movimento agitado na Cidade do Samba, na Gamboa, zona central do Rio de Janeiro, indica que faltam poucos dias para o Carnaval passar na Avenida Marquês de Sapucaí. São marceneiros soldando carros alegóricos, figurinista chegando com sacolas cheias de tecido e diretores de carnaval indo de uma sala a outra checar as demandas mais urgentes. Em cada barracão de escola de samba, carros e fantasias dão o tom dos temas dos desfiles de 2022. Neste ano de retorno do Carnaval, oito das doze escolas do Grupo Especial carioca desfilam com enredos sobre a história e cultura negra.
No barracão da Beija-Flor de Nilópolis, a logo do enredo “Empretecer o Pensamento é Ouvir a Voz da Beija-Flor” está em toda parte, do painel na entrada até nas telas dos computadores. André Rodrigues, 30 anos, entrou na Beija-Flor em março de 2020 para participar do concurso que ia decidir o desenho da marca. Até então carnavalesco do Acadêmicos do Sossego, escola do Grupo de Acesso do Rio, e da Mocidade Unida da Mooca, da capital paulista, André ganhou a disputa de mais de 100 concorrentes com uma logo inspirada no movimento afrofuturista. Com a conquista veio o convite para trabalhar como projetista de alegoria da escola, mas daí não demorou muito para virar diretor de criação do enredo.
“Eu vim como projeto de alegoria, para desenhar, projetar em 3D, fazer plantas e tudo mais. Só que o Alexandre Louzada [carnavalesco da Beija-Flor] fica insatisfeito com algumas coisas no enredo e me pede para colaborar”, explica André, que trabalha desde os 15 anos como assistente e projetista para diversas escolas de samba.
André passa a fazer parte da equipe que iria construir o enredo, que até então era focado em figuras de intelectuais negros. “Eu dou um sentido de que não é só sobre as pessoas, mas sobre como a produção dessas pessoas nos atravessam. Quando pegamos um Abdias do Nascimento, não falamos só dele, mas o que a produção do quilombismo diz sobre a gente? O que o estudo de globalização do Milton Santos tá falando sobre nós?”.
O desfile da Beija-Flor está dividido em seis setores. “O mais difícil de representar foi a filosofia”, diz André. No desfile, o conhecimento filosófico negro vai fazer a ligação entre o primeiro setor, que representa a África ancestral, e os demais setores que representam o mundo contemporâneo. “Eu não crio a imagem primeiro, primeiro é o argumento. Enquanto estou escrevendo o argumento, vou tirando esses elementos que vão me trazer essa imagem”, explica.
O enredo termina com uma mensagem: a periferia também produz conhecimento. O último setor da Beija-Flor apresenta um olhar para dentro, colocando a própria escola como um local de produção intelectual. “Estamos falando para uma população da Baixada Fluminense que a escola de samba que ela constrói é tão produtora de conhecimento quanto [os intelectuais apresentados]. Colocamos todo mundo em pé de igualdade”.
“Eu dou um sentido de que não é só sobre as pessoas, mas sobre como a produção dessas pessoas nos atravessam. Quando pegamos um Abdias do Nascimento, não falamos só dele, mas o que a produção do Quilombismo diz sobre a gente? O que o estudo de globalização do Milton Santos tá falando sobre nós?”
André Rodrigues