A plataforma de cursos Brava traz visões antissistêmicas sobre sociedade, cultura e empreendedorismo em aulas ministradas por mulheres e pessoas trans
por Beatriz LourençoAtualizado em 16 nov 2021, 11h03 - Publicado em
16 nov 2021
00h25
No Brasil, a educação tem tudo a ver com privilégios. Quem tem condições financeiras geralmente sai na frente na corrida pelo conhecimento. Isso porque as escolas públicas raramente têm infraestrutura o suficiente para ensinar seus alunos com qualidade – e isso está diretamente relacionado com o investimento do Estado. O Censo da Educação Básica de 2020, elaborado pelo Inep, revelou que parcela significativa dessas instituições de ensino em atividade no Brasil não têm acesso à internet, por exemplo.
O desmonte também atinge os professores que, quando tentam abordar temas sociais com os adolescentes, são censurados. Foi o que aconteceu com um professor de Criciúma, em Santa Catarina, que foi demitido por mostrar aos seus alunos o clipe de “Etérea”, música do Criolo com temática LGBTQIA+. “A minha percepção sobre o mundo da educação é que esse é um sistema que não funciona e tem que ser transformado. Ele é um reflexo da sociedade que, muitas vezes, exclui mulheres, corpos dissidentes e pessoas trans. Se a gente vive em uma era machista, racista, transfóbica, isso é refletido no ensino”, afirma Fabi Kassabian, criadora da Brava.
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O que é ser Brava?
A Brava é um espaço de cursos e atividades que incentivam o pensamento crítico, com distanciamento de sistemas que modelam as opressões. O nome é um spoiler do posicionamento do lugar, já que brinca com as emoções de quem quer construir uma sociedade mais justa e igualitária, além de desconstruir preconceitos e modelos pré-estabelecidos. “Viver dentro desse sistema e ter consciência disso causa raiva. E se você não está brava, está vivendo um outro Brasil. A braveza é um sentimento de indignação”, explica a fundadora.
Mas o caminho foi longo para chegar até a proposta do que a plataforma é hoje. Tudo começou com um espaço físico de coworking no Centro de São Paulo. Mas, assim como outros estabelecimentos, teve que fechar as portas com a chegada da pandemia e do isolamento social. Após muita reflexão, Fabi decidiu que era a hora de mudar o rumo do local. “Olhei para aquilo que estava fazendo e cheguei à conclusão de que queria seguir por outro caminho. Estamos vivendo um desmonte, um desgoverno e momentos muito difíceis politicamente falando. Tudo isso acabou refletindo nessa nova construção que foi criada”, lembra Fabi. “Todos os cursos são facilitados por mulheres e pessoas trans e são atravessados pelo recorte de gênero, raça, classe, sexualidade… Isso é muito importante, pois viramos um lugar de educação que subverte um pouco a lógica do que está posto.”
“Viver dentro desse sistema e ter consciência disso causa raiva. E se você não está brava, está vivendo um outro Brasil. A braveza é um sentimento de indignação”
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Para ela, é impossível não associar a pessoa que ensina às suas vivências. Isso porque a trajetória de cada um é o que define suas crenças e ações no mundo. “Uma aula técnica não é só técnica porque ela passa pelas construções políticas e sociais de quem está facilitando aquele espaço. Quando temos um curso de desenho, por exemplo, nunca é só sobre desenho. É um espaço de pensamento crítico”, conta.
A Brava também não cumpre as regras impostas pelo ensino regular: não há hierarquia entre professor e alune e todos os que estiverem presentes podem compartilhar suas ideias, pensamentos e vontades. “Criamos um ambiente horizontal porque entendemos que ninguém é detentor de um saber, estamos sempre em um processo de desconstrução. Nossas aulas incentivam o importante exercício da escuta.” E isso torna o aprendizado mais leve para quem está ali e deixa o espaço seguro para quem ministra as aulas — coisa que, muitas vezes, ambientes formais de ensino não trazem. “Como somos pessoas plurais, criamos algo muito bonito em conjunto”, se orgulha Fabi.
Para transformar, o ensino deve ser anticapitalista
Se o conhecimento precisa ser difundido e chegar em quem não tem condições financeiras, como criar uma política de valores justa? Bom, geralmente há algumas opções de preços que são apresentados dentro dos cursos e o alune escolhe de acordo com a sua possibilidade financeira. Já quando há um valor fixo (de R$ 90, no máximo), a plataforma disponibiliza descontos para mulheres negras, indígenas, pessoas trans e PCDs.
Além disso, há um montante de bolsas de 100% que são oferecidas para quem não pode arcar com os custos – basta enviar um e-mail e contar o porquê aquele curso é importante para você. “Se eu estou falando que a educação precisa ser acessível, anticapitalista e que tem que chegar na maior parte das pessoas, o valor é algo que separa quem tem acesso e quem não tem. A nossa liberdade é uma liberdade ficcional porque se você não tem dinheiro, não tem escolhas”, diz a criadora. “Sabemos que o projeto de governo não quer uma sociedade livre e que se emancipa. Por isso, a educação é o primeiro lugar que ele corta. Sem conhecimento sobre o que está acontecendo, você tem barreiras para se impor e questionar.”
