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O futuro (do pagode) é feminino

Quebrando paradigmas de um gênero sempre tão masculino, Marvvila desponta para resgatar as tardes de cerveja e churrasco em galera

por Artur Tavares Atualizado em 14 set 2021, 20h40 - Publicado em 12 set 2021 23h27
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(Clube Lambada/Ilustração)

tempo das canções inesquecíveis do pagode parecia ter ficado para trás. Dos tempos áureos do “Pimpolho”, de “Lua Vai” e de “Cheia de Manias”, o que restava em nossos corações era nostalgia e saudades. De tudo que estávamos esperando de 2021, com certeza uma delas não era o revival do gênero musical. Mas então a gravadora Warner Music anunciou a contratação da cantora Marvvila como sua nova estrela.

Garota do subúrbio fluminense, de apenas 22 anos, Marvvila teve jornada meteórica. Participou do The Voice Brasil quando ainda era menor de idade, uma menina que aprendeu a cantar desde muito cedo na igreja, mas que, na malandragem da maioridade, percebeu que cair no samba era melhor do que o louvor.

Dona de uma voz rara, verdadeiramente potente, bem treinada e harmônica, Marvvila é aquele tipo de estrela que um dia será gigante, goste você de pagode ou não (e quem não gosta?). Enquanto ela desponta, hoje, precisa debater o óbvio de um Brasil completamente machista: nunca houve grandes cantoras no gênero, embora outras vertentes do samba, como o partido-alto, sempre tenham abraçado as mulheres, ainda que por uma proximidade com terreiros e escolas carnavalescas. Confira nosso bate-papo:

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(Alex Santanna/Divulgação)

Você canta desde muito jovem, começou na igreja e nunca parou. Participou do The Voice Brasil com 16 anos e hoje já deixou de ser promessa pra ser uma realidade no mundo do samba. Queria começar te perguntando: como você se sente tendo uma das vozes mais potentes e incríveis dessa geração?
Para mim, é uma responsabilidade muito grande. Estou desde muito nova na luta. Ainda sou nova, estou aprendendo, mas fico feliz em saber que conquistei meu espaço e me tornei referência para algumas pessoas.

Desde o colégio, sempre sonhei em ser cantora. O The Voice foi o primeiro momento que comecei a enxergar um futuro, de verdade. Eu era muito pessimista. Cantava, mas sempre com aquela cabeça de ter que pensar em outra coisa para viver. Depois que pisei naquele palco, que é para o Brasil inteiro, e tive contato com profissionais que eram referência para mim, passou a ser uma realidade para mim.

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(Alex Santana/Divulgação)

Então, fiz 18 anos, e só depois da maioridade deixei de ser muito presa pelos meus pais. Decidi sair de casa, porque até então eu cantava na igreja. Queria ir para a noite, viver disso. Saí e comecei a ir nos pagodes. Chegava com alguém e meus amigos sempre davam um jeito para eu cantar. Era tudo na raça, e naquele momento as bandas eram todas masculinas. Vi que as pessoas aprovavam muito, que havia um orgulho pela representatividade feminina.

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Agora, assinei com a Warner há pouco tempo, e foi a realização de um sonho. Aconteceu no meio da pandemia, nem conseguimos fazer aquela comemoração com champanhe, mas foi muito especial para mim. Eu estava com medo pela minha carreira quando tudo aconteceu, sem saber como daria andamento para meu trabalho, mas acabou acontecendo essa coisa maravilhosa.

Você falou sobre representatividade, e de fato você é uma mulher jovem numa cena que antes foi completamente dominada por homens, enquanto a mulherada cantava partido alto ou outras formas mais tradicionais de samba. Como você se sente tendo que falar sobre representatividade quando esse assunto já nem deveria existir?
Eu e outras mulheres do gênero nunca entendemos direito o porquê de ser assim. Já estamos atualizados em tantas outras coisas, o samba tem muitas cantoras que nos inspiram, e quando vamos nos pagodes eles são dominados por homens, e mesmo aqueles da nova geração.

