Casa Clã

Drik Barbosa desconstrói o hip-hop

Com rimas inteligentes e um olhar generoso, a cantora vem se consolidando como um dos grandes nomes do rap no Brasil

por Artur Tavares 20 mar 2023 12h00

Drik Barbosa está numa boa. Dona de uma carreira sólida que já dura mais de quinze anos, ela é só sorrisos e simpatia. Carregando um discurso forte de quem aprendeu desde pequena que o mundo é para todos, mas poucos chegam lá, a cantora não deixa de lado o orgulho de quem sabe que tem talento na hora de escrever suas letras ou responder as mais diversas perguntas, como estas que vocês verão aqui.

Hoje com 32 anos, mas com uma trajetória que começou quando ela ainda era menor de idade e frequentava fascinada as batalhas de rima na Zona Sul paulistana, Drik Barbosa foi integrante do grupo Rimas e Melodias antes de seguir carreira solo. Desde então, já tocou com grandes nomes, de Luedji Luna ao sambista Péricles, passando por seu padrinho musical, Emicida. Seu primeiro disco autoral, o homônimo “Drik Barbosa” fez muito barulho na ocasião do seu lançamento, em 2019, bem como os EPs “Espelho”, de 2018, e “Nós”, de 2022.

Na última semana, Drik foi uma das estrelas musicais da Casa Clã, evento produzido pelas marcas da Editora Abril, que reuniu a Elástica e as revistas femininas Claudia, Bebê e Boa Forma a fim de celebrar o mês da mulher. Nossa convidada de honra conversou conosco sobre sua caminhada, sobre o machismo no rap e a importância de ser feminista nesse universo, e também sobre um assunto que adoramos por aqui: a reafirmação da identidade e da potência que é ser uma mulher preta fazendo arte no Brasil. Confira:

Drik, queria começar falando da sua trajetória até chegar no rap. Você canta em “Herança” que seu pai ia trabalhar com sacola nos pés para os sonhos da família não afundarem na lama. Como você começou no hip-hop e decidiu buscar o sonho da música?
Vim de uma família muito musical, era algo que sempre esteve no meu dia a dia. Eu cresci em uma ocupação, a família inteira morava ali. Meu pai e meus tios ouviam muito hip-hop, mas também havia samba, forró, outros gêneros musicais. Já me sentia familiarizada com as batidas desde criança, mesmo sem entender todo o movimento por trás. Na época, eu via meus tios cantando as letras de peito aberto, então me interessava.

Comecei a escrever algumas músicas ainda adolescente, eram letras de amor mais puxadas para o R’n’B, mas quando conheci a batalha do Santa Cruz, me inspirei para escrever em rimas e pensando em beats de rap. E, olhando em retrospecto, agora soa como se eu soubesse fazer aquilo há muito tempo. Foi uma sintonia inexplicável. Nas batalhas de rimas eu conheci a fundo o movimento, entendi a união que ele impulsiona em prol de algo bom. Me senti muito chamada.

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(Mayra Azzi / Casa clã/Fotografia)

Com suas letras, você foi uma das primeiras artistas consideradas “feministas” dentro do hip-hop. O que isso representava quando você começou, há cerca de 15 anos?
As mulheres MCs que eu ouvia naquele momento já traziam letras que falavam sobre os direitos femininos, inclusive o direito de estar no microfone. Só que, naquela época, não dávamos nomes para as coisas. Se passou a falar mais sobre o movimento feminista um pouco depois. Naquele momento, não sabia que estava fazendo letras feministas, e sim letras sobre a minha vivência como mulher brasileira que cresceu em um ambiente periférico de baixíssima renda.

Acho que, a partir do momento em que eu e outras rappers criamos consciência do que estávamos fazendo, foi um pontapé ainda maior para pautarmos esses temas dentro das nossas músicas, levar essa mensagem para o palco em momentos de fala, e até nas redes sociais também. Como eu ainda era adolescente, toda essa situação me empurrou para um espaço de adquirir mais conhecimento do que outras mulheres haviam para que eu tivesse o direito de subir no palco, me vestir da forma que eu quero, falar o que eu penso, me abrir para o mundo e respeitar meus momentos.

