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A nova manobra de Karen Jonz

Se antes a pista de skate era um desafio, agora são os palcos. Após o álbum “Papel de Carta”, a artista trabalha na evolução da carreira musical

por Beatriz Lourenço 16 mar 2023 12h00

Desde criança, meu sonho era ser skatista. Ia contra todas as profissões sugeridas pela família e brigava toda vez que ouvia dizer que manobras radicais não eram “coisa de menina”. Até que, depois de mostrar vídeos e fotos de Karen Jonz arrasando na pista, ganhei meu primeiro skate.

Vê-la recebendo medalhas e participando dos maiores campeonatos do mundo deixou muitas jovens como eu esperançosas. Afinal, quando uma mulher é reconhecida num ambiente majoritariamente masculino, abre espaço para que outras também ocupem esse lugar. Depois de se tornar a primeira brasileira campeã mundial de skate vertical, Karen comprou um computador e passou a se dedicar a outra paixão: gravar e produzir música

Em 2022, ela buscou novos caminhos sonoros e explorou um lado que o público não conhecia – resultando no álbum “Papel de Carta”. Nesse momento, o desafio não foi realizar um ​​frontside ollie, mas vencer a timidez e estrear nos palcos do Rock in Rio.

“Senti que, tocando, as pessoas estavam ali para me assistir e me apoiar. Ninguém estava me julgando. Se eu errasse, tudo bem”, afirma à Elástica. “Já quando se é atleta, se você caiu, já era, perdeu. O erro é fatal. E isso foi muito bom de entender essa diferença.”

No começo de 2023, a artista lançou a faixa e o clipe “Coocoocrazy” junto com a banda Cansei de Ser Sexy. Começamos a escrever a letra inspirados no contexto que a Luíza estava vivendo muito forte, da preservação ambiental, do plástico e da poluição. Todos esses assuntos são muito importantes pra nós”, conta. “A primeira linha da música já começa com ‘queria não ser um ser humano lixo’ e a partir daí vai virando uma ‘treta’ com humor.”

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(Camila Cornelsen/Arquivo)

Abaixo, confira a entrevista completa com Karen Jonz:

Qual é o espaço que o skate ocupa na sua vida hoje?
Desde que comecei a andar ele é uma ferramenta de autoconhecimento e é algo que uso para melhorar minha saúde mental – também é importante por ser um exercício físico. Para além disso, é um estilo de vida. No início, era um lugar de diversão e de descoberta. E aí, em um dado momento, a coisa virou séria e profissionalizou – com momentos competitivos de X-Games e campeonatos mundiais.

Quando você transforma um hobby na sua profissão continua sendo algo bom, mas não necessariamente 100% divertido o tempo inteiro. Nesse momento, que a música está ocupando mais espaço na minha vida, o skate voltou para esse lugar de válvula de escape. E tô muito feliz assim. É claro que foi importante eu ter participado de campeonatos e ganhado vários títulos, mas atualmente faço porque gosto e não por obrigação. Hoje tenho um plano com a música. A BMG, minha gravadora, aposta e acredita em mim. Tenho uma equipe de assessoria de imprensa, de digital, pessoas que me acompanham com a parte visual. Acaba sendo uma coisa muito maior que eu, sabe? 

E você já tinha a banda há um tempo atrás. Quando você decidiu apostar numa carreira mais séria e profissional?
Eu já tinha decidido que não ia participar da corrida olímpica. E aí teve o momento em que fui convidada para fazer a narração dos Jogos – já não estava mais no papel de skatista competitiva. Decidi que, naquela hora, eu teria condições e tempo para me dedicar à música. Foi quando começamos a fazer o disco no estúdio do Lucas e, com o resultado na mão, acabei fechando com a BMG.

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(Camila Cornelsen/Arquivo)

Como a busca pelo seu estilo musical? Teve alguma coisa que você gostou ou não gostou nesse processo?
Sempre gostei muito de rock e flertei com eletrônico e com essa coisa mais indie. As bandas que gosto também influenciam muito no tipo de som que toco. Em um momento do disco ele era bem pesado, e aí gente acabou trazendo um pouco mais pro indie – uma vibe mais pop de quarto. O que me representa mais no momento atual é esse tipo de som, que é meio melancólico, porém com letras mais autobiográficas. Algumas músicas também acabam indo por um caminho mais engraçadinho. Então meu estilo é o resultado dessa mistura.

Qual é a sua relação com o feminismo? Você já conhecia o tema quando estava na pista?
Sempre tive predileção por coisas que as mulheres tinham mais espaço. Sempre gostei muito de bandas de meninas. Quando comecei a andar de skate, eu era uma das poucas garotas nesse meio, mas já tinha algumas que andavam antes e eu achava demais – não tem nada mais legal do que uma menina andando de skate. Ressalto que foi muito importante ter essa geração anterior que abriu caminhos para que eu pudesse fazer isso também.

