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“Famílias LGBTQIA+ existem – e a minha é meu bem mais precioso”

Casadas e com planos de engravidar no ano que vem, Ana Pucharelli e sua mulher encontraram no amor a melhor forma de resistência

por Brastemp + Elástica 15 jul 2021 00h25
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(Retrozinha/Divulgação)

Pode parecer que não, mas vivemos rodeados de histórias de amor. Quando crianças, aprendemos com os contos de fadas a acreditar em “felizes para sempre” e numa espécie de fórmula da felicidade. Crescemos um pouco e, nos livros e nas novelas, encontramos outras histórias de amor, algumas delas menos infinitas e mais… reais. Nos tornamos adultos, começamos a namorar mais sério, pensamos em casamento e nos dedicamos a viver a nossa própria história de amor. Mas será que esse script, seguindo sempre modelos heteronormativos de como se relacionar, trazem felicidade para todas as pessoas? Acho que não é spoiler nenhum dizer, ainda no primeiro parágrafo, que não. 

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(Camila Tuon (CeGê)/Fotografia)

“Quando a gente nasce, é como se entregasse para a gente a caixinha da felicidade, com o passo a passo para ser feliz. E eu fui seguindo a minha. Entrei na escola, me formei, tive meu primeiro namorado, entrei na faculdade – essa é a caixinha dos privilegiados, falando da minha vivência, né. Fiz intercâmbio, arrumei emprego, e o final da caixinha era casar e ter filhos. Quando cheguei nessa parte, senti que aquilo não estava certo para mim. Foi quando eu comecei a desconstruir o passo a passo da felicidade. Ele é uma furada”, conta Ana Pucharelli, gerente sênior de inteligência vendas e go to marketing da Whirlpool, nossa última entrevistada de uma série de conversas, em parceria com Brastemp Retrô, sobre como o amor verdadeiro nunca sai de moda.

Hoje, aos 31 anos, faz relativamente pouco tempo que Ana abandonou a cartilha da felicidade que tinha, até então, lhe trazido bons momentos. A desconstrução desse caminho único para chegar à felicidade veio acompanhada de uma lesão séria no joelho, em 2017. Na época, ela treinava crossfit de domingo a domingo e, quando recebeu do ortopedista a notícia de que o machucado era sério e a impediria de praticar o esporte por tempo indeterminado, seu mundo caiu. Ana se viu obrigada a começar a fisioterapia e, para as primeiras 10 sessões, a profissional da saúde que acompanharia seu tratamento era Camila Morano. “Foi ela a pessoa que me fez sentir um negócio muito estranho, não sabia direito o que estava acontecendo. A gente foi se aproximando, eu terminei as 10 sessões de fisio – em todas elas me questionando o que estava acontecendo. Lembro de me questionar: ‘se eu for gostar de menina, eu só não posso gostar dela, porque ela é muito cafona'”, lembra, rindo. 

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(Camila Tuon (CeGê)/Fotografia)

O que aconteceu, no entanto, foi exatamente o que Ana temia: as sessões terminaram, a conversa entre as duas continuou e, quando Camila a convidou para sair, ela aceitou. “A gente ficou no 25 de maio de 2017 e nunca mais nos largamos.” Junto com a descoberta de uma nova camada de sua sexualidade, vieram também uma série de questionamentos: “Quem sou eu? Sou lésbica? sou bissexual? E tudo que eu vivi até aqui? Foi um tratamento muito profundo até que eu conseguisse sair do armário e me assumir pra todo mundo, demorou mais pelo menos um ano e meio. Essa fase toda foi pautada por medo. Eu achava o ambiente corporativo aterrorizante. Tinha medo das pessoas descobrirem, medo de eu falar algo que fosse uma bola fora, tinha medo no fim de semana de sair de mão dada com ela”, Ana lembra. 

Sair do armário é realmente um processo solitário, às vezes assustador e cheio de obstáculos – o medo é o maior deles. De rejeição, de desamparo, de falta de acolhimento. E, no caso de Ana, a invisibilização que as pessoas bissexuais sofrem dentro da própria sigla era um novo agravante. Pessoas no geral, incluindo algumas LGBTQIA+, consideram a bissexualidade como uma fase apenas ou então como uma transição para que alguém se assume gay ou lésbica. “Foi difícil para mim me encontrar enquanto bissexual porque eu, de alguma forma, acreditava nesses dois cenários. Com o passar do tempo, tentei me desvincular de conceitos, entendi que precisava olhar para dentro da Ana sem rótulos. Analisando toda minha vida, que eu sempre namorei meninos, percebi que realmente os amei. Não posso invalidar tudo que eu vivi, os relacionamentos que tive me construíram, me trouxeram até aqui. Isso me deu certeza que eu não era lésbica, e, sim, bi.”