“Se eu estou falando que a educação precisa ser acessível, anticapitalista e que tem que chegar na maior parte das pessoas, o valor é algo que separa quem tem acesso e quem não tem. A nossa liberdade é uma liberdade ficcional porque se você não tem dinheiro, não tem escolhas”
Quando falamos de produção de conhecimento, geralmente pensamos em homens brancos acadêmicos porque são eles que, desde os primórdios, tiveram mais chances de falar e de serem ouvidos. “A academia invisibiliza corpos que estão às margens porque colocam essas pessoas como produtoras de conhecimentos que não são universais. Como a Brava não parte de um conhecimento universal ou de uma ciência neutra, é muito importante trazer as pessoas que sofrem com o cotidiano para falarem de suas próprias opressões”, explica Fabi.
Ao abordar o feminismo, racismo ou transfobia, é essencial que as pessoas que vivem isso estejam ali para abrirem um espaço de discussão. É por isso que quem ministra as aulas são mulheres, mulheres negras e pessoas trans. “Fazendo isso, a gente muda a ordem tradicional das coisas”, exalta. Porém, é importante dizer que essas pessoas não falam só sobre suas dores, mas também sobre o que gostam e são boas de fazer: os cursos abrangem diversos temas, como artes, ciência, política e espiritualidade.
Por ser online, a educação chega mais longe e, além do Brasil todo, vai até para fora – fazendo com que as discussões e os discursos sejam mais diversos. “Existe uma preocupação muito grande na curadoria dos cursos para que pessoas de todo o país possam falar. Nesse sentido, sair do eixo Rio-São Paulo é essencial”, afirma Fabi. “Mas a gente ainda tem um problema que é a falta de acesso à internet. Esse é um ponto que precisa ser tocado e sempre que refletimos o que é a Brava, tentamos pensar como isso pode ser superado para que o ensino chegue em mais pessoas.”
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Confira 5 cursos para fazer na Brava até o fim do ano:
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Letras para que te quero: Introdução ao lettering
Datas: 20 /11+ 27/11 Horário: 10h às 13h Valor: R$90 para o público em geral e R$70 para mulheres negras, indígenas e pessoas trans. Facilitadora: Paula Cruz (@thepaulacruz)
Este é um workshop de introdução ao desenho de letras, tendo como objetivo dar a base teórica e prática necessárias para você começar seus belíssimos e originais desenhos de letras! O workshop é dividido em duas partes: uma teórica, contendo definição, princípios básicos, dicas de acabamento; e outra prática, tendo planejamento projetual e criação de dois projetos do zero: um monograma e uma palavra.
Datas: 28/11 Horário: 14h às 17h Valores conscientes: você paga o quanto pode dentro das opções apresentadas: R$30 / R$40 / R$50 Facilitadora: Karime Ahmad B. Cheaito e Aycha Raed K. Sleiman (@des.orientese)
Este curso tem como objetivo oferecer uma proposta de como ensinar sobre Orientalismo no Ensino Básico, com foco no Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Busca-se estabelecer um diálogo com os/as/es docentes de modo a indicar algumas possibilidades de ensino-aprendizagem que contribuam para a formação de crianças e jovens críticos e capazes de apreender como o Orientalismo se manifesta em nossa sociedade.
Data: 30/11 Horário: 19h às 21h Valores conscientes: você paga o quanto pode dentro das opções apresentadas: R$20 / R$35 / R$50 Facilitadora: Letícia Carolina Nascimento (@profaleticia_)
No aulão “Cisgeneridade: fundamentos transfeministas” ês alunes terão acesso ao modo crítico que autoras transfeministas brasileiras têm abordado em suas discussões a categoria Cisgeneridade. Ao contrário dos ataques recebidos, a categoria não está estritamente relacionada às questões identitárias, tampouco emerge para dividir e hierarquizar identidades de gênero. Dentro da crítica feminista brasileira, cisgeneridade é uma importante categoria de análise que se propõe desnaturalizar as relações de gênero e sexualidade, apontando que nenhuma corporalidade e identidade de gênero é natural, denunciando que alguns corpes a partir da falha noção de naturalidade possuem trânsitos e privilégios sociais que são inviabilizados para pessoas transgêneras. No aulão serão apresentadas as bases empíricas e epistemológicas da categoria.
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Uma teoria (negra) sobre o amor
Data: 15/12 + 16/12 Horário: 19h às 21h Valores conscientes: você paga o quanto pode dentro das opções apresentadas: R$35 / R$25 / R$15 Facilitadora: Jordana Barbosa (@jordanared)
O objetivo desse curso é nos fazer refletir sobre o que sabemos sobre o amor e desconstruir ilusão amorosa ocidental. Além disso, ele ensinará a entender como o amor não é simplesmente um sentimento que mantém relações, sejam elas de amizade, conjugais ou familiares. Não é uma resposta pronta, não é uma fórmula, muito menos uma receita, mas com atenção podemos entender algumas formas de amar.
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O medo da sexualidade feminina dentro do cinema de horror
Data: 12/12 Horário: 11h às 13h30 Valores conscientes: você paga o quanto pode dentro das opções apresentadas: R$25 / R$45 / R$45 Facilitadora: Carissa Vieira (@carissinhavieira)
Ao analisar o cinema de horror, o corpo da mulher muitas vezes é o mais massacrado em tela. E essa brutalização muitas vezes vem do medo desse corpo tão cheio de vida e que é capaz de criar vida. No aulão, vamos analisar a sexualidade da mulher em alguns subgêneros e épocas do cinema de horror e o quanto esse retrato mudou com o tempo. Também vamos observar como isso é retratado de forma distinta por cineastas homens e cineastas mulheres. Vamos falar do retrato da sexualidade da mulher nos distintos subgêneros do cinema e de horror e como essa sexualidade é parte do que motiva as tramas dos filmes, gerando inclusive, tropos narrativos como a famosa “final girl” que existe nos filmes de slasher.