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10 pensadores negros para escurecer suas ideias

Mais diversidade de pensamento começa também por escolher mais autores e autoras negras para a sua biblioteca

por Alexandre Makhlouf Atualizado em 22 nov 2021, 17h23 - Publicado em 11 nov 2021 02h54
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(Clube Lambada/Ilustração)

 mês de novembro é um dos mais importantes no nosso calendário. É quando o movimento negro celebra o orgulho de sua identidade e a mídia coloca os holofotes sobre as questões que eles combatem 365 dias ao ano. O dia 20, Dia Nacional da Consciência Negra, representa a importância dessa data por ser o aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, último líder do Quilombo dos Palmares, símbolo de resistência da luta contra o racismo no Brasil.

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Aqui na Elástica, “pautas identitárias” e “conteúdo de diversidade”, nas quais o movimento negro normalmente é encaixado nessas coberturas, são chamadas apenas de “pautas”. Procuramos trazer olhares distintos o ano inteiro e temos um time de colaboradores diverso que nos ajuda a cumprir essa missão. E, neste novembro, seguiremos essa linha editorial com algumas adições, como listas que enaltecem personalidades negras e iniciativas criadas por elas que contribuem para deixar o mercado menos desigual.

Depois de falar sobre afroempreendedorismo, passamos para o campo intelectual. Nesse sentido, relembramos de filósofos que refletiram sobre os direitos humanos, mulheres que lutaram pelo espaço na discussão feminista e pensadores que desenvolveram novos métodos de analisar a sociedade. Ao todo, dez pessoas que transformaram o curso da nossa história estão na lista. Confira:

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(Redação/Arte)

Abdias Nascimento

Abdias foi um dos principais ativistas dos direitos humanos e civis no Brasil. Indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2010, foi fundador do Teatro Experimental do Negro, o Museu de Arte Negra e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, além de ter ajudado a conceber o Memorial Zumbi. Abdias lecionou na Universidade Estadual de Nova York e em Yale, nos EUA, além da Universidade de Ifé, na Nigéria. “Eu sou o Leão Africano!”, ele costumava dizer em momentos ao lado de conhecidos íntimos. Também foi deputado federal e senador. É autor de O Genocídio do Negro Brasileiro e O Quilombismo.

“A dominação cultural da maioria dos brasileiros, de origem africana, por uma minoria elitista de índole europóide-estadunidense, constitui um fenômeno tão avassalador a ponto de, até aqueles que procuram defender a imagem brasileira de aceitação de africanidade, com frequência apoiarem explicitamente os preconceitos, as discriminações raciais e os dogmas mais reacionários prejudiciais aos afro-brasileiros”

Abdias Nascimento

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(Redação/Arte)

Grada Kilomba

Pensadora portuguesa mais importante de sua geração, Grada Kilomba transcende o ambiente acadêmico ao fazer de sua carreira uma grande luta ativista. Ela também é escritora, psicóloga e artista de sucesso, tendo apresentado suas obras em individuais na Pinacoteca de São Paulo, e em exposições coletivas que vão de Nova York a Gana. Seu livro mais importante, Memórias da Plantação, investiga o peso do racismo nas mulheres negras e racializadas em geral. Escrito durante sua tese de doutorado em Berlim, o estudo transcende os navios negreiros para mostrar o quanto a hegemonia branca pode ser implacável e nociva.

“A realidade experienciada do racismo, os encontros subjetivos, as experiências, as lutas, o conhecimento, a compreensão e os sentimentos dos negros no que diz respeito ao racismo, assim como as cicatrizes psíquicas que o racismo nos causa, têm sido amplamente negligenciados. Tais fatores só se  tornam visíveis nas esferas públicas e acadêmicas quando a normalidade da cultura nacional branca é subitamente perturbada, quando nossas experiências com o racismo colocam em risco o conforto da sociedade branca. Nesse momento, nós e nossa realidade com o racismo nos tornamos visíveis, faladas/os e até mesmo escritas/os, não porque talvez possamos estar em perigo ou em risco, ou precisar de proteção legal, mas sim porque tal realidade desconfortável perturba a estável imunidade branca”

