acontece o preconceito. É no ambiente de trabalho, na escola, na rua… 

O adulto tem muito tabu na hora de trazer assuntos como sexualidade, raça e deficiência. Mas uma das piores maneiras de tratar é silenciar e não falar nada. A gente deve responder às perguntas dos pequenos para não alimentar a desinformação e fazer com que eles convivam com a diversidade, já que uma criança sem deficiência que não convive com a diversidade alimenta preconceitos. 

“Acredito que nos desumanizam tanto nos taxando como inválidos e incapacitados que é só através da alegria que podemos reverter esse pensamento. Se queremos mudar a situação, não será com violência e ódio, mas sendo pedagógicos”

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(Ivan Baron/Arquivo)

Vemos poucas pessoas com deficiência em produções televisivas, como filmes, séries e novelas. Você sente que ainda falta representatividade nas telas?
Sinto muita falta. Adoro ver novelas e a representatividade pcd nessas produções é quase inexistente. E quando tem, percebemos o “cripface” – que é quando atores ou atrizes sem deficiência interpretam personagens com deficiência. É muito semelhante ao “blackface”, só que este último, ainda bem, já é criminalizado. 

Quando vemos pessoas com deficiência nas telas, isso nos gera pertencimento. Cresci tendo a noção de deficiência como algo ruim porque todo vilão ou vilã tinha um defeito físico ou intelectual. Darth Vader, de Star Wars, tem deficiência. Não quero dizer que todos são anjos, mas a mídia ainda é muito extremista: ou somos heróis ou vilões. Mas só queremos ser humanizados. 

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(Ivan Baron/Arquivo)

Em ano de eleição, é necessário discutir pautas para o novo governo que entra. Quais são as políticas públicas mais urgentes para pessoas com deficiência?
Nosso país é muito rico em políticas públicas para pessoas com deficiência. Quando digo rico é porque há muitas leis. Mas sabemos que elas são pouco executadas. É preciso colocá-las em prática e defender o que já temos para não retroceder. O que mais sinto falta é a criminalização do capacitismo. Quando identificamos um preconceito, fica mais fácil combatê-lo – assim como o racismo e a LGBTfobia. Precisamos criar políticas contra isso. Na Lei Brasileira de Inclusão (LBI) já há penas e multas para quem for preconceituoso com pessoas com deficiência, mas ainda é algo muito amplo e genérico. 

“Cresci tendo a noção de deficiência como algo ruim porque todo vilão ou vilã tinha um defeito físico ou intelectual. Darth Vader, de Star Wars, tem deficiência. Não quero dizer que todos são anjos, mas a mídia ainda é muito extremista: somos heróis ou vilões. Mas só queremos ser humanizados”

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(Ivan Baron/Arquivo)

Como você percebe a inclusão do capacitismo dentro da comunidade LGBTQIA+? Você já usou apps de relacionamento?
Me considero pansexual. E tanto com pessoas do gênero masculino ou feminino rola uma discriminação. Nunca nem pensei em usar esses apps porque sei que, se usasse, não seria a primeira opção das pessoas que estão por lá. Posso dizer que a comunidade LGBTQIA+ ainda cultua muito a normatividade dos corpos. E quando você é uma pessoa LGBTQIA+ e tem uma deficiência, se sente desfocado e sem pertencer a lugar algum. Já que somos uma sigla que abraça a diversidade, penso que é necessário abraçar toda a diversidade – a de corpos com deficiência, de corpos gordos e de corpos pretos.

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(Ivan Baron/Arquivo)

O que mais te incomoda no discurso capacitista que a gente vê normalmente na mídia?
Quando eu conheci essa palavra, minha perspectiva mudou. Percebi que eu era capacitista porque adorava aquele discurso de ser um exemplo de superação e fonte de inspiração. Quando, na verdade, isso só me desumanizava e romantizava o meu sofrimento. Ao passar por situações de falta de acessibilidade arquitetônica, por exemplo, sempre há alguém para dizer que sou um guerreiro. O que quero, no entanto, é que essa galera lute comigo para resolver esse problema. Também me incomoda o discurso de que uma pessoa que tem deficiência é porque sofreu alguma lição de vida, mas isso nos associa a pessoas tristes, que não são amadas ou que fizeram algo errado. Podemos, sim, ser felizes, amados e realizados.

“O que mais sinto falta é a criminalização do capacitismo. Quando identificamos um preconceito, fica mais fácil combatê-lo – assim como o racismo e a LGBTfobia. Precisamos criar políticas contra isso”

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Falando do ambiente corporativo, quais são as práticas que as empresas devem adotar para que o ambiente seja inclusivo?
Acredito que a empresa não pode ver o funcionário com deficiência como “tapa buraco” para cumprir cotas. O primeiro passo é perceber quem é aquela pessoa e quais são suas habilidades e competências, depois ver qual é sua deficiência. É claro que é importante notar essa característica porque é através dela que será possível garantir toda a estrutura necessária para que essa pessoa tenha um bom desempenho – mas não é só isso. É preciso conversar com os funcionários para que eles saibam como receber bem essa pessoa e dar todo o suporte para que ela se sinta acolhida.

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(Ivan Baron/Arquivo)
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5 expressões capacitistas para tirar do seu vocabulário

“Mais perdido do que cego em tiroteio”
Essa expressão coloca a pessoa com deficiência visual em um lugar de desorientação e que não consegue tomar suas próprias decisões.

Retardado, débil mentaloumongolóide
São palavras usadas para se referir a uma pessoa com deficiência intelectual de forma negativa.

“Mas você está cego?” ou “Mas você está surdo?”
São expressões que banalizam a deficiência.

Anão

A palavra esteriotipa as pessoas com nanismo. O correto é falar dessa forma mesmo:m “pessoas com nanismo”.

Aleijado
É uma expressão comumente utilizada para se referir a alguém preguiçoso e que não faz nada, dando sentido pejorativo às pessoas com deficiência.

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