As letras que os homens cantam no pagode sempre falam de eles terem cansado, de quererem ir pra gandaia, mas a mulher também quer cantar sobre isso. E, quando era eu ali no palco, na plateia elas aplaudiam, incentivavam, sentiam que tinha alguém cantando para elas. Isso me motivou a continuar, com certeza.

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A representatividade feminina alcançou outros gêneros, como o sertanejo. E, enquanto o feminejo tem letras muito específicas, no pagode não tem muito pra onde correr, não é? As temáticas são as mesmas?
O pagode é um misto de coisas. Uma hora, tu sofre falando que não quer esquecer a pessoa. Depois, do nada, você nunca mais quer ver a cara da pessoa, prefere ir para a noite beber. É uma loucura. O pagode é feito disso. [risos] Já no sertanejo, muitas mulheres, como a Marília Mendonça, que eu me inspiro muito, escreviam os sucessos dos cantores. Acho muito bom que, de repente, elas vieram com os pés na porta e estão aí. Agora, o sertanejo está completamente dominado por mulheres, como Maiara e Maraisa; Simone e Silmara, que faziam backing vocal para outros cantores. Por muito tempo, acho que havia um medo no pagode, das mulheres que estão na mesma luta que eu, e que se prendiam um pouco.


“Fico de bobeira em como o pagode hoje em dia abraça todos os públicos. Recebo mensagens e vídeos de crianças cantando minhas músicas, pessoas mais velhas, todas as idade mesmo. Já cantei em lugares que um público mais idoso disse o quanto eu era demais. Estamos abraçando todo o público, até porque todo mundo gosta de pagodear”

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(Alex Santanna/Divulgação)

Minha geração cresceu com o pagode nos anos 1990, mas o gênero perdeu muita força desde então. Você é super jovem, te ouvir soa quase como um resgate das músicas da minha infância. Quem são seus fãs? São jovens ou a galera nostálgica, que nem eu?
Fico de bobeira em como o pagode hoje em dia abraça todos os públicos. Recebo mensagens e vídeos de crianças cantando minhas músicas, pessoas mais velhas, todas as idade mesmo. Já cantei em lugares que um público mais idoso disse o quanto eu era demais. Estamos abraçando todo o público, até porque todo mundo gosta de pagodear, gosta de sofrer. Desde que sou garotinha, sofro pelos meus crushs [risos]. Pagode também é uma coisa de estado de espírito. Tem dias que pedem um pagode. Se tiver um dia de sol, e a pessoa quiser tomar uma gelada, pode nem ser o gênero preferido da pessoa, mas um pagode cai bem.

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O Brasil é muito grande e muito diverso e, mais uma vez falando sobre representatividade, nós estamos conversando porque você acaba de lançar uma música com o Di Propósito, um grupo de Brasília. Como tem sido a repercussão?
Batemos um milhão de views em apenas uma semaninha [agora, já são mais de 2,2 milhões]. Foi muito legal, porque os meninos já eram meus amigos, já tínhamos afinidade musical. Assim como eu, eles estouraram na pandemia. E, essa música… bom, já disse que gosto de sofrer, né? Mas todas as canções que estavam saindo tinham essa pegada de sofrência, e queria trazer outra vibe para essa.

Foi minha primeira música com participações especiais, mas agora já estamos preparando outros encontros. Tem muita coisa legal pra fazer as pessoas beberem, ou então chorarem [risos]. Estamos planejando um projeto cheio de participações de pessoas que são referência para mim. Sai ainda esse ano.

E falando em sofrência, como está seu coração hoje?
O passarinho aqui é solto, mas está apaixonado [risos]. Encontrei um outro passarinho que gosta de voar junto comigo. Estou muito feliz, vivendo muito bem. Ele gosta de pagode, me apoia muito! Se não gostar, nem vem! Estamos voando muito bem.

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