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Passando a faca nos genitais

Aumentam os números de cirurgias íntimas por motivos estéticos e, com eles, a necessidade de conversar sobre padrões de beleza até no sexo

por Uno Vulpo - @sentomesmo Atualizado em 16 nov 2021, 11h58 - Publicado em 11 nov 2021 23h43
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(Redação/Ilustração)

 Ângela Bismarchi, musa dos anos 90 sempre fez muita polêmica falando sobre suas intervenções cirúrgicas, principalmente na região genital. Quem lembra dela, lembra também do vídeo – falso e de zoeira – dela querendo colocar mais um seio e se tornar a primeira mulher com três peitos do mundo, ou quando ela (realmente) fez uma cirurgia para se tornar virgem de novo. Além dela, as Kardashians e outras celebridades já tiveram seus nomes associados a pautas que envolvem as chamadas “cirurgias genitais”. Tais procedimentos são majoritariamente estéticos e visam, também em sua maioria, “rejuvenescer” as regiões sexuais.

De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, foram registradas, só em 2016, cerca de 138 mil labioplastias – retirada de pele dos pequenos lábios da vagina – no mundo. O Brasil está em segundo lugar em número de procedimentos do tipo, com cerca de 25 mil procedimentos íntimos feitos no mesmo período. Se a gente abre o leque para considerarmos procedimentos estéticos em geral, nem preciso dizer que cada dia mais aumentam os números, né? Os questionamentos são: por que diabos estamos fazendo cada vez mais procedimentos do tipo – e se isso tudo seria essa uma evolução ou um sintoma de algum problema com imagem?

Cirurgias íntimas não são uma conversa nova. Com a evolução da cirurgia plástica, principalmente a partir dos anos 90, a criatividade dos cirurgiões e dos pacientes para pensarem em mudanças e intervenções só cresce. Antes de ir mais fundo no assunto, listamos aqui embaixo os procedimentos mais populares:

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Labioplastia / Ninfoplastia
É a redução dos lábios menores da vagina. É comum que, quando grandes, causem sofrimento com eles sendo puxados pelas roupas ou torcendo dependendo da atividade física. Esteticamente falando, quando menores, fazem com que a vagina pareça de uma pessoa mais jovem – ou até de uma criança.

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Clitoriplastia
É basicamente uma circuncisão, mas no clitóris. Existe como se fosse um capuz ao redor da cabeça do clitóris, que em algumas mulheres o tamanho pode incomodar. A diminuição dele também faz com que a vagina pareça mais jovem.

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Puboplastia
É uma cirurgia na região acima dos genitais, no chamado Monte de Vênus (em pessoas com vagina) – a cirurgia também pode ser chamada de cirurgia do monte de vênus ou monsplastia. É muito feita quando há excesso de pele ou gordura na região, que incomoda muitas pessoas ao usarem roupas íntimas ou de praia. Também funciona ao contrário, pois existem pessoas que aumentam a região, colocando gordura no local. No caso de pessoas com pênis, é comum que ela seja feita almejando um aparente aumento do tamanho do pênis, que antes está coberto por gordura ou pele. É uma cirurgia tipicamente associada com abdominoplastia e é feita com técnicas da lipoaspiração, além da retirada de pele no local.

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Vaginoplastia ou Perinoplastia
É um procedimento que faz reconstrução ou reorganização da região da vulva e vagina. Geralmente, é feita por mulheres que passaram por traumas físicos em partos normais, acidentes ou pela própria idade que já promove uma diminuição do tônus muscular da região. Como consequência, tem-se prolapso (queda ou saída do local normal) genitais e de órgãos pélvicos, o que gera muito desconforto. Existem possibilidades, dependendo do caso, de serem feitos procedimentos a laser, sendo assim menos invasivos. A cirurgia tende, como consequência, a “apertar” a vagina, sendo um procedimento que não tem fins estéticos, mas é bastante utilizado por mulheres cis que buscam deixar a genitália mais jovem e fechada. Se existe o desejo de deixar a vagina mais apertada, o ideal e indicado é a fisioterapia pélvica e outros exercícios como o pompoarismo, que fortalecem o assoalho pélvico.