“O machismo afeta a estrutura da sociedade e afetou diretamente a minha jornada. Já o movimento hip-hop é feito de pessoas que precisam ser desconstruídas. Talvez, hoje, eu tivesse alcançado mais pessoas com a minha arte se eu não fosse uma mulher preta. Teria tido mais espaços para mostrar minha arte, e faria coisas com menos medo”

Drik Barbosa
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(Mayra Azzi / Casa clã/Fotografia)

O universo do rap sempre foi um pouco machista, com os grandes expoentes tendo feito letras um tanto depreciativas, mas essa situação tem mudado na última década. O machismo afetou seu trabalho?
Com certeza. O machismo afeta a estrutura da sociedade e afetou diretamente a minha jornada. Já o movimento hip-hop é feito de pessoas que precisam ser desconstruídas. Talvez, hoje, eu tivesse alcançado mais pessoas com a minha arte se eu não fosse uma mulher preta. Teria tido mais espaços para mostrar minha arte, e faria coisas com menos medo. Porque acontecem muitos assédios conosco no dia a dia e também no ambiente de trabalho. Infelizmente, existem várias questões de assédio no mundo do entretenimento. E canto sobre isso justamente para que pare de afetar não só a mim como outras mulheres, e também nossas meninas, que possivelmente se tornarão artistas também.

Você fala sobre as dificuldades de ser uma mulher preta na música, e isso afeta também estar no palco em grandes eventos e festivais. Esse mercado também é enviesado? Como você enxerga essa situação?
É uma injustiça e também uma batalha. A indústria opera dessa forma, e no Brasil sabemos que isso também tem tudo a ver com o racismo estrutural e essa falta de valorização do trabalho de mulheres pretas, da nossa contribuição à arte. Já entrei nesse ramo artístico sabendo que teria que enfrentar tudo isso, mas jamais vou normalizar isso. Estou fazendo arte justamente para lutar contra isso e para mostrar que é possível abrimos portas, assim como tantas outras mulheres pretas fizeram antes de mim.

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É muito triste olhar para o line-up de festivais e não estar lá. Quantas mulheres estão presentes cantando sua verdade ali? E não falo somente de eventos de rap, como qualquer outro, porque também é importante quebrarmos essa divisão na música brasileira. Por que elas não estão cantando? Para mim é muito claro o porquê. É uma questão de como as coisas funcionam. É algo que não me paralisa, mas que tenho que lutar contra todos os dias. E também falo de mulheres trans, indígenas, e outras tantas que até mesmo param de tentar mostrar seus trabalhos, porque a indústria nos diz que nunca vamos ocupar esses espaços. Mesmo com tanta luta, o momento da equidade ainda está distante.

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(Mayra Azzi / Casa clã/Fotografia)

O hip-hop é mais do que um estilo musical ou de vida, mas também uma rede de apoio muito forte, certo? Você tem participações com incontáveis artistas brasileiros, desde Emicida até a Luedji e o Péricles. O quanto essa rede é importante em um mercado que ainda teima a privilegiar algoritmos ao invés de boa música?
O algoritmo é um grande problema, mas também o público não parar pra pensar no que e como consomem. É uma bola de neve. Em relação às colaborações, elas me ajudaram muito a chegar neste momento em que alcancei mais ouvintes e posso trabalhar só com arte. Desde lá do início, quando os amigos das batalhas me chamavam para cantar nas músicas deles até os grandes nomes com quem tenho a possibilidade de trabalhar hoje. Foi um caminho construído para que eu consiga apresentar minha música para essas pessoas e elas se identifiquem e queiram trabalhar comigo também.

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(Mayra Azzi / Casa clã/Fotografia)

Sua geração tem revolucionado o hip-hop. Houve uma evolução de sonoridades e uma enorme variedade de temáticas nas letras. O quanto a diversidade de gênero e, de certa forma, o fato de São Paulo não ser mais o único polo produtor do estilo musical, contribuíram para essa mudança bem-vinda?
Entendo quando os integrantes da velha guarda criticam os caminhos que o rap tomou, principalmente porque falta um pouco de consciência nas pessoas que estão conhecendo o movimento hip-hop agora. É preciso entender que existe uma base por trás, e que também é um estilo de vida. Para quem faz rap, é importante mantermos a consciência. É isso que mantém a cena viva.

Ao mesmo tempo, existe um conservadorismo de muitos homens mais velhos do rap, e pontuo que são homens mesmo porque é isso. Encontro com esses caras em festivais e eles ficam me olhando com uma cara de o que essa garota vai fazer aqui com essa roupa? O que ela vai falar no palco? É minha intenção mudar essas cabecinhas também, quero que elas se abram, e não que o cara venha depois do show apertar minha mão e dar parabéns.

