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Cher Strauberry é a união de arte, skate e música

Em uma conversa com a Elástica, a artista trans conta sua relação com o punk rock, seu primeiro álbum, a coleção para a Vans e o mundo underground

por Beatriz Lourenço 20 jan 2022 11h14
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(Clube Lambada/Ilustração)

 norte-americana Cher Strauberry é uma das grande inspiração para a comunidade LGBTQIA+. Isso porque ela é uma multiartista em crescimento: tem uma editora de zines, foi uma das primeiras mulheres trans no mundo do skate profissional e tem uma banda de punk rock, a Twompsax. Além de ajudar a fundar uma marca de skate queer, Glue Skateboards, Cher está constantemente lutando pela inclusão na cena underground.

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Natural da Califórnia, ela se apaixonou pelo esporte logo cedo, quando viu seu irmão e amigos fazendo manobras pela rua. Após aprender as mais difíceis, seus pais a deixaram abandonar a escola e se concentrar na carreira. E o resultado veio cedo: aos 12 anos, Strauberry conquistou o primeiro lugar geral na California Amateur Skateboard League. Porém, quebrou o tornozelo pouco antes do final da temporada e seus sonhos foram suspensos. “Foram três acidentes. Precisei parar de andar por mais de 11 anos”, conta. 

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Na adolescência, a artista descobriu o The Alternative Music Foundation, em Berkeley, um local de música coletiva com tudo incluído e para todas as idades. Foi lá que ela se aproximou do punk e fez amigos que mudariam sua vida. Em 2017, enquanto estava fazendo uma turnê, seu ídolo das pistas, Leo Baker, foi em um de seus shows e a presenteou com um shape novinho – o que a incentivou a voltar a praticar esportes. Nessa época, ela e seus colegas criaram o Queer Skate Day, uma data para reunir e celebrar a população queer. Sua motivação foi, principalmente, a necessidade de se aproximar de pessoas iguais a ela. As muitas transformações que viveu nesse momento a fizeram entender melhor sua identidade de gênero: em uma conversa com sua parceira da época, Cher se entendeu como mulher trans. Esse foi o marco de seu recomeço. 

Em 2019, a revista Thrasher publicou um curta documentário sobre Cher e as lutas que ela enfrenta, desde a relação conturbada com a família até o julgamento de uma sociedade intolerante. Mas, ainda que encontre dificuldades, ela é sinônimo de resistência. “Acho que ainda estou processando o fato de que apenas ser eu mesma poderia ajudar alguém, mas não quero pensar demais sobre isso e nem tentar ser algo que não sou”, conta. No mesmo ano, ela lançou seu primeiro álbum, Chering is Caring, fruto de gravações caseiras – e muita criatividade.

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A novidade é que agora Cher entrou também para o mundo da moda em uma collab com a Vans, incorporando seu estilo divertido e ousado em peças de tênis e vestuário. “Estou muito animada por redesenhar alguns dos meus pares favoritos da Vans. Minha inspiração para a coleção veio mesmo da minha relação com as roupas. Nunca gostei muito de fazer compras ou de passar muito tempo em uma loja. A maioria das minhas peças favoritas são de pessoas que me presentearam com suas roupas velhas ou itens de brechó. A estampa de guepardo veio do meu amigo Wavvie, que me deu minha primeira saia, que era – você já adivinhou – da mesma estampa. Quando as roupas têm um significado por trás delas, são mais como uma armadura ou ferramenta de expressão criativa do que apenas uma camiseta”. A Elástica conversou com a artista sobre essa parceria icônica, carreira e, claro, skateboard.

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(Cher Strauberry/Arquivo)
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Como foi o seu primeiro contato com o skate?
Conheci esse mundo através do meu irmão mais velho e dos amigos dele no bairro onde crescemos – todos os dias, eu os via andar e fazer manobras pela rua. Mais ou menos depois de um ano implorando para ganhar um dos meus pais, eles me deram um skate bem barato, daqueles que parecem brinquedo de criança. As rodinhas quase não se mexiam. Eu ganhei um de boa qualidade do namorado da minha irmã mais velha – ele até comprou uma rampa! Isso aconteceu quando eu tinha uns oito anos, aí andei até os 13. Naquele ano, quebrei meu tornozelo três vezes e parei de andar por mais de 11 anos.

Você também tem uma banda punk. Como você concilia sua vida no skate e na música?
Sinceramente, não penso muito nesse equilíbrio. Quando fiquei muito tempo sem andar de skate, descobri os shows de punk e foi a melhor coisa de todas. Penso que os dois andam de mãos dadas: eu amo sair em turnê e fazer shows da mesma forma que amo praticar, filmar e fazer edições. Não quebro minha cabeça com isso e acho que é bom assim. Alguns dias, quero andar de skate; em outros, quero fazer zines e fazer coisas da banda, então eu apenas aceito como vem e faço que é bom para mim.

