restes a terminar a construção do INTEGRAL, a primeira nave espacial colonizadora terrestre, o cientista D-509 começa a redigir um diário que será transmitido às gerações passadas da humanidade, o registro de uma utopia que levará sua fundamentação ideológica e perfeição para os diversos confins da galáxia. A reeleição do Benfeitor – eterna e unânime – está marcada para acontecer apenas alguns dias antes do lançamento do foguete, consagrando a paz que o planeta vive após uma guerra mundial que durou 200 anos. Mas, D-509 se apaixona, e o desejo pode colocar tudo a perder.
Escrito entre 1920 e 1921 na recém-formada União Soviética, o romance Nós, de Yevgeny Zamyatin, é considerada a primeira história da ficção científica a abordar distopias totalitárias, um gênero que foi eternizado no ocidente por Aldous Huxley e George Orwell, respectivamente com Admirável Mundo Novo e 1984. Considerado subversivo pelos comunistas, o livro foi censurado no país até 1988, quando a Rússia se reabriu, mas durante os 60 anos de proibição foi publicado em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil.
Em Nós, Zamyatin imagina uma sociedade regida pelo Estado Único. Trata-se de um povo sob vigilância eterna. Todas as edificações são de vidro, e os cidadãos só têm autorização para fechar suas persianas para transar. Ninguém tem nome, apenas identificações alfanuméricas. Os homens têm siglas que se iniciam com consoantes, enquanto as mulheres têm siglas que começam com vogais. As relações sexuais são não-monogâmicas, definidas por padrões, e apenas mulheres com determinado biotipo podem reproduzir. Não há nem pais nem mães. A partir do nascimento, todas crianças são tomadas pelo governo.
Crítica dura à Revolução Industrial e aos regimes políticos totalitários, sejam eles de direita ou de esquerda, Nós imagina ainda uma sociedade baseada na lógica matemática. Os cidadãos não passam de algoritmos de uma equação que torna o Estado Único perfeito. Sem exceção, todos acordam no mesmo horário, trabalham no mesmo horário, têm folga no mesmo horário. Todos os garfos sobem com alimento às bocas ao mesmo tempo, e cada pedaço de nafta, a única comida disponível, é mastigado 15 vezes antes de ser engolido. Todos caminham uniformizados – são denominados “unifs” – em linhas de quatro em quatro, assistem às apresentações culturais e declarações políticas sentados em anéis circulares. A única arte produzida é pró-regime, e qualquer elemento subversivo é executado em praça pública. Não há, no entanto, espetáculo, já que absolutamente ninguém se importa em parar para assistir à morte.