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O pixo é estrela de cinema

Com roteiro de Cripta Djan, "Urubus" humaniza a figura do pixador, recria cenas icônicas da história do pixo e questiona o que é arte

por Beatriz Lourenço Atualizado em 9 nov 2021, 15h01 - Publicado em 26 out 2021 23h35
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(arte/Redação)

m grupo de pixadores escala um edifício no centro da cidade e, no topo, escreve em letras gigantes o nome de seu grupo. Nesse processo cheio de adrenalina, os integrantes precisam lidar com o segurança, que os denunciou e, na hora de descer, encaram seu principal adversário: a polícia. É assim que começa Urubus, o primeiro longa-metragem de ficção que retrata o universo do pixo. 

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Ele é uma parceria entre o diretor Claudio Borrelli e o pixador Cripta Djan, que ocupa o papel de roteirista. Já a produção fica por conta de Fernando Meirelles, conhecido por Cidade de Deus. “Começamos a conversar em 2008. Com o tempo, a frequência dessas conversas foi aumentando e a desconfiança [que era uma característica marcante do Djan] foi se transformando em amizade. Perguntei se ele conseguia colocar a história de vida dele no papel e ele me trouxe uma página na qual existia uma narrativa emocionante – era o que eu procurava. Quando fechamos o contrato, ele escreveu rapidamente 96 páginas de história, a qual roteirizamos”, conta Borrelli.

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O filme tem como protagonista o jovem Trinchas (Gustavo Garcez), que comanda um grupo de pixadores, cuja vida se transforma ao conhecer Valéria (Bella Camero), uma estudante de arte com quem se envolve. Juntos, eles participam de experiências de tirar o fôlego de quem assiste: a ocupação da Bienal de Arte de São Paulo, as competições entre os grupos e a vontade de marcar o ponto mais alto da cidade. A partir desses atos, os jovens da periferia se tornam o centro de uma discussão sobre o que é a arte.

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“Eu queria muito ser fiel à realidade, mas entendendo essa proposta da ficção. Inseri muitos fatos e pessoas que passaram pela minha vida, como os colegas Rafael Pixobomb e a Carol Pivetta. Mas como não caberia toda a história deles, eu peguei a essência do que faria sentido para o filme”, ressalta Djan. 

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Este é o primeiro filme de Borrelli, que vem da publicidade. Ele diz que foi lá que se interessou por essa história, já que nenhum cenário de suas filmagens poderia mostrar os riscos pretos nas paredes. “O que eu queria era jogar luz no ser humano que existe por trás do pixador – a ideia não era romantizar e nem vitimizar essas pessoas. É importante que o Brasil veja que esses são adolescentes como os outros, fazendo uma arte de rua original, que não estava nas revistas, nas galerias e nos livros de arte. E que é uma arte criada em São Paulo”, diz. 

“Eu queria muito ser fiel à realidade, mas entendendo essa proposta da ficção. Inseri muitos fatos e pessoas que passaram pela minha vida. Mas, como não caberia toda a história deles, peguei a essência do que faria sentido para o filme”

Cripta Djan
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(Urubus/Divulgação)

Ao todo, foram dez anos tentando conseguir orçamento para filmar Urubus. Porém, o preconceito com o tema fez com que o diretor precisasse tirar dinheiro do próprio bolso para realizá-lo. “O Claudio foi sempre fiel ao movimento e teve muito tempo para estudar e entender quem somos. Ele vestiu a camisa e isso foi muito importante para nós”, afirma o artista. “Tudo aconteceu de uma forma um pouco clandestina. Tanto que na última cena, quando estávamos gravando no centro de São Paulo, eu levei um enquadro da polícia e tive que mostrar minha autorização”, completa o cineasta. A estreia acontece na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Conversamos com a dupla sobre arte, cinema e, claro, pixação.