Grada Kilomba
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(Redação/Arte)

bell hooks

Uma das vozes mais importantes e proeminentes do feminismo negro atual, bell hooks adotou o nome pelo qual é conhecida em homenagem à avó paterna, uma mulher indígena, e a grafia se dá minúscula, pois “o mais importante em meus livros é a substância e não quem sou eu”, como ela mesma afirma. Seu nome de batismo, Gloria Jean Watkins, ficou restrito apenas àqueles que a conhecem mais intimamente. Sua obra é arrebatadora – é difícil conversar com alguém que leu um de seus livros e não terminou a leitura transformado ou transformada. Ela defende um feminismo acessível para todes – mulheres, homens e crianças – e se distancia do elitismo acadêmico para se comunicar através de novas e plurais linguagens que não universalizem a existência de mulheres negras em uma limitada narrativa. Formada em literatura inglesa na Universidade de Stanford, com mestrado na Universidade de Wisconsin e doutorado na Universidade da Califórnia, bell escolheu conscientemente tornar-se uma intelectual e isso aconteceu para que ela, ainda jovem, conseguisse sobreviver à uma infância dolorosa em um lar disfuncional. De forma interseccional, muito bem fundamentada e politizada, bell tem o amor entre um dos temas mais discutidos em suas obras.

“Saber ser solitário é fundamental para a arte de amar. Quando conseguimos estar sozinhos, podemos estar com os outros sem usá-los como formas de escape”

bell hooks
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(Redação/Arte)

Lélia Gonzalez

​​Lélia foi ativista e pioneira nas discussões sobre relação entre gênero e raça. A professora, filósofa e antropóloga também teve vasta participação política: ajudou na formação do PT, foi do PDT, atuou nas discussões sobre a importantíssima Constituição de 1988 e integrou o primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Sua produção teórica, singular e inovadora, contestou os moldes da sociedade e toda a nossa formação cultural. Lélia discutiu e analisou o racismo, representou o Brasil em debates mundiais sobre a opressão dos negros e das mulheres e deixou uma produção intelectual intensa sobre o tema. “Por que vocês precisam buscar uma referência nos Estados Unidos? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”, disse Angela Davis sobre ela.

“É inegável que o feminismo como teoria e prática tem desempenhado um papel fundamental em nossas lutas e conquistas, na medida em que, ao apresentar novas perguntas, não só estimulou a formação de grupos e redes, mas desenvolveu a busca de uma nova forma de ser mulher. Ao centralizar sua análise em torno do conceito de capitalismo patriarcal (ou patriarcado capitalista), evidenciou as bases materiais e simbólicas da opressão das mulheres, o que constitui uma contribuição de crucial importância para o encaminhamento de nossas lutas como movimento”

Lélia Gonzalez
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(Redação/Arte)

Djamila Ribeiro

A pensadora brasileira mais pop dos últimos tempos é uma mulher negra, feminista, escritora, acadêmica, pesquisadora e mestra em Filosofia Política. Djamila ganhou as manchetes e o público graças a seu ativismo na internet e ao seu jeito didático, claro e engajado de se posicionar em relação às questões raciais. Sempre crítica e atenta a todos os movimentos sociais, ganhou status de colunista nos principais veículos do país, estampou capa de revistas e virou comentarista em programas de TV, mostrando que temas tido como espinhosos podem – e devem – fazer parte das nossas discussões cotidianas. Seu livro Pequeno manual antirracista, publicado pela Companhia das Letras, venceu o prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências Humanas, chegou a ser o mais lido do Brasil e, ainda hoje, mais de dois anos depois de seu lançamento, figura no 1º lugar da categoria na Amazon. 

“É importante a gente desmistificar quem é este sujeito que escreve. Geralmente, o que é mostrado para nós é escrito por homens brancos, ricos ou europeus, como se nós não produzíssemos saber também, como se não tivéssemos escrevendo a História. Poder mostrar isso para as pessoas é fundamental. Escritores de diferentes lugares, as pessoas que vêm da periferia também são sujeitos pensantes, que produzem, sujeitos que escrevem. Isso gera uma identificação em pessoas que nunca foram vistas como produtoras. Há uma identificação com o que está sendo escrito e com o que se escreve. O leitor consegue se ver nestas pessoas”

Djamila Ribeiro
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(Redação/Arte)

Chimamanda Ngozi Adichie

Luto, educação feminista para crianças, romances politizados, palavras que falam diretamente ao coração de mulheres negras. Nada escapa da brilhante capacidade de Chimamanda ao se expressar. Nascida em Enugu, na Nigéria, venceu o Orange Prize em 2008 com seu livro Meio sol amarelo, que ganhou adaptação para o cinema cinco anos mais tarde. Seu maior sucesso talvez seja Americanah, traduzido para mais de trinta línguas e veiculado em inúmeros países. Também é uma assídua participante do circuito de conferências TED Talks – juntas, suas apresentações ultrapassam as 20 milhões de visualizações. Se ainda não teve o prazer de mergulhar em uma obra da escritora e pensadora, nossa dica é começar pelo fininho – e transformador – Para educar crianças feministas.