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Himenoplastia
O hímen é uma membrana que fica na abertura vaginal e, diferente do que muitos acreditam, é uma estrutura diferente em cada pessoa. A membrana já é naturalmente perfurada em pessoas virgens, mas mesmo assim as perfurações são diferentes em cada pessoa. Em alguns casos, o hímen pode, sim, ser imperfurado, mas isso impede também que a menstruação desça, por exemplo, o que gera acúmulo, dores e outros sintomas.Com a atividade física, sexual, uso de absorventes internos ou variadas penetrações, a abertura do hímen, que já existe, tende a aumentar e ficar cada vez mais “larga”. A himenoplastia é justamente costurar a região, fechando mais o hímen e o tornando mais estreito, imitando assim um estado de virgindade onde não houve uma penetração que alargasse na região.É uma cirurgia bastante feita, de curta duração e procurada por pessoas que desejam retornar a um estado de suposta “virgindade” como fetiche ou até por questões religiosas e estéticas.

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Bioplastia de Glande/Escroto/Pênis
É para engrossar ou aumentar em diâmetro diferentes regiões. Consiste na injeção de ácido hialurônico ou gordura na região do tecido peniano, ou do ácido na glande e escroto, visando aumento da “cabeça do pau” e “das bolas”, respectivamente.

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Alongamento/Prótese Peniana
É a cirurgia para aumentar o tamanho do pênis. Existem diferentes técnicas cirúrgicas que vão desde o corte de ligamentos até uso de extensores. No caso das próteses, são para casos de disfunção erétil grave principalmente. Elas podem ser infláveis ou semi-rígidas e ficam inseridas na parte interna do pênis. Para levar à ereção, muitas dessas próteses precisam ser bombeadas na hora do sexo.

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Postectomia
É a típica cirurgia para tratamento da fimose, que é o excesso de pele recobrindo o pênis e que dificulta a exposição completa da glande. Porém, por estética, muitos homens recorrem à cirurgia por acreditarem esteticamente que um pênis sem a pele na glande é mais bonito.

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Pigmentação Anal/Vaginal
É um procedimento cosmético que utiliza de diferentes métodos para clarear a região da vagina ou do ânus, que são naturalmente pigmentadas de forma diferente em cada pessoa. Não chega a ser um processo doloroso, mas é bastante incômodo. Os riscos, além de aplicações equivocadas por profissionais duvidosos, é também de danos de pele, fibroses ou inflamações que vão diminuir o potencial de abertura do esfíncter anal ou descoloração permanente das regiões.

Eu poderia passar dias aqui contando de várias outras cirurgias que podem ser feitas focadas na estética da região genital, mas só com alguns exemplos já é possível perceber como literalmente tudo no nosso corpo pode ser modificado. Já no âmbito psicológico, existem algumas pesquisas que mostram a satisfação dos pacientes após os procedimentos e a maioria delas aponta altos níveis de contentamento com os resultados. No entanto, ao observarmos a metodologia dos estudos, são perceptíveis vieses que impedem um real diagnóstico a respeito da satisfação dos pacientes – além de “satisfação” em si ser um fator subjetivo difícil de mensurar, temos também a pressão social em cima dos procedimentos, que torna difícil entender se uma cirurgia “bem sucedida” para o/a paciente, neste caso, seria ter alcançado o resultado desejado ou realmente ficado feliz com o resultado, o que pode falsear os resultados. Além disso, não se pode descartar a influência dos parceiros dentro desse componente de satisfação, o que mais uma vez divergiria de realmente saber se a pessoa que fez a cirurgia de fato ficou satisfeita. Outro fator que dificulta essa medição é ter estudos feitos em populações muito pequenas, sendo difícil expandirmos para um público mais amplo o mesmo resultado. Independente da repercussão psicológica dos procedimentos, chamo para uma reflexão a motivação desses procedimentos. 

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Existem, para todos os procedimentos, indicações diretas e relacionadas com dores, patologias, disfunções ou acidentes, entretanto, quando utilizada para fins estéticos, as motivações normalmente são voltadas mais para suprir uma pressão social e alheia do que um benefício para si próprio. Uma prova disso é uma pesquisa publicada no Jornal de Cirurgia Estética que fez um levantamento das motivações de mulheres cis para os procedimentos estéticos genitais que faziam. Cerca de 54% delas relataram o que o estudo chamou de razões emocionais, que são motivações a partir de julgamentos externos ou imagens externas, como as mídias sociais, a influência da pornografia e comentários negativos que já receberam.

Parênteses

É importante diferenciar esses processos de insatisfação com o corpo, genitália e atributos físicos, que podemos chamar de transtorno dismórfico, com a disforia vivenciada por pessoas transsexuais e travestis. No segundo caso, é um sentimento de angústia, depressão e inconformidade com o gênero em que se nasceu, levando a um quadro psíquico de grave mal-estar. O transtorno dismórfico é, por sua, vez um transtorno mental que se baseia, muitas vezes, em preocupações irracionais sobre partes do corpo, levando essas pessoas a se compararem constantemente com imagens da internet, pessoas ao redor e afins, justamente o foco desse texto.

