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A arte é feminina

O programa Women on Walls quer mais mulheres no mercado artístico. Por isso, amplia sua plataforma com aulas gratuitas, fórum e banco de talentos

por Beatriz Lourenço Atualizado em 2 Maio 2022, 09h59 - Publicado em 2 Maio 2022 01h26
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(Clube Lambada/Ilustração)

uando analisamos a história da arte, percebemos que as mulheres estavam sempre nos bastidores. Eram representadas pelo olhar masculino, ou precisavam do pai ou marido para assinar suas próprias obras. Até hoje, isso reverbera, já que elas não ocupam nem metade do espaço dos museus quando comparadas aos homens.

Em 2017, o coletivo artístico Guerrilla Girls, que luta por mais inclusão de mulheres na arte, realizou uma pesquisa no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP) e apontou que 60% dos nus de seu acervo são de mulheres, enquanto as obras de autoria feminina constituem apenas 6%. Como forma de reparação, o local abriu as portas, em 2019, para duas mostras com trabalhos feitos exclusivamente por elas: “Histórias das Mulheres” e “Histórias Feministas”. Nesse mesmo caminho, a Pinacoteca do Estado de São Paulo promoveu a exposição “Mulheres radicais: Arte latino-americana 1960-1985”, que apresentava trabalhos de 120 artistas, entre elas as brasileiras Lygia Clark e Lygia Pape.

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Para que a inclusão não pare por aí, a curadora e publicitária Marina Bortoluzzi, que também é uma das fundadoras do Instagrafite, criou o projeto Women on Walls, que funciona há dois anos como um programa de capacitação para mulheres artistas. “Ao perceber a falta de igualdade de gênero nesse meio, senti que precisava fazer algo para que elas tivessem mais visibilidade”, conta Marina à Elástica. “Passamos por diversas situações de machismo no cotidiano e ficamos fora do circuito. Assim, a solução que encontrei foi eu mesma criar novos circuitos.”

Inicialmente, estavam programadas as aulas presenciais em São Paulo, mas por conta da pandemia, foram migradas para o espaço digital via Zoom e com transmissão ao vivo pelo Youtube. Entre os assuntos abordados estão feminismo, ancestralidade e técnicas de trabalho. As professoras, por sua vez, têm uma vasta experiência na área: há nomes como Hanna Lucatelli, Criola, Nina Pandolfo, Carollina Lauriano e Mag Magrela.

“Passamos por diversas situações de machismo no cotidiano e ficamos fora do circuito. Assim, a solução que encontrei foi eu mesma criar novos circuitos”

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(Daiane Lúcio/Reprodução)

Rede de apoio

A troca vai além do aprendizado e se torna uma rede de apoio com mentorias e até um grupo no WhatsApp que é aberto para qualquer dúvida. “Isso é importante porque quem está começando na área precisa de opiniões e ideias sobre portfólio, orçamentos e planejamento de redes sociais, por exemplo”, conta a curadora.

Segundo ela, trabalhar o emocional das mulheres também é importante e isso pode ser feito através de conexões e trabalho em grupo. “Suas dores são comuns e aparecem em muitas facetas, seja pelo auto julgamento, falta de estrutura ou medo de se mostrar no mercado de trabalho”, diz. “Quando elas conversam entre si, se sentem mais acolhidas e empoderadas.”

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(Terroristas-del-Amor - VertigemBr -18 1 - mural Contra Todo Dito Ruim /foto Bárbara Freitas/Reprodução)

Resultados promissores

Até agora, 146 alunas brasileiras e de países de língua portuguesa como Cabo Verde, na África, e Portugal, foram formadas. Na primeira edição, em 2020, após a conclusão do programa, as alunas constituíram 80% das participantes de um festival de grafite, pintando um dos maiores corredores de arte urbana da região metropolitana do Estado de São Paulo e do Brasil.

Já em 2021, no fechamento da segunda edição, o WOW criou com as Sandálias Ipanema, patrocinadora deste ano, um concurso para possibilitar que as novas artistas estampassem sandálias da marca. O resultado foi tão satisfatório que rendeu uma coleção cápsula com três alunas selecionadas: Larissa Paredes Ramos, Thaiz Zafalon e Fabiana Mimura. O lançamento aconteceu no último mês de março.

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(Yacunã Tuxá – Retrato de amor ancestral/Reprodução)

Ampliar para acolher mais

Este ano, a dinâmica do programa vai mudar. Isso porque ele se transforma e se posiciona agora como uma FemTech, uma plataforma online e colaborativa de ensino livre, oportunidades e financiamento para todas as mulheres nas artes visuais. Ou seja, tudo o que era feito antes passará para a dinâmica de um site que contará com diversas seções, como vídeo aulas onde as participantes poderão compartilhar seus conhecimentos ou assistir a outras cadastradas, modelos de contratos e um fórum para troca de ideias. O lançamento oficial acontecerá no mês de junho.

“No ano passado tivemos 600 inscritas para chegar em 60 selecionadas, foi aí que me dei conta de que eu não conseguia atender a demanda. Como não queria deixar essas mulheres de fora, resolvi ampliar o projeto”, explica Marina. “O aprendizado também ficará mais fácil para mulheres com filhos, que não podem parar um horário específico para ver uma aula; aquelas que têm poucos recursos para viajar e aquela está curiosa para entender mais sobre a área.”