“Temos que parar de pensar no feminismo como uma espécie de festinha exclusiva para a qual poucas pessoas são convidadas. Nosso objetivo é a igualdade no mundo. Queremos chegar a um ponto em que não vamos mais precisar do feminismo. Para isso acontecer, todo mundo tem que se envolver. Portanto, precisamos de homens feministas para mudar outros homens”

Chimamanda Ngozi Adichie
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(Redação/Arte)

Milton Santos

O baiano dedicou sua vida a estudar a sociedade brasileira através da geografia. Defensor da ideia de usar territórios e lugares como pontos de presença e desenvolvimento político-social, foi exilado durante a Ditadura. Na ocasião, tornou-se professor convidado das universidades de Toulouse, Bordeaux e Sorbonne, na França. Durante os anos 1980 e 1990, foi crítico ferrenho do neoliberalismo dos países desenvolvidos no final da Guerra Fria, e uma das vozes mais importantes na manutenção de relações internacionais entre o Brasil e o sul global na busca de uma nova construção de sociedade. É autor de mais de 40 livros, entre eles A Urbanização Brasileira, Pensando o Espaço do Homem e O País Distorcido: o Brasil, a Globalização e a Cidadania

“A globalização afeta todo o território nacional, mundano, brutal e cegamente, os equilíbrios e as perspectivas, mas, sobretudo, trazendo um fermento de desagregação, um impulso à quebra dos cimentos nacionais pacientemente construídos, e comprometendo a ideia de nação e de solidariedade. Esse impulso à desunião interna é tanto mais eficaz quanto mais ajudado pelo aparelho do Estado, como no caso brasileiro, onde, dizendo querer ser menor, o Estado se torna um forte coadjuvante no processo de agredir a nação”

Milton Santos
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(Redação/Arte)

Sueli Carneiro

A escritora e ativista é doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo. ​​Em 1983, quando o governo de São Paulo criou o Conselho Estadual da Condição Feminina, ela foi uma das lideranças do movimento de mulheres que lutou pela abertura de uma vaga no conselho para uma mulher negra. Em 1988, ela fundou o GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra, a primeira organização negra e feminista independente de São Paulo. Em 2009, Sueli Carneiro produziu o estudo “Mulheres negras e poder: um ensaio sobre a ausência”, um texto que aborda como as mulheres negras foram prejudicadas ao longo da história por questões de discriminações de raça e de gênero. 

“A origem branca e ocidental do feminismo estabelece sua hegemonia na equação das diferenças de gênero e tem determinado que as mulheres não brancas e pobres, de todas as partes do mundo, lutem para integrar em seu ideário as especificidades raciais, étnicas, culturais, religiosas e de classe social. Até onde as mulheres brancas avançaram nessas questões?”

Sueli Carneiro
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(Redação/Arte)

Achille Mbembe

Durante a pandemia de Covid-19, muito se falou sobre necropolítica. Ou seja, a capacidade do Estado de adotar políticas que estabelecem quem deve viver e quem deve morrer. Esse termo tão importante para o entendimento da sociedade foi criado por Achille Mbembe, um filósofo e historiador camaronês nascido em 1957. Hoje professor, o teórico questiona os limites do governo e investiga como o racismo, presente nas sociedades contemporâneas, fortaleceu políticas de morte. 

“O racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, ‘este velho direito soberano de matar’. Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado”

Achille Mbembe

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(Redação/Arte)

Mano Brown

A figura mais importante do rap no Brasil acabou de lançar sua carreira como apresentador com o podcast de sucesso Mano a Mano. Rapper e compositor, ele ficou conhecido por ser líder dos Racionais MC’s. Criado na zona sul de São Paulo, na região do Capão Redondo e Parque Santo Antônio, o músico pode ser considerado um porta-voz das favelas. Ele já cantou sobre a desigualdade social, o preconceito e o esquecimento por parte das autoridades políticas. Em 2016, lançou seu disco solo Boogie Naipe, inspirado nos bailes blacks dos anos 1980 e, no ano seguinte, a obra foi indicada ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa.

“A mentalidade racista está na cabeça de todos. Cada um no seu lugar de fala. Toda conjuntura é desfavorável. Todos pagam um preço. A leitura de um branco no meio de dois negões é de que ele é a vítima. Que temos que proteger o branco. O Brasil é isso aí. A periferia lida de modo diferente [com o racismo] e até com violência dos EUA. No Brasil, morre muito mais gente daquele jeito. Mas os EUA são uma torre. Repercute. Isso é bom para a raça negra do mundo inteiro”

Mano Brown
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