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O C* rosa

Cada vez mais, fica perceptível que as redes sociais, a publicidade e propaganda, a indústria pornográfica, da moda e demais mercados envolvidos com imagem insistem em padrões inatingíveis de corpo e até mesmo de genitália. Minha percepção acerca do tema é que muitas pessoas que recorrem para as cirurgias genitais talvez pensem que não conseguirão ter uma vida sexual satisfatória sem a mudança estética ou até mesmo que não irão conseguir o amor da vida delas por conta de uma região anal de uma cor específica. Sem falar no racismo envolvido nessa discussão.

O machismo também entra na conversa quando discutimos os tamanhos de pênis ou a disfunção erétil, que em muitos casos são queixas que são mais adequadas para a psicologia ou psiquiatria do que para a cirurgia plástica. Em pesquisa feita e publicada pela revista Psychology of Men & Masculinity, cerca de 45% dos homens entrevistados acreditam que seus pênis deveriam ser maiores, o que mostra que existem muitos homens insatisfeitos com os tamanhos que têm, mesmo quando observamos na mesma pesquisa que apenas cerca de 16% desses homens têm realmente órgãos menores do que a média.

Como consequência, a insegurança gerada pela busca de um órgão genital “perfeito”, que supostamente é necessário para conseguir satisfazer a si mesmo e parceiros, acaba colocando as pessoas numa disforia grande a ponto de quererem correr riscos em intervenções cirúrgicas muitas vezes desnecessárias. 

Faço um adendo aqui de que não sou contra cirurgias e procedimentos estéticos. Muito pelo contrário: acredito que todo instrumento para melhoria e busca por um bem estar físico e mental é louvável. Entretanto, quando essa busca é motivada por uma chuva de conteúdos midiáticos aos quais nunca conseguiremos alcançar, mesmo com toda tecnologia médica disponível, é que temos um problema. O “c* rosa” do filme pornô que você assiste é uma representação irreal e maquiada cinematograficamente, que traz inseguranças reais e move as pessoas para muitas vezes procurar procedimentos caros. E precisamos lembrar também que a disforia não é proporcional com o aporte financeiro de cada um, muitas pessoas recorrem a profissionais duvidosos, que utilizam materiais inadequados e acabam se enfiando em literais “furadas” em prol de um corpo perfeito.

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Quero ficar igual meu filtro

E nem apenas no genital está focada essa busca frenética pelo corpo do gostoso ou da gostosa da internet. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), diferente do que se tem publicado em outros veículos de comunicação, não houve um aumento de 141% no número de procedimentos entre pessoas de 13 a 18 anos – os censos você pode encontrar clicando aqui. De toda forma, o Google registrou um aumento de mais de 500% nas pesquisas pelo termo “Harmonização Facial” e a SBCP registra cerca de 256 mil procedimentos ao ano, mostrando que as pessoas estão querendo saber cada vez mais a respeito desses procedimentos.

As cirurgias bariátricas, uso de anabolizantes, abdominoplastias, lipoaspirações e colocação de próteses mamárias estão aumentando em número – mesmo que também estejam crescendo os casos de mulheres que querem retirar o silicone – e é interessante pensar como as pessoas também estão cada dia mais com possibilidades de intervir de diferentes formas nos seus corpos por meio das redes sociais, o que cria ilusões para muitas delas, levando algumas a procurar métodos mais definitivos para chegar naquele padrão que o filtro ou o FaceTune proporcionou.

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Solução?

Vir com um papo já manjado de que “ser diferente é legal” ou que você tem que “se amar do jeito que você é” não vai funcionar  – nem nunca funcionou – para muitos casos. Prefiro dizer que, se você já tiver cogitado ou estiver cogitando fazer qualquer intervenção cirúrgica no seu corpo, é aconselhável procurar suporte psicológico inicialmente, para que você, junto do ou da terapeuta, entenda as motivações da sua vontade, avalie friamente os prós e contras de determinadas cirurgias para só daí “entrar na faca”.

No meio de tantos filtros, filmes pornográficos com corpos irreais, vários c* rosa pelos perfis +18 do Twitter e a vontade de agradar o parceiro ou a parceira, a gente pode acabar se perdendo e se colocando em situações de risco e desnecessárias. 

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