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A vida em seus métodos diz calma

A jornalista Helena Galante reúne lições que aprendeu com dois anos do podcast “Jornada da Calma” em novo livro

por Artur Tavares Atualizado em 5 nov 2021, 12h18 - Publicado em 4 nov 2021 01h05
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(Clube Lambada/Ilustração)

A vida em seus métodos diz calma
Vai com calma, você vai chegar
Se existe desespero é contra a calma, é
E sem ter calma nada você vai encontrar”

Em 1975, o brasileiro Di Melo escreveu uma das letras mais bonitas da música nacional. Na canção, Melo fala sobre a ansiedade da vida mundana, e como isso pode ser um problema para nossos cotidianos sempre tão ocupados.

A ansiedade do ser humano é um mal antigo, tão inerente à sua existência quanto sua própria consciência. O saber traz preocupações, e estas trazem sentimentos horríveis e desreguladores das nossas funções mais básicas. Dos ensinamentos yogues passando por praticamente qualquer guru, xamã ou sábio da atualidade, a serenidade de uma respiração tranquila, a mente atenta e a meditação são as principais armas contra esse estado constante de impermanência.

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Repórter da Veja São Paulo por mais de uma década, atual editora-chefe da revista Boa Forma, e uma das melhores colegas de profissão que já tive, Helena Galante está desde junho de 2019 em uma Jornada da Calma. Assim mesmo, em maiúsculas, pois trata-se do nome de seu podcast, uma conversa semanal com pessoas das mais diferentes áreas da cultura, da ciência, da medicina e da espiritualidade sobre caminhos para se viver melhor através do desacelerar.

Depois de atingir a impressionante marca dos 100 episódios – que agora já chega perto dos 130 –, Helena decidiu escrever um livro para transmitir as lições que tem aprendido, cujo lançamento acontece no final de outubro pela editora Mapa Lab: “O Jornada da Calma veio de um processo interno de busca. Em 2018, começamos a publicar na Veja São Paulo uma coluna chamada ‘A Tal Felicidade’, que já era um assunto muito importante para mim, porque se for para viver, é para ser feliz. Quando comecei a entrevistar pessoas sobre felicidade, percebi que havia um universo que eu não sabia que existia, tantas pessoas incríveis falando sobre o tema.”

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Helena e eu dividimos diferentes jornadas da calma que impactaram positivamente nossas vidas pessoais e profissionais. Nós conversamos sobre a sua publicação:

Você sempre foi uma jornalista que cobriu a cidade de São Paulo, quando te conheci você escrevia muito sobre gastronomia. Como foi criar um podcast pra falar de bem-estar e mindfulness?
Veio de um momento em que eu estava. Acho que sempre tive uma coisa muito forte com prazer, e que a vida tem que ser boa. Temos que viver para aproveitar a vida em todas as esferas possíveis. Ter ficado dez anos na gastronomia – a Veja São Paulo foi meu primeiro estágio e emprego –, me ajudou a desenvolver a ideia de que temos muito para aproveitar da vida.

Era numa coisa mais hedônica, mas me fez perceber que contávamos sobre restaurantes e experiências, e quando as pessoas visitavam os lugares, tinham momentos completamente diferentes, e ouvi muitos relatos de como as pessoas se sentiam, mais do que sobre a comida em si. Comecei a entender como sua cabeça e coração acabam definindo como é a experiência de vida que você tem.

“Se for para viver, é para ser feliz. Quando comecei a entrevistar pessoas sobre felicidade, percebi que havia um universo que eu não sabia que existia, tantas pessoas incríveis falando sobre o tema”

Depois, passei um tempo escrevendo sobre cultura, e acho que é muito bom para abrir a cabeça sobre como é sua relação com os outros, entender que existem universos muito diferentes, e como cada um lida com as coisas é muito influenciado tanto por experiências sociais como emocionais. Acho que sempre questionei um pouco.

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O Jornada da Calma veio, enfim, de um processo interno de busca. Em 2018, começamos a publicar na Veja São Paulo uma coluna chamada “A Tal Felicidade”, que já era um assunto muito importante para mim, porque se for para viver, é para ser feliz. Quando comecei a entrevistar pessoas sobre felicidade, percebi que havia um universo que eu não sabia que existia, tantas pessoas incríveis falando sobre o tema.

Mas, quando comecei a conversar com os entrevistados, percebi que muitas vezes as experiências eram mais enriquecedoras do que o próprio texto. Não que o texto não fosse legal, mas a conversa em si é a maior das ferramentas. Então, quando sugeri o podcast, foi pensando nisso, conversar de verdade, de pessoa para pessoa, e não de jornalista para entrevistado. Se conversarmos entre nós, abrirmos mais espaços de fala e, principalmente, de escuta, talvez consigamos melhorar só por isso.

Foi uma ideia ingênua, até inocente, não sabia muito qual ser a receptividade, nem a possibilidade de transformação real que um podcast teria. Depois de dois anos, acho que dá pra dizer que, conversando, podemos realmente nos ajudar muito, ampliar muito a mente. Hoje, vejo que dá para fazer transformações no mundo se você se permitir esse lugar de conversa sem defesas, desarmado, e buscar entender o ponto de vista do outro, e colocar seu ponto de vista de forma afetuosa também.