“Ainda há a pouca inclusão de todas as subjetividades – estamos falando aqui de mulheres trans, PCDs, indígenas e negras. Além disso, há comparação e o questionamento sobre a qualidade do nosso trabalho. Temos que ser dez vezes melhores do que os homens para nos darem credibilidade”

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(Daiane Lúcio/Reprodução)

Uma das páginas mais importantes do site será a “Contrate uma mulher”, onde empresas terão acesso ao perfil de todas as cadastradas. “Muitas marcas ainda associam projetos com mulheres artistas apenas no mês de março. Mas ser mulher, ainda mais nas artes, é uma luta e uma vitória diária. Esse glossário com todas as profissionais mobilizará os contratantes a enxergarem nossa pluralidade e capacidades. Eles não terão mais desculpas em não nos contratar”, afirma a curadora. Abaixo, ela nos conta mais sobre a relação de mulheres artistas e o mercado de trabalho:

Quais são as maiores dificuldades que as mulheres enfrentam no mercado da arte?
Há muitos pontos! A cobrança interna é uma grande barreira. Há também desafios pessoais, como aquelas que são mães solo e não têm onde deixar os filhos para irem trabalhar. Mas o que é comum a todas é a falta de convite para os projetos, já que os homens ainda são maioria nos line-ups. Ainda há a pouca inclusão de todas as subjetividades – estamos falando aqui de mulheres trans, PCDs, indígenas e negras. Além disso, há comparação e o questionamento sobre a qualidade do nosso trabalho. Temos que ser dez vezes melhores do que os homens para nos darem credibilidade.

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(Terroristas del Amor - Mira, 2021, acrílica sem algodão cru/Reprodução)

O que as marcas precisam fazer para incluir mais mulheres em suas campanhas?
O principal é olhar para as mulheres para além do mês de março. As mulheres estão aí trabalhando o ano todo, elas não são apenas uma pauta. Se os museus estão se retratando agora, também já está na hora de empresas e marcas trazerem projetos que fortaleçam essa comunidade. E fazer não só algo pontual, mas recorrente. Nós vivemos de arte e cultura. Quando falamos de apoiar artistas mulheres, as ações partem desde quem é colecionador até quando você vai seguir alguém nas redes sociais.

Como a arte pode ser uma ferramenta social que ajuda as mulheres a garantir direitos?
A equidade de gênero ainda não existe e a arte contribui mostrando isso de forma imagética e subjetiva. O fato de mulheres fazerem arte já é uma maneira de resistência porque levanta essa discussão – que não pode parar de circular.

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Para ficar de olho:
5 artistas que passaram pelo WOW

Larissa Paredes Ramos
A paulista Larissa Paredes Ramos tem 32 anos e é designer gráfica formada pela UNESP Bauru. É muralista desde 2019 e mora em Ribeirão Preto, mas já passou por várias cidades e estados durante suas andanças. Durante sua trajetória artística, trabalhou nas áreas da publicidade, editoração de revistas, lettering e, atualmente, descobriu sua nova paixão e propósito: trazer cores e vida às paredes pelo Brasil afora.

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Terroristas del Amor
Este é um coletivo formado em 2018 pelas cearenses Dhiovana Barroso e Marissa Noana. As artistas mobilizam diversas linguagens ligadas ao arcabouço da militância artística, desencadeando um processo educativo e elucidativo das experiências e afetividades lésbicas, e combatendo as diversas violências as quais estão à mercê.

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Yacunã
A ativista e artista visual é oriunda do povo indígena Tuxá de Rodelas, do interior baiano. Graduanda em Letras na UFBA (Universidade Federal da Bahia) e residindo na capital da Bahia, a arte se tornou a sua principal ferramenta de luta contra o racismo e em defesa dos povos indígenas. Suas obras são potencialmente influenciadas pela espiritualidade, memória e sabedoria das anciãs de seu povo e permitem um novo olhar sobre os indígenas contemporâneos que transitam entre os aldeamentos e as grandes cidades construindo novas estratégias de resistência.

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Jamaira Pacheco
A artista visual e muralista mora em São Paulo. Iniciou seus estudos na infância de maneira autodidata e, após se experimentar em técnicas de pintura, conheceu a arte urbana e o universo da cenografia – onde atuou durante sete anos como aderecista, cenógrafa e escultora. Seu trabalho investiga e expressa sua busca pelo que compreende o fazer artístico: o retorno a si mesma. É co-criadora do coletivo de arte urbana DROM (2018) desenvolvendo murais e ministrando aulas de artes em Jundiaí – SP.

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Daiane Lúcio
Nascida e crescida no interior de São Paulo (Sorocaba – SP), Daiane é uma viajante que está desbravando o Nordeste do país. Desde o início do isolamento social, a expressão através da pintura tem sido ferramenta de conexão com as versões de seu ser desde a infância, até as experiências atuais. Na busca pela autonomia como mulher preta num reconhecimento de autoestima e liberdade, hoje vive o deslocamento pelo fio condutor de referências que ligam paisagens, sons e vivências até a cura interna e protagonismo das próprias histórias.

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