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Gordofobia no sexo

O preconceito com corpos gordos também aparece entre quatro paredes na forma de rejeição, de objetificação e até mesmo de fetiche

por Uno Vulpo - @sentomesmo 9 fev 2022 00h04
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(arte/Redação)

 influenciadora e maquiadora Bianca Barroca percebe que o desconforto do outro com o seu corpo se dá de várias formas, muitas vezes sutilmente. Na cama, a pessoa fica muito sem jeito, não querendo encostar em sua barriga, seu peito, numa clara esquiva. Frases como “ai, você é a primeira gordinha com a qual eu transo, mas até foi legal” são também bem corriqueiras. 

Relatos como o de Bianca mostram que a gordofobia é naturalizada, o corpo gordo não. Primeiro, vamos de conceito: a gordofobia é o preconceito e discriminação com pessoas gordas. Ela acontece em todos os contextos, lugares e recortes, inclusive na cama. Durante toda vida, ou em grande parte dela, nossos corpos são fatores importantes de insegurança. Eu mesmo já fiquei inseguro diversas vezes, a ponto de querer ficar de camisa transando ou passar o date inteiro contraindo o abdome, quando saí com pessoas com corpos mais normativos que o meu – sendo o meu já bastante normativo.

Em nossa sociedade, a gordofobia é naturalizada, o corpo gordo, não. Gordofobia é o preconceito e discriminação com pessoas gordas, e ela acontece em todos os contextos, lugares e recortes, inclusive na cama

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Mas é bom lembrar que os ideais corporais mudam constantemente. Durante o renascimento e outros momentos da história da arte, vimos ancas largas, peitos fartos e corpos gordos sendo significado de poder, riquezas e fertilidade. O historiador Georges Vigarello em “As metamorfoses do gordo: história da obesidade no ocidente” demonstra claramente as mudanças nessas percepções e representações artísticas ao longo da história. Talvez o registro mais antigo que temos dessa ode ao corpo cheio de curvas seja a Vênus de Willendorf, uma representação da fertilidade feminina, idealizada há cerca de 25 mil anos de Cristo. Trazendo para mais perto, no século XVI, temos pintores como Peter-Paul Rubens e Rembrandt retratando os voluptuosos padrões de beleza da época. E dando uma dica de artista mais atual, gosto muito do trabalho da artista Fernanda Magalhães, de Campinas, que usa seu próprio corpo – fora dos padrões – para questionar as “caixinhas” que a sociedade criou – escute o tabu quebrando.

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Hoje, muitos almejam o que chamamos de corpo padrão e pessoas padrão, que são aqueles malhados, bem torneados, magros, com bunda na medida, peitos médios para grandes ou pelo menos bem empinadinhos. Ter esse tipo de como padrão de beleza gera impactos psicológicos gerados intensos e um grande estigma em cima dos corpos obesos. 

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Body positive da porta pra fora

Se antes eram “apenas” as revistas e a publicidade ditando regras sobre os nossos corpos – coloco entre aspas porque a mídia como um todo já representava uma carga enorme sobre os corpos fora do padrão –, hoje crescemos e vivemos imersos no meio de imagense representações dos corpos magros, malhados e baseados em padrões estéticos quase inatingíveis nas redes socias (mas não se esqueça de que boa parte do que vemos é modificado digitalmente). Tais representações fizeram um estrago gigantesco na nossa percepção corporal e vivemos traumatizados com “pneuzinhos”, “pochetes”, “estrias”, “celulites” e outros termos inventados para depreciar nossos corpos. 

Frente à chuva de problematizações, reflexões e discussões acerca de várias temáticas, o cenário tem mudado bastante nesse sentido, e falar sobre modelos plus size (aliás, odeio esse nome que virou quase um diagnóstico em inglês), gordofobia, diversidade e empoderamento é cada vez mais frequente, o que podemos considerar uma real evolução na mente preconceituosa que todos tínhamos anos atrás. Todo esse movimento melhorou bastante a pressão que vivíamos no cotidiano para emagrecer, tornear e fazer aquela lipoaspiração. Todavia, me pergunto se essas mudanças não seriam muito restritas ao universo midiático ou público e se, entre quatro paredes, houve também evoluções, revoluções e melhorias. Eu acredito que não.

Vittu, influenciador que milita pela pauta da aceitação corporal, além de cantor e compositor, também conversou comigo e perguntei para ele quais são e como são suas inseguranças na cama. Ele me conta que, depois que começou a se politizar nesse sentido, houve uma grande melhora na sua ansiedade relacionada ao corpo. Ainda assim, ele sente que segue com alguns entraves. “Colocar a roupa logo depois que a transa termina é um comportamento comum para mim. Fico muito desconfortável com a exposição do meu corpo nu após o sexo e só consigo continuar pelado se estiver acompanhado de alguém com quem já me relacionei mais vezes”, ele conta. 