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(Mapa lab/Divulgação)

Desde que o podcast começou, foi uma jornada e tanto, né? Mais de 100 episódios, as personalidades mais importantes do país falando sobre diversos aspectos da vida. Depois de tanto tempo, dá pra dizer que o tema é sempre necessário e inesgotável?
Isso de ser uma jornada… quando pensei no nome, não fazia ideia que confiar no caminho fazia tanto sentido, acreditar que as coisas vão se construindo no caminho, e que é menos sobre a chegada do que sobre o trajeto. É clichê, mas é real.

Uma coisa que fui aprendendo caminhando, jornadeando com as outras pessoas, é que é importante ter referências – entrevistar Mario Sérgio Cortella, Leandro Karnal, Selena Galvão, Monja Coen; Satyanātha, nosso primeiro, que fala sobre dar pra ser 2% mais monge –, mas o Jornada da Calma não é só os líderes espirituais ou grande estudiosos. Também têm cantores, empresários, pessoas que são desconhecidas, poetas, mas quando olha o jeito que eles levam a vida, tem o que se aprender ali. Então, por isso acho que é inesgotável, porque todo mundo é um grande nome. Essa sabedoria de vida, todo mundo tem.

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Você está 2% mais monja na sua vida?
[risos] Sim! Eu fiquei 2% mais monja, estou conseguindo lidar com tudo. O Jornada é anterior ao cenário pandêmico, começou em junho de 2019. Houve uma mudança, tínhamos entrevistas presenciais no estúdio, e agora gravamos remotamente, e intermediado por telas, assim como todos os outros relacionamentos. Mas, não deixou de trazer aprendizado. A cada semana, saio com algo do encontro. Sinto que os ouvintes também saem e aprendem alguma coisa, se sentem mais acompanhados.

“Eu fiquei 2% mais monja, estou conseguindo lidar com tudo. A cada semana, saio com algo do encontro. Sinto que os ouvintes também saem e aprendem alguma coisa, se sentem mais acompanhados”

Acho que tem um sofrimento muito grande na sensação de solidão que todos nós enfrentamos. E, esse sofrimento não vem necessariamente de estarmos sozinhos em casa, ou sem alguém do lado, e sim de não se sentir compreendido, de não poder falar sobre o que sentimos. É um espaço de exposição muito vulnerável, num sentido de ser um lugar em que você pode falar das suas fragilidades e dificuldades no meio do caminho, mas também de força, porque quando você descobre que tem outras pessoas vivendo essa mesma jornada, se fortalece nisso.

Então, sinto que a cada semana rola uma mudança. Não sei se chego a 100%, mas sempre dá para mudar um pouco, melhorar um pouco, e não acho que isso seja uma obrigação nossa, mas acho que é um direito. Acho que podemos viver mais calmos, podemos desfrutar de uma mente mais quieta, mais serena para lidar com as coisas.

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(Mapa lab/Divulgação)

Me conta um pouco do livro. Como foi a ideia de juntar os episódios do Jornada na Calma e oferecer ao público nesse formato?
Nem faria sentido uma transcrição na íntegra, porque ficaria muito longo, e o fluxo da conversa é diferente ao da escrita. Na verdade, o livro é meio como um mapa. Falo sobre 8 caminhos que descobri que eram comuns. Para mim, foi um pouco uma surpresa, porque as pessoas são muito diferentes, então a própria convergência para mim foi um susto. Mas depois fez sentido, porque de fato as coisas são da sabedoria popular, da filosofia, dos caminhos do autoconhecimento.

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Como esses entrevistados convergem?
Muitos entrevistados têm em comum o desejo de mudar o mundo. São pessoas que entenderam que nós vamos mudar o mundo, um nós maior que a comunidade humana. É uma mudança urgente, pra ontem, e justamente por ser urgente tem que ser feita com calma. Se fizermos na correria, vamos estagnar, ou ir mais fundo no buraco. Então, eles compartilham esse sentimento de que com calma tomamos decisões melhores e promovemos mudanças mais efetivas.

Sinto, na minha vida, que o medo é um sentimento que sempre aparece na hora de tomar certas decisões. Medo das coisas simples, desse ser jornalista no Brasil de hoje, pela pandemia, pela rotina… Quais são as emoções que dificultam essa jornada da calma?
Eu estudo “Um Curso em Milagres”, é um ensinamento muito transformador e importante. O que diz ali é que tudo é amor ou medo. Só que o medo é a ausência de amor. O grande desafio é lidar com o medo, e entender que o amor é real. A gente vive com muito medo porque desacostumou com a gentileza, com a ternura, com o afeto. Parece que o amor no mundo é sempre comprado, é uma troca por outra coisa, é sempre uma barganha. E, no fim, a natureza humana é amor.

“Muitos entrevistados têm em comum o desejo de mudar o mundo. São pessoas que entenderam que nós vamos mudar o mundo, um nós maior que a comunidade humana. É uma mudança urgente, pra ontem, e justamente por ser urgente tem que ser feita com calma”

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(Alexandre Battibugli/Divulgação)

O que você descobriu sobre si mesma e sobre bem-estar durante todo esse tempo de podcast?
Tiveram muitos momentos. Eu fico emocionada desde o começo, e tento não deixar isso na forma. Tem vezes que falo muito rápido, outras que falo devagar, vezes que falo muito e outras que não falo nada, e a dinâmica está ali. O que mexeu comigo é que as pessoas são boas, e às vezes esquecemos disso, ficamos amargurados no mundo porque não olhamos para o quanto as pessoas são boas ou capazes de bondade.

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