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Quem cuida das mães solo?

Reunimos relatos de mulheres que já passaram por situações negativas apenas por estarem com seus filhos, escancarando nossa sociedade individualista

por Beatriz Lourenço Atualizado em 11 Maio 2022, 10h52 - Publicado em 6 Maio 2022 00h23
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(Arte/Redação)

Em janeiro deste ano, um casal de influenciadores gerou polêmica ao afirmar que crianças não seriam permitidas em sua festa de casamento. Recentemente, no mês de abril, um bar localizado em São Paulo não deixou uma mulher participar da comemoração de aniversário de sua amiga porque ela estava com seu filho. Esses dois fatos funcionaram como gota d’água para que um debate antigo, sobre a exclusão que as mães solo vivem diariamente, ganhasse mais força nas redes sociais.

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A reflexão aqui é simples. Se a mãe não tem uma rede de apoio, ela precisa escolher entre duas opções: deixar de realizar suas tarefas ou levar a criança consigo. Quando escolhe o segundo cenário, ainda enfrenta desafios como olhares repreensivos, falta de estrutura dos ambientes e o preconceito por não estar com o parceiro. A influenciadora Carol Rocha contou à Elástica que, quando foi a um restaurante que gostava muito, os funcionários não a deixaram ocupar a mesa que queria por estar com seu bebê. “Me colocaram lá no fundo, perto da cozinha e distante da entrada. Além disso, realocaram um casal que estava perto de mim para outro lugar, dando a entender que é ruim estar perto de crianças.”

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De acordo com uma pesquisa do Instituto Data Popular, o Brasil tem 67 milhões de mães. Dessas, 31% são solteiras e 46% trabalham. Com idade média de 47 anos, 55% das mães pertencem à classe média, 25% à classe alta e 20% são de classe baixa. A pesquisa afirma, ainda, que as mães do século 21 são menos conservadoras e mais interessadas em tecnologia do que as do século passado – ou seja, o estereótipo da mãe que fica em casa está ultrapassado.

“O que me impressiona é que as situações ruins que passei quando tive a minha primeira filha, em 1999, ainda passo hoje com a minha bebê – nada mudou nesse meio tempo. Ninguém pensa se a gente precisa de ajuda ou apoio”, declara a influenciadora Veronica Oliveira. “Saber que alguém perdeu algo apenas pelo fato de ter filhos é compreender que falhamos enquanto humanos.” Abaixo, reunimos relatos de mulheres que já passaram por poucas e boas (no caso, ruins), apenas por serem mães.

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Carol Rocha 

“Me tornei mãe solo quando meu filho, Valentin, tinha um ano e meio. Sempre o levei para fazer tudo comigo, seja na casa dos amigos, bares, restaurantes e até em museus – não só pela necessidade, mas porque eu amo a companhia dele. Mas, uma vez aconteceu algo que me deixou muito constrangida: fui até um restaurante que gostava muito numa sexta-feira e, quando cheguei com o Valentim, os funcionários não deixaram eu me sentar em nenhuma mesa da frente porque disseram que estavam reservadas. Me colocaram lá no fundo, perto da cozinha e distante da entrada. Além disso, realocaram um casal que estava perto de mim para outro lugar, dando a entender que é ruim estar perto de crianças. Em todo tempo que fiquei lá, a mesa que eu queria não foi ocupada.

Acontece que eles deram um jeito de nos esconder e isso fez com que eu me sentisse super mal. Parei de ir no lugar e comecei a frequentar só ambientes onde me sentia acolhida. Porém, isso também é uma limitação para as mães. Acho que o que pode ser feito para mudar é olhar as crianças como pessoas, e as pessoas devem ser respeitadas por menores que elas sejam.”

“Acho que o que pode ser feito para mudar é olhar as crianças como pessoas, e as pessoas devem ser respeitadas por menores que elas sejam”

Carol Rocha
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(Tatiana Fanti/Reprodução)

Tatiana Fanti

“Uma das escolas que minha filha, Maria Eduarda, estudou tinha uma turma muito pequena. Quando ela entrou, o primeiro choque que tive foi de ser a única mãe solo do grupo de cuidadores. Mas, até então, estava tudo bem, porque em casa nunca tratamos a separação como um tabu – sempre conversamos muito sobre o assunto. Nessa época, ela tinha uma uma melhor amiga e sua mãe sempre chamava minha filha para ir passar a tarde na casa dela. Um dia, falei para a gente trocar: minha filha chamaria a amiga para passar a tarde aqui. Até que fui buscá-las e a Maria Eduarda voltou dizendo que os pais da amiga não deixaram ela vir porque eu não era casada.

“Sinto que não ter um marido parece uma justificativa para uma falha de caráter, como se a culpa do fim do relacionamento fosse sempre da mulher. A mãe solo é julgada se trabalha demais, se trabalha de menos, se fica solteira, se volta a ter relacionamentos…”

Tatiana Fanti

Isso me deixou muito surpresa e esse fato ficou por muito tempo na minha cabeça. Penso até hoje: qual é o conceito que as pessoas têm de uma mulher que não é casada. Será que elas acham que levo diversos homens para casa? E mesmo que levasse, qual é o problema? Sinto que não ter um marido parece uma justificativa para uma falha de caráter, como se a culpa do fim do relacionamento fosse sempre da mulher. A mãe solo é julgada se trabalha demais, se trabalha de menos, se fica solteira, se volta a ter relacionamentos… Precisamos quebrar esse paradigma. 