Em uma entrevista antiga, você comenta que gostaria que skatistas trans tivessem pavimentado esse caminho para que você pudesse perguntá-los sobre suas vivências. Como você se sente sendo a pessoa que está fazendo isso pelos outros?
Nossa, eu fico realmente lisonjeada que alguém diga isso, é muito louco! Fico feliz em ajudar aqueles que eu puder, principalmente a partir do meu skate. Acho que ainda estou processando o fato de que apenas ser eu mesma poderia transformar a vida de alguém, mas não quero pensar demais sobre isso e nem tentar ser algo que não sou. Quando as pessoas chegam para conversar e me dizem coisas bonitas, sempre me interesso em ouvir suas experiências também.

“Acho que ainda estou processando o fato de que apenas ser eu mesma poderia transformar a vida de alguém. Quando as pessoas chegam para conversar e me dizem coisas bonitas, sempre me interesso em ouvir suas experiências também”

Como você percebe seu projeto com a Vans?
Minha colaboração com a Vans é provavelmente o projeto mais divertido em que já trabalhei. Adoro estampa de animal print e adoro ir filmar, fazer fotos e trabalhar com os designers. Meu amigo Seancho foi o responsável pelas fotos e esse foi um processo muito divertido! É uma honra e sou muito grata por fazer parte dessa família. Além disso, pensar e projetar um sapato da marca é um sonho realizado, porque ele é o melhor para quem ama skate.

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(Cher Strauberry/Arquivo)

Quais foram as principais experiências que te transformaram e formam suas visões de mundo?
Foram várias, mas provavelmente elas aconteceram quando eu tinha 15 anos e passava pelo processo de fazer meus primeiros zines, marcar os primeiros shows da minha banda e me envolver em comunidades criativas. Percebo que o que mais mudou a maneira como eu vejo o mundo são pessoas apoiando as outras em seus ofícios e paixões. Posso dizer o mesmo sobre a comunidade do skate: ela ajuda as pessoas não só a se divertirem, mas também é um espaço de acolhimento, para apoiar amigos – e isso é um aprendizado constante! Acho que ainda estou tendo esses momentos e vivendo experiências de mudança e espero que elas durem para sempre. Viver isso é algo muito especial para mim.

“Percebo que o que mais mudou a maneira como eu vejo o mundo são pessoas apoiando as outras em seus ofícios e paixões. Posso dizer o mesmo sobre a comunidade do skate: ela ajuda as pessoas não só a se divertirem, mas também é um espaço para apoiar amigos”

Recentemente, o skate foi incluído nas Olimpíadas. Como você avalia a necessidade de inclusão de pessoas trans no campeonato?
Eu realmente odeio concursos e não me importo com as Olimpíadas. Espero que as pessoas trans possam fazer o que quiserem na vida – e se alguém ou qualquer organização não puder apoiá-las, respeitá-las e incluí-las, além de ser muito triste, essas instituições é que saem perdendo.

Eu não gosto de atitudes competitivas em geral porque acho que pode ser muito tóxico. Skate, para mim, é algo divertido e sem compromisso e eu quero mantê-lo assim para sempre. Não tenho interesse em competir contra ninguém ou nada além do mal e da corrupção em nosso governo e das pessoas que governam o mundo. Além disso, eu não sinto que a competição em qualquer esporte realmente construa um senso de comunidade, que é tudo o que eu quero ver. As coisas devem ser divertidas e trazer prazer à vida das pessoas e não acho que os concursos façam isso.

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(Cher Strauberry/Arquivo)

“​​Espero que as pessoas trans possam fazer o que quiserem na vida – e se alguém ou qualquer organização não puder apoiá-las, respeitá-las e incluí-las, além de ser muito triste, a perda é delas”

Seu primeiro álbum é o Chering is Caring. Como foi o processo criativo por trás dele?Sou uma grande nerd. Amo tocar violão no meu quarto, gravar coisas no meu toca-fitas e conversar com as pessoas. Eu meio que sempre fiz isso. Desde que me lembro, estou sempre criando, cantando músicas e gravando. Fica tudo guardado em uma caixa. Então, quando pensei em lançar, abri a caixa, ouvi horas de fitas e um amigo me ajudou a escolher as melhores. Fico muito feliz que pude finalmente compartilhar uma pequena parte dos últimos três anos das minhas gravações, é uma das minhas coisas favoritas que já fiz!

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(Cher Strauberry/Arquivo)
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