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Onde surgiu a ideia do filme e como foi o processo de pesquisa?
Claudio Borrelli: Em 2008, eu estava escrevendo um outro roteiro quando me despertou a vontade de contar um pouco sobre a pixação. Eu estava na publicidade mas nunca me senti pertencente a esse meio – mas, como estudei cinema na era Collor, quando não tinha nenhum tipo de incentivo para produções, acabei ficando. Até que o pixo foi um tema que me despertou curiosidade. Isso porque sempre fiz muitos filmes de carro e, toda vez que filmamos no centro de São Paulo, não podemos gravar cenas onde há pixações. 

Em uma rápida pesquisa, descobri o Djan, que estava fazendo o documentário Pixo, de João Wainer. Conversamos, nos conhecemos e eu o convidei para fazer essa parceria. Eu perguntei se ele conseguia colocar a história de vida dele no papel e ele me trouxe uma página na qual existia uma narrativa emocionante – era o que eu procurava. Quando fechamos o contrato, ele escreveu rapidamente 96 páginas de história, a qual roteirizamos. Nessa época, o Djan parou de pixar e passou a registrar o movimento, então tudo o que ele gravava eu assistia. Me envolvi com as músicas, as roupas e tudo o que me interessava para fazer o filme. 

“Queria jogar luz no ser humano que existe por trás do pixador – a ideia não era romantizar e nem vitimizar essas pessoas. É importante que o Brasil veja que esses são adolescentes como os outros, fazendo uma arte de rua original, que não estava nas revistas, nas galerias e nos livros de arte”

Claudio Borrelli
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(Urubus/Divulgação)

Djan, como foi para você  escrever esse roteiro? Você contou parte da sua história e se inspirou na vida real?
Cripta Djan: Quando eu conheci o Claudio, estava no processo de documentar a cena do pixo há alguns anos. No começo, eu nem sabia o que escrever, tinha apenas algumas ideias baseadas na minha vivência e na história da própria pixação. Eu refleti sobre tudo isso para criar uma sinopse. Foi a primeira vez que fiz algo do tipo, mas quando nos encontramos, ele gostou do meu trabalho e resolvemos seguir juntos. Lembro que ele até me mandou um computador para eu escrever, já que era uma época em que poucos tinham acesso. Foi uma experiência muito diferente e boa ao mesmo tempo. Eu queria muito ser fiel à realidade, mas entendendo essa proposta da ficção. Inseri muitos fatos e pessoas que passaram pela minha vida, como os colegas Rafael Pixobomb e a Carol Pivetta. Mas como não caberia toda a história deles, eu escolhi a essência do que faria sentido para o filme.

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Os personagens passam por muita coisa: há a adrenalina do pixo, a maternidade, o envolvimento com as drogas e até a morte. Como foi juntar todos esses elementos?
Cripta Djan: Tudo o que acontece no filme já aconteceu na vida de pessoas que pixam. Tentamos ser bem fiéis a esse contexto social que envolve a galera desde a sua origem até o estilo de vida. A ideia foi sempre fazer algo sincero, então não queríamos deixar nada de fora. 

Claudio Borrelli: Tudo foi feito com o direcionamento do Djan. Eu digo que ele foi o pintor, eu fui o pincel e o filme foi o quadro. Conseguimos dar a vida para todos os acontecimentos do mundo do pixo. A Valéria, por exemplo, era para ser uma pixadora, mas o Djan pediu para transformá-la em uma estudante de arte porque era a época que os universitários estavam se aproximando da cena e começando a estudá-la. 

Cripta Djan: A gente começou muito focado na minha vivência do final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, que era uma vivência só da rua. Mas conforme a Bienal aconteceu e a minha carreira foi mudando, o filme foi tomando outro rumo – adicionando mais discussões sobre o que é arte.  