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Veronica Oliveira 

“Acredito que toda mãe já se sentiu excluída em algum momento. O que me marca muito é a cara de reprovação das pessoas quando chego com uma criança em lugares que não são praças, parques ou eventos infantis. Na hora da amamentação, os olhares são muitos e isso é o que mais incomoda. 

O que me impressiona é que as situações que passei quando tive a minha primeira filha, em 1999, ainda passo hoje com a minha bebê. Nada mudou nesse meio tempo. A última vez que passei por uma situação ruim foi na hora de pegar um voo curto, de uma hora e meia. Na hora que entrei com a criança, a fileira toda fez uma cara feia – como se fosse um absurdo levá-la para viajar. Ninguém pensa se a gente precisa de ajuda ou apoio. Dito isso, também percebo a ansiedade que fico quando preciso sair e levá-los junto. Penso ‘e se a criança chorar?’ ou ‘e se incomodar alguém?’. Aí acabo ficando em casa e deixando de conviver em sociedade. O ideal seria que nós todos tomássemos a iniciativa de participar da convivência e da criação dos pequenos. Saber que alguém perdeu algo apenas pelo fato de ter filhos é compreender que falhamos enquanto humanos. 

“O ideal seria que nós todos tomássemos a iniciativa de participar da convivência e da criação dos pequenos. Saber que alguém perdeu algo apenas pelo fato de ter filhos é compreender que falhamos enquanto humanos”

Veronica Oliveira
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Kamila Urbanek 

“Um dia, fui para o centro da cidade com o meu filho, Martin, e, na volta, pegamos um ônibus metropolitano – era horário de pico. Decidi sentar em um banco preferencial com ele no colo e uma senhora sentou do meu lado. Ele estava com um ano e seis meses e ainda mamava no peito, que é algo importante de destacar porque há um preconceito muito grande com crianças maiores na hora da amamentação. Logo que sentamos, ele quis mamar e os pezinhos dele ficavam encostando nessa senhora, que ficou extremamente irritada tentando desviar. Eu não soube muito como reagir além de segurá-lo para tentar minimizar o incômodo.

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(Kamila Urbanek /Divulgação)

“É muito problemático que as pessoas não enxerguem as crianças como cidadãos com direitos. Quando barramos uma criança ou impedimos que uma mulher realize tarefas, ferimos o outro e causamos traumas”

Kamila Urbanek

Na metade do caminho entrou uma mãe com duas crianças pequenas e muitas mochilas. E ninguém deu lugar para eles, uma espécie punição por ela estar ali. É engraçado que ninguém se solidariza mais quando o bebê passa dos três anos. As crianças não conseguiam se segurar e tudo ficou tão absurdo que eu perguntei se alguém poderia levantar. A senhora que estava do meu lado, por sua vez, até deu risada debochando. Quando falei de novo, um moço levantou com muito custo. Isso mexeu muito comigo. É muito problemático que as pessoas não enxerguem as crianças como cidadãos com direitos. Quando barramos uma criança ou quando impedimos que uma mulher possa realizar tarefas, ferimos o outro e causamos traumas muito difíceis.” 

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Iza Mariana Diniz

“Minha filha tem sete anos. Recentemente, ganhamos ingressos para o Onix Day, do Lollapalooza. Havia crianças por lá, mas notei que o evento não foi nada pensado para os pequenos. Não havia filas preferenciais, tivemos dificuldade de conseguir água e comida, os banheiros não estavam limpos e parece que tudo lá dificultou nosso passeio. Acho que, quando esses lugares não são acessíveis, acabam limitando a vivência das mães solo.

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(Iza Mariana Diniz/Divulgação)

“Temos poucas escolhas: deixamos de viver, adaptamos nossa vida ou conseguimos uma rede de apoio – que demanda uma estrutura de confiança muito difícil de criar. Quando a mãe é impedida de fazer algo, esse limitador se torna muito violento”

Iza Mariana Diniz

Há um tempo, ela ia ficar na casa do pai por uma semana e eu fiz planos para descansar e passear. Mas a madrasta pegou Covid-19 e tive que desmarcar tudo. Essa frustração não ocorreria se eu pudesse levar minha filha comigo em todos os lugares. É muito difícil e frustrante, mesmo quando temos uma rede de apoio. Até porque é importante que as crianças tenham acesso à cultura. Quando as pessoas falam que a mãe e a criança não tinham que estar em tal lugar, não pensam que essa pode ser a oportunidade que a mulher tem de fazer algo. Temos poucas escolhas: deixamos de viver, adaptamos nossa vida ou conseguimos uma rede de apoio – que demanda uma estrutura de confiança muito difícil de criar. A partir do momento em que a mãe é impedida de fazer algo, esse limitador se torna muito violento. Enquanto mulher negra e enquanto mãe, isso me dá uma carga mental muito forte. 

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