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(Camila Tuon (CeGê)/Fotografia)

“Não posso invalidar tudo que eu vivi, os relacionamentos que tive me construíram, me trouxeram até aqui. Isso me deu certeza que eu não era lésbica, e, sim, bi”

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A importância da representatividade

Se, do lado de dentro, a jornada de se assumir ocupava boa parte do espaço mental de Ana, do lado de fora, os ambientes que ela frequentava foram se mostrando mais abertos e mais possíveis para que ela finalmente vivesse sua verdade. Sempre focada em sua evolução profissional, o período de mudanças despertou também a vontade de mudar de emprego. Ela lembra de ter feito uma série de entrevistas antes de, finalmente, sentar com uma diretora da Whirlpool para pleitear uma vaga na empresa. “Quando fiz o processo seletivo da Whirlpool, foi diferente. Disse que morava com a minha namorada e ela não teve nenhuma reação – não teve surpresa ou nada. Aquilo me fez pensar: é aqui”, ela lembra. Logo na sequência, ela descobriu que aquela mulher que a entrevistou também estava num relacionamento homossexual e sua certeza de que queria estar em um ambiente corporativo que possibilitasse essa liberdade só cresceu. 

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(Camila Tuon (CeGê)/Fotografia)

“Aquilo fez com que eu entrasse de corpo e alma na empresa. A representatividade é essencial, importante para que as pessoas se sintam vivas, valorizadas e entendam que é possível. Ver-se nos outros ajuda você acreditar que você existe. Se você não existe, você não acredita em si mesmo”, completa Ana. Hoje, além do cargo de gerente sênior que ela desempenha na empresa, Ana também é co-líder do grupo Pride, que reúne funcionários LGBTQIA+ e também pensa em ações para aumentar a diversidade dentro da companhia. Um deles, batizado de “Conversas Sinceras sobre nossos Preconceitos”, foi uma ideia de Ana pensando em trabalhar algumas noções erradas que o time de vendas, do qual ela faz parte e que é historicamente mais homogêneo e masculino, poderia ter em seus vieses inconscientes. Eles trabalham em duas frentes: conhecimento, para compartilhar e desmistificar conceitos, tratando os problemas de maneira mais profunda; e KPIs, pensando estrategicamente como aumentar as contratações de pessoas diversas e que parceiros focados em diversidade a empresa pode agregar. 


“A representatividade é essencial, importante para que as pessoas se sintam vivas, valorizadas e entendam que é possível. Ver-se nos outros ajuda você acreditar que você existe. Se você não existe, você não acredita em si mesmo”

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(Camila Tuon (CeGê)/Fotografia)

“Acho que o mais importante é tratar do assunto com naturalidade, sem tabu. Não meço minhas palavras para falar da minha esposa, do nosso cachorro ou que estamos tentando engravidar. Sempre que tenho possibilidade de contar minha história numa roda de conversa, faço isso. E incentivo quem está ao meu redor para fazer o mesmo, porque todas as histórias são válidas. Isso tem feito diferença no meu time e também para outras pessoas, que me procuram para contar que estão com dificuldade de contar sobre a sexualidade para a família e amigos. É um ciclo virtuoso. Quanto mais natural é, mais seguro é o ambiente. A gente vai excluindo qualquer forma de preconceito, tirando palavras que possam machucar do nosso vocabulário e criando essa atmosfera de inclusão.”

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Próximos passos

Quatro anos depois de se conhecerem e se apaixonarem, Ana e Camila, hoje, são uma família. A festa de casamento estava marcada para novembro do ano passado, mas a pandemia levou os planos a serem prorrogados para um ano depois. A vontade de oficializar perante a lei o amor das duas, no entanto, não podia esperar. Casadas no civil desde o fim do ano passado, elas agora estão na reta final dos preparativos para a tão esperada festa – pensada para acontecer depois da vacina, é claro. “Vai ser uma festa bem desconstruída. Vai ter madrinha com madrinha, padrinho com padrinho… Uma comemoração que vai ser sobre amor e respeito”, ela conta, orgulhosa.


“Todo mundo tem desafios na vida e fica muito mais fácil superá-los quando se tem amor dentro de casa. Ela vai ter muito amor, aceitação e duas pessoas que sempre vão apoiá-la, vão dar um lar, coisa que milhares de crianças no Brasil não têm”

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(Camila Tuon (CeGê)/Fotografia)

Depois do casório, a ideia é aumentar a família. Ana e Camila já têm um cachorro – o Patela, um vira lata adotado e “muito pentelho”, nas palavras delas –, mas querem engravidar em 2022. Provavelmente, quem vai passar pela gestação é Ana, já que Camila não tem muita vontade de ter essa experiência. “Não estamos preocupadas com genética, a criança que vier, com o óvulo dela ou meu, vai ser nosso filho, filha ou filhe.” A preocupação bate, no entanto, ao pensar que vivemos em um mundo LGBTfóbico e que essa criança provavelmente vai enfrentar algumas dificuldades por ter duas mães. Mas não é um medo grande a ponto de fazê-las desistir da ideia. “Todo mundo tem desafios na vida e fica muito mais fácil superá-los quando se tem amor dentro de casa. Ela vai ter muito amor, aceitação e duas pessoas que sempre vão apoiá-la, vão dar um lar, coisa que milhares de crianças no Brasil não têm. Mais do que a possível dificuldade que ela encontre por ser filha, filho ou filhe de duas mães, ela vai ter a gente, de braços abertos, para o que der e vier.”

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Ficha técnica

FOTOGRAFIA E STYLING
CeGê

DIREÇÃO CRIATIVA
Kareen Sayuri

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CeGê é Camila Tuon e Gabiru, conheça mais o trabalho delas aqui.

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