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(Urubus/Divulgação)

A ocupação da Bienal é um dos acontecimentos abordados e foi o fato que elevou a discussão sobre o pixo. Como foi isso na vida real?
Cripta Djan: Quando estávamos produzindo o documentário Pixo, me aproximei de vários representantes do movimento. Um deles era o Rafael Pixobomb, que estava cursando a Belas Artes. Ele é um pixador que foi estudar e conseguiu ter uma percepção de qual era a posição do pixo no campo das artes. Assim, estava muito antenado para essas ideias. Foi aí que ele acabou pensando nessa intervenção que, com o meu apoio, aconteceu. O que nos motivou foi um discurso do curador da chamada Bienal do Vazio sobre a proposta da edição: um andar vazio livre – ideal para intervenções urbanas. Esse foi o momento em que nos sentimos convidados a participar. A partir daí, o pixo acabou tomando novas discussões no campo da arte. Estávamos muito antenados nessa relação com outras esferas e criando diálogos com a sociedade, mas tivemos a sensibilidade de entender que esse era o momento de reivindicar o nosso espaço de fala. 

Até agora não havia nenhum filme de ficção com esse tema. Como vocês percebem a estreia de “Urubus” no circuito?
Claudio Borrelli: Esse filme é uma realização muito grande porque foi muito difícil colocá-lo de pé. Em 2008, não havia esse diálogo entre a pixação e a sociedade e, por isso, não conseguimos recursos. Até coloquei o dinheiro do meu próprio bolso para fazê-lo. 

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Cripta Djan: Eu acho que os pixadores vão se identificar muito com o longa. Quando eu assisti, achei que ele sintetizou muito o movimento. Ainda mais por conta da própria galera da rua ter atuado. Ele é muito legítimo e fiel, os pixadores vão se sentir representados. 

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(Urubus/Divulgação)

Qual é a importância dos atores serem, na verdade, pixadores?
Claudio Borrelli: Por mais que seja um filme de ficção, a maioria dos atores são pixadores. Quando estávamos filmando, o Djan foi realizar uma exposição fora do país e os meninos tiveram uma grande importância no set. Eles me davam dicas de como eles agiriam se aquelas situações estivessem acontecendo com eles. Foi uma assessoria que deixou o longa mais próximo da realidade. Além disso, parece que eles viveram aquilo de fato enquanto estavam filmando. Quando o personagem Trinchas vai preso e fica um tempo no carro, por exemplo, o Gustavo Garcez chutou o carro com todas as forças dele e deu para perceber que ele ficou realmente nervoso ali dentro. Quando ele saiu, passou mal e demorou um pouco para perceber que era tudo um filme. Essa foi uma das cenas que eu considero mais importantes. É curioso que durante as gravações nós fomos abordados pela polícia diversas vezes, sentimos na pele a criminalização do pixo.

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(Urubus/Divulgação)

Depois da Bienal, o pixo volta para os museus como uma forma de arte. Como vocês analisam isso?
Cripta Djan: Depois da invasão da Bienal, estreamos o documentário Pixo na Fundação Cartier, em Paris, que estava fazendo uma retrospectiva mundial da história da arte de rua. No ano seguinte, voltamos convidados para a Bienal de São Paulo. Além disso, participamos também da Bienal de Berlim e de vários outros eventos do tipo. Quando o pixo vai para os museus, os pixadores geralmente têm essa preocupação de não banalizar a essência. Na Bienal de São Paulo que fomos convidados, por exemplo, apresentamos a pixação apenas através de documentos – um registro sobre o que ela é na rua. Já no Museu da Língua Portuguesa, neste ano, o trabalho era mais avançado e envolvia a tipografia e a linguagem, mas não o nosso pixo de fato (o nome do nosso grupo). Esse foi um processo que envolveu pesquisa e tempo para entendermos que não queríamos o conforto de uma parede branca para pixar, mas sim uma proposta de repercutir a nossa arte como um fenômeno social que trabalha lado a lado com a política. 

Horários de exibição na 45ª Mostra

27/10 – 16h – Local CCJ Ruth Cardoso
27/10 – 19h30 – Local Vão Livre MASP
31/10 – 15h45 – Espaço Itaú de Cinema – Augusta Sala 1
Mais informações e ingressos: 45.mostra.org/filmes/urubus

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