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“Colocar a roupa logo depois que a transa termina é um comportamento comum para mim. Fico muito desconfortável com a exposição do meu corpo nu após o sexo e só consigo continuar pelado se estiver acompanhado de alguém com quem já me relacionei mais vezes”

Vittu
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(Vittu/Arquivo)

Entendo que uma das motivações para isso seja o medo de ser rejeitado e, colocando a roupa, Vittu se cobre com um escudo e se protege de um estado de vulnerabilidade – e também de uma possível comparação com o corpo do outro. Todo esse sentimento em torno do corpo, dentro da psicologia e psiquiatria, chamamos de dismorfia corporal, um transtorno em que a pessoa desenvolve baixa autoestima, insegurança com o corpo e preocupação exacerbada com ele. É um quadro que tipicamente leva a situações de evitação social, fazendo com que a pessoa tente fugir de ocasiões em que seu corpo fica sujeito a avaliações externas. Quando a dismorfia corporal chega a um extremo, não é raro que o paciente pare de ter relações sexuais e se feche de vez para situações sociais.

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Fetiche

Além das inseguranças, a fetichização em cima do corpo gordo é grande. São comuns relatos acerca dos chamados chasers – pessoas, normalmente magras, que buscam pessoas gordas para se relacionar sexualmente. À primeira vista, você pode pensar que isso é positivo em algum grau, mas a realidade é que esses “caçadores” procuram pessoas gordas apenas para transar. Quando o assunto é namorar, apresentar para a família ou para os amigos, preferem as magras já que têm medo de assumir publicamente a atração por um corpo gordo.

Quem também me relatou uma experiência parecida foi Bianca Barroca. “É comum que os homens me procurem para experiências sexuais pontuais, como inversão [quando a mulher come o homem], me colocando apenas como um objeto sexual”, ela lembra, reforçando que a maioria dos caras nunca considera a possibilidade de relacionamentos duradouros e “públicos” com ela. “Isso sem falar quando o outro acha que está fazendo um favor em transar comigo, quase como quem diz: ‘nossa, olha só como eu sou desconstruído, militei todo beijando a gordinha’.”  

“É comum que os homens me procurem para experiências sexuais pontuais, como inversão [quando a mulher come o homem], me colocando apenas como um objeto sexual. Isso sem falar quando o outro acha que está fazendo um favor em transar comigo”

Bianca Barroca
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(Bianca Barroca/Arquivo)

Ainda na pauta da transformação do corpo gordo em objeto sexual, podemos falar sobre a história da Kat, da série Euphoria. A personagem, interpretada pela atriz Barbie Ferreira, é a única adolescente virgem no grupo de amigos e passa por várias inseguranças relacionadas ao corpo. Inclusive, na infância de Kat – cuidado com o spoiler –, ela namorava com um rapaz da sua turma e, depois que engordou alguns quilos durante as férias, foi rejeitada pelo namoradinho, o que gerou um grande trauma. 

Mais tarde e depois de vários eventos desconfortáveis, ela descobre que seu corpo é muito desejado por vários homens em sites pornográficos e acaba se empoderando a partir da boa receptividade que tem online, se transformando numa camgirl. Por mais que o empoderamento da Kat seja um lado muito bom da história, vemos que a personagem se transforma num exclusivo objeto sexual, fazendo com que ela própria tenha dificuldade de achar possível ter uma relação mais duradoura com outras pessoas, assim personificando um fetiche.

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(Laís Brevilheri/Ilustração)

Será que sou? 

Toda a m*rda nessas histórias se origina na péssima educação corporal que temos. A gordofobia médica, midiática e afetiva perpetua concepções que entram tão profundamente em nossa cultura que, mesmo quando aparentemente não parecemos gordofóbicos, estamos (mesmo gordos) discriminando ou negando uma investida de alguém com um corpo diferente. Ser gordo não é doença, é possível ter uma vida absolutamente saudável enquanto gordo e a maioria das coisas que ouvimos relacionadas aos nossos corpos são grandes mitos. Peso não é uma orientação sexual – dessa forma, se você tem algum bloqueio para se relacionar com pessoas mais pesadas que você, existem grandes chances de você estar expressando gordofobia, e, por isso, sugiro uma reflexão acerca das suas preferências sexuais e afetivas.

Peso não é orientação sexual. Se você tem algum bloqueio para se relacionar com pessoas mais pesadas que você, existem grandes chances de você ser gordofóbico, e, por isso, sugiro uma reflexão acerca das suas preferências sexuais e afetivas

Já para quem é uma pessoa gorda e sente na pele a gordofobia, em primeiro lugar é importante pensar que você é único e o seu corpo não é determinante da possibilidade de encontrar ou não um amor ou uma transa casual que seja. Ninguém está fazendo favor nenhum em transar com você e saiba que a sua vida sexual e afetiva não tem nada a ver com o que é retratado midiaticamente ou na pornografia, por exemplo. Por fim, procure pessoas com as quais você se sinta confortável, priorizando o seu conforto e bem-estar. Ah, e se tiver precisando apagar a luz ainda, apague e não se sinta mal: se empoderar e fortalecer é um processo gradual mesmo.

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