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A cena é delas

Casal de mulheres trans e DJs de tirar o fôlego, Octo Octa & Eris Drew desembarcam no Brasil por mais inclusão na cena eletrônica

por Artur Tavares 28 mar 2022 00h09
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(Clube Lambada/Ilustração)

or aqui, nós não cansamos de falar. A cena eletrônica não é posse dos homens brancos, embora por muito tempo fomos condicionados a pensar assim. Gostamos da pista de dança como ela deve ser, diversa, inclusiva, feita para todos. À noite, todos os gatos são pardos, já diria o ditado, e é melhor que seja assim.

No próximo dia 2 de abril acontece em São Paulo a primeira edição do Festival Gop Tun, que terá no line-up quase 50 artistas divididos em 4 palcos, uma rave de 20 horas pra frito nenhum botar defeito. É para todes, sem exceção. Dos tradicionais ritmos como house music e techno, passando por sons regionais como o kuduro angolano e o funk brasileiro, a festa terá no comando das pick-ups uma profusão de corpes.

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Entre as atrações principais estão Octo Octa & Eris Drew, duo de mulheres trans americanas que têm paixão não apenas pela música, mas uma pela outra. O casal desembarca por aqui para um set de house e breakbeats totalmente em vinil, uma ode ao passado e uma bem-vinda observação dos tempos atuais. Nós conversamos com elas:

Olá! Obrigado por nos conceder essa entrevista. Gostaria de começar apresentando vocês duas para nossa audiência. Vocês estão tocando house, disco e breakbeat há bastante tempo. Como descobriram que queriam viver de música?
Eris: Para mim, a música é paixão. Os trabalhos que eu tinha eram apenas para sobreviver e comprar equipamentos. Queria passar o máximo de tempo possível fazendo música. Investi mais de vinte anos na produção musical e aprendendo a discotecar antes de conseguir fazer dinheiro com isso.

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Maya: Foi o mesmo comigo. Sempre encarei a música como a minha arte. É o meio no qual consegui finalmente expressar a mim e minhas ideias. Nunca pensei que a música seria o trabalho que pudesse sustentar minha vida, e hoje sou muito grata por ter alcançado isso.

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(Desmond Picotte/Fotografia)

Vocês tocam juntas desde 2018, e sei que além da parceria artística, vocês também são um casal. A paixão aconteceu na pista de dança? O que esse relacionamento trouxe para a música de vocês depois que começaram a tocar juntas?
Eris: Nos apaixonamos enquanto andávamos por aí no meu carro, eu acho. Conheci a Maya quando era motorista para a Smart Bar. Ela já era realizada, e eu achava ela muito legal, então queria conhecê-la. Aceitei o trabalho de motorista e o resto é nossa história. Ligamos o rádio tão alto quanto dava e dançamos nos bancos do carro enquanto as luzes da cidade ficavam para trás, e meu subwoofer estourou. No fundo, eu sabia que já a amava.

Maya: Sou muito feliz por Eris ter aceitado o trabalho de motorista! Imediatamente, soube que ela era a garota mais legal que eu já tinha conhecido. Esse dia acabou comigo querendo estar desesperadamente com ela, mas ainda demorou um ano até que começássemos uma relação amorosa. E, assim que aconteceu, passamos a querer tocar juntas também. Ela é a melhor DJ que já ouvi na vida!

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A cena eletrônica começou no underground, sempre recebendo bem todo mundo nas festas e festivais, mas em meados dos anos 1990 os produtores ficaram gigantes e muito pop, e aí a cena migrou para a mão de produtores homens e brancos. Aqui no Brasil, essa era nossa realidade até poucos anos atrás, até que saímos dos nightclubs e passamos a retomar as ruas. Podem me dizer como vocês percebem essa trajetória, do ponto de vista de duas mulheres trans?
Eris: Comecei a tocar em 1995. Os homens sempre controlaram a cena, mesmo na terra natal da house music, Chicago, que também é de onde vim. A música e a cena de onde eu vim era latina, preta e queer. Não uma coisa ou outra, mas todas essas identidades. Foi brutal, ao longo dos anos, assistir esses homens brancos heterossexuais exercerem domínio sobre a música e lucrarem tão enormemente. Mas existe um contra movimento muito forte e poderoso.

