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No final do ano passado, durante a Wonderland, conferência em Miami sobre o universo psicodélico, o lendário astro do boxe Mike Tyson expôs publicamente como fumar o veneno do sapo Incilius alvarius foi um ponto de virada em sua vida, a partir do qual saiu da depressão, recuperou a autoestima, curou o vício em cocaína, perdeu quase 50 quilos, se reaproximou da família e voltou a praticar boxe.
“As pessoas veem a diferença em mim”, declarou o ex-pugilista de 56 anos, que disse ter fumado o veneno do sapo uma série de vezes nos últimos quatro anos. “O que fala por si. Se você me conhecesse em 1989, conheceria uma pessoa diferente. Minha mente não é sofisticada o suficiente para elaborar o que aconteceu, mas a vida melhorou. Todo o propósito do sapo é você atingir o seu mais alto potencial. Eu olho o mundo de maneira diferente. Somos todos uma coisa só. Tudo é amor”, disse o atleta que, em 1997, teve sua licença de boxeador revogada e foi multado em US$ 3 milhões após morder a orelha do oponente Evander Holyfield.
Previamente conhecido como Bufo alvarius, o sapo Incilius (não confundir com a perereca kambô, cuja secreções são utilizadas pelos povos da Amazônia como uma espécie de antidepressivo não-psicodélico) é nativo do Deserto de Sonora, na América do Norte. Frequentemente celebrado em rituais neoxamânicos tanto no México quanto nos Estados Unidos, o veneno, quando fumado, provoca alteração de consciência e seu consumo, em contexto ritualístico, está associado a relatos de diluição do ego, sensação de unidade com a natureza e a percepção de entrar em um estado místico.
“Existe um efeito dissociativo entre mente e corpo e você entra em um espaço do nada, em que nada existe, o chamado k-hole”, explica o psiquiatra Dr. Luís Fernando Tófoli, pesquisador sobre psicodélicos e professor na Unicamp. O termo “k-hole” refere-se ao efeito da cetamina (ketamine, em inglês), substância psicodélica, tradicionalmente usada como sedativo, que no final de 2020 teve seu uso aprovado pela Anvisa para tratamentos de depressão aguda.
“As pessoas têm essa noção equivocada de que para ser considerado droga não é terapêutico e vice-versa, né? Droga é uma substância que faz algum efeito no organismo, pode ser benéfico ou não. Cafeína é droga”, diz o clínico geral paulista Dr. Bruno Rasmussen Chaves, que já realizou mais de 1.500 tratamentos de dependentes químicos com ibogaína (substância psicodélica extraída da raiz da planta africana Tabernanthe iboga) em 28 anos no ramo. “Cocaína foi durante muito tempo propagandeada pelo Freud como um bom tratamento contra a depressão e depois se viu que ela não é tão benéfica assim, que causa uma rebordosa danada e leva a uma diminuição na produção de serotonina, que é gastada toda num espaço de tempo mais curto e no dia seguinte faz falta, fica com o estoque diminuído”, explica Rasmussen.
“As pessoas têm essa noção equivocada de que para ser considerado droga não é terapêutico e vice-versa, né? Droga é uma substância que faz algum efeito no organismo, pode ser benéfico ou não. Cafeína é droga”
Bruno Rasmussen Chaves, clínico geral
A diferença dos psicodélicos é que, apesar de também interferirem em neurotransmissores como serotonina, dopamina, noradrenalina e gaba, elas têm uma tendência muito menor de criar dependência, inclusive do que os próprios antidepressivos convencionais. Se comparados com cocaína, crack, nicotina, heroína e mesmo álcool, têm a vantagem de serem muito pouco tóxicos e não alterarem drasticamente os sinais vitais.
“Os psicodélicos atuam em mecanismos emocionais que muitas vezes estão relacionados a quadros de ansiedade e depressão”, diz Lucas Maia, biólogo com mestrado (pela Unifesp) e doutorado (Unicamp) em Ciências, nas áreas de psicofarmacologia e saúde mental. A depressão está associada à perda de conexões neuronais, além de um desequilíbrio de neurotransmissores relacionados ao prazer, como a serotonina e dopamina.
“A gente nasce com aquele número de neurônios e eles vão morrendo devagarinho, ao mesmo tempo que com a idade as conexões vão se enfraquecendo. É muito importante para o nosso estado de espírito, para o nosso bem-estar, para a nossa disposição, que os neurônios estejam em uma proporção correta, bem ajustados e equilibrados entre si”, explica Rasmussen.