5 perguntas e respostas sobre a Lei Rouanet
A Lei Nacional de Incentivo à Cultura, também conhecida como Lei Rouanet, vive sendo alvo de polêmicas. No último mês, o debate se intensificou e envolveu nomes como a popstar Anitta e o cantor Zé Neto. Essa troca de farpas, que começou na internet, acarretou na chamada “CPI do Sertanejo”, ou seja, uma investigação sobre uso de dinheiro público para cachês elevados de cantores no país.
Acontece que houve uma confusão entre a Rouanet e a lei de licitações da prefeitura – o que gerou críticas infundadas, uma vez que há um amplo desconhecimento sobre o funcionamento de cada uma delas. Ao contrário do que muita gente pensa, a primeira não tem a ver com dinheiro público, já que são as empresas que encaminham uma parte do seu imposto devido à União a projetos culturais.
“As pessoas acreditam em qualquer coisa. Elas acham que é só ser artista que você será beneficiado e magicamente irá cair um dinheiro na sua conta pessoal. Não é assim”, afirma a produtora e professora Marianna Holtz. “A importância de uma lei como a Rouanet para a cultura é a de viabilizar produções artísticas, oferecer esse produto à população, formar novos artistas, democratizar o acesso à arte e fazer do Brasil um país mais desenvolvido intelectual e emocionalmente”, completa a profissional. Para tirar as dúvidas e esclarecer seu funcionamento, respondemos cinco perguntas essenciais abaixo:
O que é Lei Roaunet e como funciona?
A Lei Rouanet foi criada por Sérgio Paulo Rouanet, Secretário de Cultura da Presidência da República da gestão Collor em 1991 como uma forma de viabilizar projetos culturais a partir da renúncia ou incentivo fiscal. “O objetivo é ajudar financeiramente as produções artísticas e dar acesso à população a esses bens”, diz Marianna. “É importante lembrar que existem determinados termos, regras desse jogo a serem cumpridas e é isso que faz com que a lei possa democratizar o acesso.”
Por exemplo: se você produz de forma independente e decide cobrar R$ 800 em um ingresso, ninguém vai impedir. Sua única obrigação em relação a isso é oferecer meia-entrada dentro dos pré-requisitos legais – se o valor for de R$ 400, não há ilegalidade nisso. Porém, na Rouanet não é assim! O valor do ingresso não pode ultrapassar o teto de R$ 250 a inteira.
Para ser contemplado, um autor submete seu projeto à Secretaria Especial da Cultura e passa por avaliação do órgão. Quando aprovado, ele precisa procurar empresas ou pessoas interessadas em apoiá-lo financeiramente. Esse valor pode ser repassado via doação ou patrocínio. Com isso, as empresas podem apoiar com até 4% do Imposto de Renda que se deve ao governo, enquanto pessoas físicas podem patrocinar o equivalente a 6% do IR.
“O dinheiro da captação não vai para a conta pessoal, mas para uma conta do projeto. É preciso prestar esclarecimento do primeiro real que entra ao último centavo que foi gasto por meio de extratos, comprovantes de pagamento e notas fiscais”, explica a especialista. “Ou seja, se eu coloquei no orçamento que vou pagar a direção cênica com um cachê de R$ 5 mil por mês, preciso juntar na prestação de contas uma nota fiscal para cada mês emitida por essa pessoa com a descrição do serviço.”
Quais áreas podem ser contempladas?
Podem ser contempladas 36 áreas da cultura, como artesanato, canto, circo, dança, feira de negócios culturais, exposições de arte, teatro, grafite, livros impressos e até capacitação cultural. Os projetos de cinema não são contemplados pois têm seus próprios meios de incentivo ligados à Agência Nacional do Cinema (ANCINE).
Qual é o retorno que ela dá para o país?
Há quem diga que o apoio à cultura dá prejuízo ao Brasil. Afinal, por que gastar com isso enquanto o país passa por crises econômicas? Bom, um estudo divulgado pelo extinto Ministério da Cultura, em 2018, e realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou que a cada R$ 1 investido por patrocinadores em projetos culturais por meio da Lei Rouanet, R$ 1,59 retorna para a economia do país.
Nesse sentido, há também a geração de empregos em diferentes setores, como equipe de produção, atores, técnicos de luz, som, montagem, costureiras, músicos, bailarinos, criadores e também profissionais de outros setores que são beneficiados indiretamente através da contratação de produtos e serviços, como hotelaria, alimentação, aviação, transporte, entre outros. “Podemos pensar na economia criativa, já que esse investimento devolve boa parte do valor em impostos. É aí que a lei se torna duplamente rentável: ela aplica o dinheiro gerando renda para trabalhadores e tem como resultado um produto cultural que pode ser vendido/consumido, gerando mais renda através da bilheteria”, diz a produtora.
Qual é a importância da Lei para a cultura brasileira?
Segundo o professor da PUCPR Paulo Camargo, é muito difícil produzir cultura sem a ajuda estatal. Ainda assim, os projetos contemplados trazem conhecimento e formam retratos material de seu tempo – que servem para analisar diferentes perspectivas sociais em diferentes momentos da história.
“Um povo que não tem uma cultura visível, que não tem a possibilidade de ser levada a outros pontos do país e até mesmo para o exterior, não tem sua identidade cultural consolidada”, diz. “O Brasil não é um país homogêneo, há muita diversidade de povos, classes e regiões. Essa lei, portanto, viabiliza uma produção robusta nas mais diversas frentes e nos mais diversos pontos do país.”
Por que a Lei Rouanet ainda é alvo de tantas críticas e polêmicas?
Para Marianna, faltam informações: “O governo não dá dinheiro para artistas. Existe todo um processo legal burocrático para a aprovação de um projeto e é preciso ir à luta captar esses recursos”, conta. “É claro que existem pessoas corruptas e que conseguem burlar o sistema (mas não é fácil, já que ele não foi feito para isso), assim como existem pessoas corruptas em todas as áreas.”
A professora acredita, ainda, que essa desmoralização da Lei faz parte do desmonte que a cultura está passando. “Acho importante dizer para que a gente não se esqueça: arte não é problema, é solução. Ter um momento de lazer é muito importante para ficarmos mais sensíveis, mais conscientes e mais humanos. Com isso, crescemos enquanto sociedade.”