Maya: Eris está absolutamente correta. Existe um movimento enorme da comunidade nesses espaços para tomar o poder das mãos dos homens brancos e distribuí-lo através de materiais informativos, workshops, noites temáticas. E acho que veremos em breve uma maior diversidade nos donos de casas noturnas e promotores de evento. O acesso é apenas o primeiro passo, porque a economia precisa beneficiar as comunidades marginais para que haja uma mudança realmente sustentável.

“Os homens sempre controlaram a cena, mesmo na terra natal da house music, Chicago, que também é de onde vim. A música e a cena de onde eu vim era latina, preta e queer. Não uma coisa ou outra, mas todas essas identidades. Foi brutal, ao longo dos anos, assistir esses homens brancos heterossexuais exercerem domínio sobre a música e lucrarem tão enormemente”

Eris Drew
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Estamos sempre exigindo mais respeito e direitos para os negros e para a comunidade LGBTQIA+, mas acredito que isso não é possível se não colocarmos em prática por nós mesmos. Por isso, acho que as pistas de dança ao redor do mundo estão fazendo muito em prol das causas sociais. Acha que podemos dizer que a música eletrônica hoje transcende a música, tendo se tornado um instrumento político poderoso?
Eris: Concordo. Sempre foi um instrumento político, desde a primeira gravação disco tocada por Nicky Siano até o último breakbeat gravado por Eris Drew. Em quantos outros contextos você vê mulheres transgênero poderosas sendo celebradas não como objeto, mas como mestras da técnica, como artistas sérias? Não muitos. Sou muito grata por estar em uma cena que teve um impacto profundo na minha vida.

Maya: Absolutamente. É importante continuar a usar a música como instrumento político. Há progresso nas pistas de dança, mas não em todas elas. Eventos corporativos e festivais ainda são big money e continuarão fazendo o mínimo esforço possível para continuar em suas áreas de negócio. Todo mundo precisa continuar fazendo pressão.

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(Desmond Picotte/Fotografia)

Hoje em dia, estamos vendo aqui no Brasil algumas ações afirmativas em prol dos transexuais nas festas eletrônicas. Os promoters estão contratando mais funcionários trans, a audiência ganha descontos nos ingressos ou entra de graça, mas tudo isso desaparece quando o underground chega longe. Que tipos de ações devemos ter como público e como produtores de festas para sustentar essas ações afirmativas e não cair em pinkwashing?
Maya: Continuar a contratar, treinar e oferecer acesso a transexuais. Continuar a colocar artistas trans no line-up junto com artistas cis. Insistir em normalizar a nossa existência nesses espaços. Nossas vidas são difíceis porque continuamos a ser vistas como os outros, e não precisa ser assim. Só queremos poder viver como todo mundo..

Eris: Se aliar a trans não nos mantêm às margens. Celebrar nossas vidas abertamente em todos os contextos, não apenas nas pistas de dança. Como vocês falam conosco quando não estamos por perto importa. Lutem pelos transexuais sempre. Acreditem quando dizemos que precisamos ser felizes e vivermos seguros.

“É importante continuar a usar a música como instrumento político. Há progresso nas pistas de dança, mas não em todas elas. Eventos corporativos e festivais ainda são big money e continuarão fazendo o mínimo esforço possível para continuar em suas áreas de negócio. Todo mundo precisa continuar fazendo pressão”

Maya Bouldry-Morrison
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É a primeira vez de vocês no Brasil? O quão familiares vocês estão com artistas brasileiras trans? Pretendem tocar alguma música de artistas trans locais, ou será um live set completo? O que podemos esperar para o festival?
Ambas: Essa é nossa segunda vez no Brasil, a primeira delas juntas. A Eris tocou com o Teto Preto, eles são incríveis! Admiramos muitas artistas brasileiras, como Julieta Malka, Valesuchi, BADSISTA, Cashu, Valentina Luz, Amanda Mussi, Sheefit. Amamos a música e estamos ansiosas para nos conectar com mais artistas regionais durante a viagem, e definitivamente vamos às compras quando estivermos aí. Para nosso set, podem esperar breaks e house totalmente em vinil, muita coisa dos anos 1990, mas não apenas isso. As emoções irão a mil. O set será técnico, psicodélico, poderosamente rítmico, com uma narrativa muito pessoal e sincera.

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