Acho que naturalmente fui guiada para esse movimento de tentar melhorar um pouco o que sinto que é injusto. Depois de um tempo, comecei a entender que isso é feminismo e até hoje tento me atualizar, me informar das coisas que estão acontecendo e entender todos os lados antes de definir um posicionamento.

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Ainda hoje você se sente questionando papéis de gênero, patriarcado, machismo?
Super, né? Sou mãe de uma menina de sete anos, então agora mais que nunca isso é necessário. A geração dela já cresce com uma perspectiva diferente e é importante que ela tenha uma mãe que é consciente. A minha mãe e a minha avó, apesar de não se falar disso na época, eram pessoas super revolucionárias. Minha avó conta que foi uma das primeiras mulheres do bairro a usar calça – que ela mesma costurou. Então eu já tive esse exemplo dentro de casa, mas não era uma coisa que era discutida, que era pauta. 

No skate, apesar de ter evoluído muito e a gente ter mais meninas andando, ainda tá muito distante de ser uma coisa equilibrada. Já na minha relação com meu companheiro, a gente questiona direto – apesar dele também estar sempre se informando e se esforçando para ser melhor. Pensando na música, acho que cada vez mais as mulheres estão tendo espaço. A gente está vendo vários festivais agora com mulheres incríveis. Então não tem como fechar o olho para isso agora, temos que continuar fazendo um esforço para que a gente tenha cada vez mais espaço, melhores salários e mais diversidade de mulheres ocupando lugares importantes.

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(Camila Cornelsen/Arquivo)

Como você percebe a nova geração do skate chegando e ocupando esse espaço que antes também era seu
Para mim é muito lindo que as crianças tenham uma referência feminina no esporte. Quero que isso seja normal para elas. Quando comecei a andar era uma ou outra e eu tinha que carregar uma revista para provar isso. Eu trabalhei minha vida inteira para o dia de ver essas meninas na pista. Sinto que meus esforços estão sendo recompensados e a sensação é maravilhosa quando vejo elas no pódio, vivendo do skate e trazendo oportunidade para suas famílias.

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Há discussões sobre a inclusão de pessoas trans e não binárias no esporte. Como você percebe esse movimento?
Esse é um assunto que está sendo falado agora. Até tem várias polêmicas em relação a isso e é um tópico em construção. A gente tem poucos exemplos de pessoas trans e não binárias no esporte profissional. Talvez há um pouco de relutância do público mais conservador, mas é inevitável que essa discussão aumente de proporção.

Queria que você comentasse um pouco como foi a produção do álbum e o que te inspirou a criar as músicas. Você gostou do resultado?
Amei o resultado. É muito louco porque às vezes as pessoas lançam as coisas e depois de um tempo param de gostar. E eu ainda adoro! Gostei da qualidade de produção, da mixagem, da masterização e das letras também. Escuto com carinho e gosto de ouvir as músicas. Nesse momento estamos na fase de produzir clipes. Acabou de sair a parceria com Cansei de ser Sexy e “Certeza Absoluta” que é uma música que tenho um carinho especial. 

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(Camila Cornelsen/Arquivo)
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Como foi a parceria com Cansei de Ser Sexy?
Comecei falando com a Camila Cornelsen, uma diretora que gosto muito e mora em Los Angeles. Ela sugeriu que a gente gravasse lá por questões práticas e para ter mais estrutura. Fiquei muito animada com a ideia da gente gravar em Super 8 e aí rolou uma confusão: eu ia para gravar o clipe de “Certeza Absoluta”, mas a locação cancelou e, para não perder as passagens, gravamos com CSS. Quando terminou, era óbvio que isso tinha que ter sido feito. 

Tentamos trazer uma sensação de nostalgia porque a banda fez muito sucesso nos anos 2000, por isso a pegada de viagem no tempo. Temos até um DeLorean no clipe, o que é muito legal. Ele é bem simples, não tem nada de figurinos mirabolantes ou locações com fumaça, sei lá. Mas está no mesmo universo das músicas e  da linguagem que quero trabalhar.

Há algo da trajetória no skate que você usa agora na música?
Eu comparava isso de fazer show com um campeonato e eu entendi que não tem nada a ver. Apesar de eu estar ali competindo e gostar de fazer música, sou bastante introspectiva e até um pouco tímida. Então o lance de palco era algo que me assustava muito. No primeiro show, eu estava muito nervosa – até porque foi o Rock in Rio. Então eu tinha dois motivos para estar nervosa. Mas senti que, tocando, as pessoas estavam ali para me assistir e me apoiar. Ninguém estava ali pra me julgar. Se eu errasse, tudo bem. Já quando se é atleta, se você caiu, já era, perdeu. O erro é fatal. E foi muito bom entender essa diferença.

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(Camila Cornelsen/Arquivo)
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