Se você já ouviu Liniker cantar, sabe a potência de sua voz e de sua poesia. Suas canções falam não só sobre sua própria história, mas também refletem temas que envolvem a sociedade. O afeto e as transformações cotidianas passam por suas melodias – que vão do jazz ao samba.
Na última quarta-feira, 8 de março, a cantora fez um show intimista na Casa Clã, evento produzido pelas marcas da Editora Abril que reúne a Elástica e as três revistas femininas Claudia, Bebê e Boa Forma a fim de celebrar o mês da mulher – refletindo os desafios do cotidiano e a potência feminina. Durante a apresentação, ela contou que desde a infância é rodeada por música e grandes cantores da MPB.
Nascida em Araraquara, no interior de São Paulo, a compositora comenta a importância da rede de apoio no momento em que vivemos a era da exposição : “As pessoas viram uma artista se transformando e num movimento interno muito pessoal de uma carreira que se nascia, transição de gênero e mudança de vida”, diz à Elástica. “Foi preciso ter uma rede de apoio para entender para onde minha fecha estava me guiando.”
Entre suas conquistas está o posto de primeira artista transgênero brasileira a vencer um Grammy Latino. Em 2022, ela levou o prêmio de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira com o álbum Indigo Borboleta Anil. “Sou uma cantora, compositora, atriz brasileira. Hoje algo histórico acontece na história do meu país. É a primeira vez que uma artista transgênero ganha um Grammy”, afirmou na ocasião, sem segurar as lágrimas. Abaixo, confira o papo completo:
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Você encontrou a si mesma na era digital. Fez experimentações musicais, atuou e também falou bastante sobre identidade de gênero. Como é vivenciar todas essas experiências aos olhos do público?
É muito desafiador porque é um processo muito invasivo. As pessoas viram uma artista se transformando e num movimento interno muito pessoal de uma carreira que se nascia, transição de gênero e mudança de vida. Foi preciso ter uma rede de apoio para entender para onde minha flecha estava me guiando. Sou muito feliz por esses anos e por perceber as construções que me fizeram chegar onde estou profissionalmente e as portas que abri ao longo do caminho. Esse é um desafio em movimento, acho que é contínuo e não vai parar nunca.
As pessoas viram uma artista se transformando e num movimento interno muito pessoal de uma carreira que se nascia, transição de gênero e mudança de vida
Liniker
Além da sua carreira solo, você já gravou com Anelis, Luedji, IZA, Linn da Quebrada, Jup, Urias e tantas outras mulheres artistas… Como essas parcerias são fundamentais para vencer não somente um mercado machista como algoritmos cada vez mais ferozes?
Essas parcerias movimentam tudo o que disseram que a gente não poderia fazer: existir, criar, se colocar, ter voz… Todas as parcerias que fiz com essas mulheres me deram força para que, dentro do meu processo, eu consiga ter um pouco de esperança. Sabemos como é difícil ficar desestimuladas, tanto pelos tropeços que a gente dá, quanto pelos caminhos que tentam atrapalhar. Ver uma geração de cantoras e compositoras que estão vivendo e escrevendo suas histórias é muito inspirador.
É muito legal ver sua carreira decolando e conquistando diferentes espaços. Foi de vocalista de Liniker e os Caramelows a vencedora do Grammy Latino e um dos nomes mais cotados em grandes festivais. Falando de rede de apoio, de que forma esse alcance também abre espaço para outras artistas brasileiras?
Sou uma artista que está muito afim da troca. Entendo que a troca enquanto processo criativo é o que me nutre e me compõe enquanto artista. Poder o tempo inteiro vivenciar experiências com outras mulheres é extremamente incrível. Já trabalhei produzindo com Mahmundi, Tássia Reis, Tulipa Ruiz e é algo muito doido. No meu disco Indigo Borboleta Anil, assino a produção conjunta – e isso me deu um poder muito grande enquanto mulher de saber que eu posso ir. Notei que posso ocupar qualquer lugar e fazer coisas excelentes. O que a gente precisa mesmo é espaço.
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No meu disco Indigo Borboleta Anil, assino a produção conjunta – e isso me deu um poder muito grande enquanto mulher de saber que eu posso ir
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A poesia, a sonoridade e a inovação marcam sua música. De que forma suas produções te ajudam a refletir sobre si mesma e a sociedade?
Eu já mudei tanto desde que comecei… Quando eu ouço meu primeiro EP, o Cru, depois o Remonta, depois o Goela Abaixo e já pensando num próximo processo, é muito curioso porque minha poesia é muito rotativa e isso vai me fazendo mais viva enquanto artista e ser humano. A música é um grande poder, então é preciso cuidar para saber avançar casas – estou num momento de extremo zelo com a minha canção e, mesmo assim, aberta ao risco.