O rap, por muito tempo, foi a única ferramenta de expressão que essas pessoas têm, principalmente esses homens que poderiam ter crescido em um ambiente muito mais violento do que já é, mas que seguiram o caminho da música. Esses músicos têm medo de perder aquilo. Mas já está na hora de abrir a cabeça e ver que as coisas mudaram para melhor.

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Como estou há muito tempo na cena, acho que também é meu papel levantar essa pauta. É preciso mudar as coisas, mas também respeitar aquilo que foi pavimentado para que chegássemos até aqui.

“É muito triste olhar para o line-up de festivais e não estar lá. Quantas mulheres estão presentes cantando sua verdade ali? E não falo somente de eventos de rap, como qualquer outro, porque também é importante quebrarmos essa divisão na música brasileira. Por que elas não estão cantando? Para mim é muito claro o porquê. É uma questão de como as coisas funcionam”

Drik Barbosa
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(Mayra Azzi / Casa clã/Fotografia)

Recentemente, você falou nas suas redes sociais sobre as dificuldades de se expressar em público e o medo de ser mal interpretada. Pode falar um pouco sobre a questão da auto estima da mulher preta no Brasil?
É natural que coloquemos os artistas que gostamos em um pedestal, né? Às vezes, esquecemos da humanidade dessas pessoas, e isso acaba nos distanciando delas. Eu sempre usei minhas redes para mostrar para os outros que sou uma pessoa comum, e inspirá-las nisso.

Recentemente, escrevi sobre como esse momento pós-quarentena tem sido importante para mim. É um momento de reencontro comigo mesma, mas também de entender novos caminhos que quero trilhar. Foi algo sem pensar, e aí você sabe como a internet é um ambiente tóxico. Não é sempre que faço esse tipo de desabafo porque tenho receio de ser mal interpretada, e não tem a ver com medo de ser cancelada, mas sim com a questão de ser uma mulher preta. E então fiz outro post.

Meninas pretas crescem com muita insegurança, e sendo muito oprimidas para falar como se sentem, e também no trabalho, nos relacionamentos amorosos, e de outras formas. Quando nos tornamos adultas, passamos por um processo muito longo de encontrar essa auto estima e a coragem de falarmos sem medo da reação dos outros.

São discussões muito necessárias, principalmente porque as pessoas das redes sociais não passam pelas mesmas coisas que nós. E, sim, tem tudo a ver com uma pessoa preta. Talvez, se não fosse preta, eu seria de outra forma.

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(Mayra Azzi / Casa clã/Fotografia)

O rap é um lifestyle e tem seus próprios códigos na moda. Você falou sobre sua maneira de se vestir, por isso quero saber se você tem vontade de trabalhar também com essa arte.
Sim. Para mim, a moda anda lado a lado com as questões raciais e sociais. Depois da música, foi ela quem também me trouxe mais perto para o universo do hip-hop. Eu mudei minha forma de me vestir, e isso melhorou minha auto estima. Antes, eu me escondia para não sofrer violências. Alisava meu cabelo sem ter a consciência de que eu poderia alisar se eu quisesse. Eu só fazia aquilo para não ser alvo de julgamentos e preconceitos. E era o mesmo com a minha roupa. A mesma que eu usava no trabalho, era a de ir para a escola, e também para cantar. Eu não queria chamar a atenção, me escondia debaixo delas. Isso demorou muito para mudar, mas que me libertou.

Recentemente, fiz uma coleção em colaboração com o Laboratório Fantasma. Ela era inspirada na minha música “Quem tem, joga”, com cores no preto, amarelo e roxo. São peças para o dia a dia, mas que servem para montar looks para sair. Talvez eu faça outra em breve, mas estou entendendo minha identidade neste momento.

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(Mayra Azzi / Casa clã/Fotografia)

Você lançou o EP Nós no ano passado depois de um grande álbum de estreia em 2019. Quais seus planos para esse ano, tem materiais novos, turnê?
Estou pensando. Quero lançar muitas músicas, mas também estou sentindo que estou no ritmo de pegar no tranco de novo neste pós-quarentena. Os shows voltaram no ano passado, estou começando a rodar outros estados. Então, agora não tenho definido um álbum. Tenho um bloco de ideias que está sendo alimentado, mas o principal é continuar rodando com esse show. Disco, talvez, só em 2024.

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