Pode parecer que não, mas vivemos rodeados de histórias de amor. Quando crianças, aprendemos com os contos de fadas a acreditar em “felizes para sempre” e numa espécie de fórmula da felicidade. Crescemos um pouco e, nos livros e nas novelas, encontramos outras histórias de amor, algumas delas menos infinitas e mais… reais. Nos tornamos adultos, começamos a namorar mais sério, pensamos em casamento e nos dedicamos a viver a nossa própria história de amor. Mas será que esse script, seguindo sempre modelos heteronormativos de como se relacionar, trazem felicidade para todas as pessoas? Acho que não é spoiler nenhum dizer, ainda no primeiro parágrafo, que não.
“Quando a gente nasce, é como se entregasse para a gente a caixinha da felicidade, com o passo a passo para ser feliz. E eu fui seguindo a minha. Entrei na escola, me formei, tive meu primeiro namorado, entrei na faculdade – essa é a caixinha dos privilegiados, falando da minha vivência, né. Fiz intercâmbio, arrumei emprego, e o final da caixinha era casar e ter filhos. Quando cheguei nessa parte, senti que aquilo não estava certo para mim. Foi quando eu comecei a desconstruir o passo a passo da felicidade. Ele é uma furada”, conta Ana Pucharelli, gerente sênior de inteligência vendas e go to marketing da Whirlpool, nossa última entrevistada de uma série de conversas, em parceria com Brastemp Retrô, sobre como o amor verdadeiro nunca sai de moda.
Hoje, aos 31 anos, faz relativamente pouco tempo que Ana abandonou a cartilha da felicidade que tinha, até então, lhe trazido bons momentos. A desconstrução desse caminho único para chegar à felicidade veio acompanhada de uma lesão séria no joelho, em 2017. Na época, ela treinava crossfit de domingo a domingo e, quando recebeu do ortopedista a notícia de que o machucado era sério e a impediria de praticar o esporte por tempo indeterminado, seu mundo caiu. Ana se viu obrigada a começar a fisioterapia e, para as primeiras 10 sessões, a profissional da saúde que acompanharia seu tratamento era Camila Morano. “Foi ela a pessoa que me fez sentir um negócio muito estranho, não sabia direito o que estava acontecendo. A gente foi se aproximando, eu terminei as 10 sessões de fisio – em todas elas me questionando o que estava acontecendo. Lembro de me questionar: ‘se eu for gostar de menina, eu só não posso gostar dela, porque ela é muito cafona'”, lembra, rindo.
O que aconteceu, no entanto, foi exatamente o que Ana temia: as sessões terminaram, a conversa entre as duas continuou e, quando Camila a convidou para sair, ela aceitou. “A gente ficou no 25 de maio de 2017 e nunca mais nos largamos.” Junto com a descoberta de uma nova camada de sua sexualidade, vieram também uma série de questionamentos: “Quem sou eu? Sou lésbica? sou bissexual? E tudo que eu vivi até aqui? Foi um tratamento muito profundo até que eu conseguisse sair do armário e me assumir pra todo mundo, demorou mais pelo menos um ano e meio. Essa fase toda foi pautada por medo. Eu achava o ambiente corporativo aterrorizante. Tinha medo das pessoas descobrirem, medo de eu falar algo que fosse uma bola fora, tinha medo no fim de semana de sair de mão dada com ela”, Ana lembra.
Sair do armário é realmente um processo solitário, às vezes assustador e cheio de obstáculos – o medo é o maior deles. De rejeição, de desamparo, de falta de acolhimento. E, no caso de Ana, a invisibilização que as pessoas bissexuais sofrem dentro da própria sigla era um novo agravante. Pessoas no geral, incluindo algumas LGBTQIA+, consideram a bissexualidade como uma fase apenas ou então como uma transição para que alguém se assume gay ou lésbica. “Foi difícil para mim me encontrar enquanto bissexual porque eu, de alguma forma, acreditava nesses dois cenários. Com o passar do tempo, tentei me desvincular de conceitos, entendi que precisava olhar para dentro da Ana sem rótulos. Analisando toda minha vida, que eu sempre namorei meninos, percebi que realmente os amei. Não posso invalidar tudo que eu vivi, os relacionamentos que tive me construíram, me trouxeram até aqui. Isso me deu certeza que eu não era lésbica, e, sim, bi.”
“Não posso invalidar tudo que eu vivi, os relacionamentos que tive me construíram, me trouxeram até aqui. Isso me deu certeza que eu não era lésbica, e, sim, bi”